O que é o amor? É imortal, posto que é chama? É fogo que arde sem se ver? É um bichinho que rói, rói, rói? Esse é um questionamento que persegue homens e mulheres desde que o mundo é mundo e, geralmente, não encontra seu espaço entre saltos de plataformas, tiroteios frenéticos, gerenciamento de recursos, combos especiais e outros badulaques dos jogos eletrônicos. A pequena desenvolvedora espanhola Team Gotham não se intimida diante do desafio milenar e, em Solo, mergulha fundo nos abismos da introspecção, em um título que nos convida a responder por nós mesmos essa grande dúvida, enquanto nos apresenta um arquipélago visualmente inesquecível.
Apenas um náufrago, uma ilha perdida no mar
Solo acompanha um personagem vagando por um conjunto de ilhas em um oceano desconhecido, em busca do amor perdido, do fim para sua solidão ou simplesmente em busca de explicações. Não nos cabe entender o destino de sua jornada, seu ponto de partida ou seu ponto de chegada. Na prática, o jogo se prende a uma metáfora para o dilema do amor, um poema narrativo em forma de jogo, onde palavras, sensações e cores serão seus guias.
A Team Gotham busca desde o início criar uma intimidade com o jogador e esse precisa aceitar a proposta. Seu personagem pode ser homem, mulher ou neutro, jovem ou velho, hetero, homossexual ou bi – todas as formas de amor são válidas, sem julgamentos ou bandeiras levantadas. Solo quer apenas que você seja autêntico. Falhe nesse quesito e boa parte do seu encanto se quebrará, uma vez que cabe mais ao jogador do que ao jogo em si encontrar o significado do amor, através de uma sucessão de questionamentos referentes ao tema, como outros relacionamentos, sexo, defeitos, brigas etc. E prepare-se, pois ele irá fazer perguntas duras. É uma pena que o jogo não esteja localizado e você vai precisar de Inglês acima da média para entender os questionamentos e as colocações.
Entre uma filosofia ou outra lançada ao ar e entre dúvidas que nos assombram desde sempre, o jogador vai resolvendo enigmas físicos que desbloqueiam novas ilhas onde a jornada irá continuar.
Outro dia solitário, com ninguém aqui além de mim
Em sua atmosfera, Solo faz jus ao nome. Não há ninguém ao seu lado, apenas o eco ou fantasma do amor que você escolheu no início. Algo de ruim aconteceu entre os dois e agora você vaga nessa espécie de sonho, dividindo o espaço com criaturas que são até simpáticas, mas não são humanas e não afastam o sentimento de solidão.
Nesse sentido, a música entra como a ferramenta perfeita, acentuando a imensidão do mar que se estende até o horizonte, a tranquilidade do lugar, mas, acima de tudo, o vazio do amor desaparecido. A trilha relaxa os sentidos, mas também anestesia. Sua repetitividade chega a enervar depois de uma sessão muito longa, e o que era algo solitário vai gradualmente se tornando desesperador e, em alguns momentos, cheguei a abaixar o volume da música, algo que raramente faço em jogos eletrônicos. Isso apenas para restaurar a música logo depois, porque o silêncio se provou mais angustiante que as músicas.
Solo também introduz um simplificado e gostoso sistema de tocar músicas no seu violão. Obedecendo comandos na tela, é apenas uma questão de jeito para pegar o ritmo e passar a executar variações do tema principal. A música pode ter efeitos positivos nos habitantes das ilhas.
As próprias ilhas são um convite à tranquilidade, com cenários magníficos de cores estouradas, que lembram um pouco as aventuras marítimas de um certo elfo em um outro jogo do passado. Completando algumas tarefas opcionais, é possível tornar ainda mais exuberantes determinados pontos do cenário e levar a felicidade aos nativos. Podemos dizer, na verdade, que Solo acaba sendo um jogo tão belo que chega a causar dor. O contraste com o óbvio desamparo de seu (sua) protagonista é gritante.
Mais solidão aqui do que qualquer homem poderia suportar
Solo, é claro, não traz as respostas para as perguntas que formula. Essas competem ao jogador. A Team Gotham somente oferece um espaço para reflexão e solta os pontos de interrogação no ar.
Infelizmente, a mesma desenvolvedora cai na clássica obrigatoriedade de tornar seu jogo… um jogo. Se sua temática é ambiciosa, a execução nem tanto. O jogador se vê obrigado a resolver problemas de puzzles envolvendo caixas e manipulação de objetos que em uma hora são simples demais, em outra hora são cansativos para cumprir, isso quando não são incompreensíveis. O efeito obtido acaba sendo afastar o jogador exatamente daquilo que se pretende descobrir. Afinal, porque estou brincando com caixas e desbloqueios se o objetivo final é o amor? A metáfora e o clima onírico desmoronam diante de uma jogabilidade desconectada.
Para complicar o esquema enfadonho dos puzzles, a câmera super sensível não ajuda nem um pouco. Muitas vezes me vi obrigado a largar o objeto que estava segurando apenas para reajustar a câmera e pegar o objeto novamente. Nisso se vão a paciência e a imersão, elementos fundamentais para embarcar nessa odisseia introspectiva. Um reajuste no menu e a câmera fica lenta demais e aparentemente não há meio termo. Isso quando não acontecem travamentos e fechamentos inesperados do jogo.
Solo se pretende um poema, uma roda de debates, talvez um espelho para cada jogador que já amou ou sonha em amar. Termina afogado em suas pretensões, entregando um jogo de puzzle ineficaz que lança perguntas profundas demais para uma jogabilidade tão rasa.