Review – Skate Story

Debaixo do brilho opaco das luas espalhadas pelo universo afora, o asfalto silencioso vibra suavemente contra o deslizar gentil das rodas de um skate faminto por devorar os corpos celestes citados. Skate Story é uma narrativa fantástica sobre um demônio feito de vidro e dor, amaldiçoado a andar de skate enquanto devora as luas dos diferentes níveis do submundo. É uma narrativa de experiência e crescimento de seu criador, que agora tomou forma.

Desenvolvido por Sam Eng, Skate Story é uma aventura psicodélica onde o jogador terá de se mostrar um skatista capaz de impressionar o submundo todo, inclusive o próprio Diabo. Este, mesmo sendo feito de vidro e dor, é muito mais do que apenas isso. Trata-se de uma jornada sobre o descobrimento de si mesmo, do mundo ao redor, de diferentes pessoas e perspectivas de vida.

Uma história, no mínimo, fantástica

De acordo com Sam Eng, a narrativa de Skate Story é semi-autobiográfica, uma versão psicodélica de eventos que ocorreram ao longo de sua vida. O autor se apresenta como o skatista vítreo, que acaba firmando um contrato com o demônio ao aceitar um shape fantástico que surge em suas andanças pelo submundo, prometendo à ele uma refeição inesquecível.

Inicialmente, tudo parece normal enquanto o skatista corta por portais e áreas diversas do submundo, fazendo manobras, “grindando” em corrimões e meio-fios sem parar. Mas, tal qual na vida real, a diversão de alguns é incômoda para outros. Assim sendo, nosso skatista é colocado diante de um júri de olhos flutuantes, condenado e enviado para uma área neutra.

O chamado Sonho do Skatista serve como uma espécie de base para o jogador, onde é possível treinar, ver as luas consumidas em um aquário e até mesmo interagir com diversos e fantásticos personagens. Um exemplo é a coelha que nos guia durante o começo do jogo e faz parte dos intervalos mais introspectivos. Voltando ao submundo através de um buraco no chão, o primeiro desafio de Skate Story é provar ao chamado filósofo o valor de andar de skate.

Skate Story então nos acerta com o que fora acordado ao aceitarmos o skate e o contrato que vinha com ele. O skatista tornou-se uma criatura amaldiçoada, condenada a percorrer todos os níveis do submundo e consumir suas luas, o primeiro crime pelo qual fora julgado na trama. Cada nível apresenta e foca em um estilo de manobra novo, além de contar novas histórias e sentimentos que se refletem através das cores das luas, sua trilha sonora e localização.

Vidro, dor e velocidade

O jogo cria alegorias para Sam Eng, suas histórias e as pessoas que encontrou pela vida e nestes locais retratados pelas camadas do submundo. Há até mesmo alguns personagens recorrentes, como a estátua que sempre nos pede favores, o esqueleto vermelho gigante que sofre de amores e o sapinho atendente que está sempre trabalhando em diferentes camadas do submundo.

Além disso, acredito que cada lua em Skate Story retrata os momentos emocionais de cada época, ou junta diferentes acontecimentos da vida do autor debaixo destes espectros coloridos para contar a história do Skatista Vítreo. Cada Lua acaba servindo como uma espécie de chefão final que coloca a alma do skatista em jogo com um cronômetro; caso zere, o protagonista morre. Diferentemente, os cenários comuns não possuem tempo limite para serem completados ou explorados.

Além dos personagens recorrentes, há sempre personagens próprios de cada mundo. Exemplos disso são o saco de lixo senciente do metrô e a toalha falante da lavanderia. Estes personagens únicos geralmente representam missões principais, enquanto os recorrentes são missões secundárias, como o esqueleto gigante que, sempre que encontrado em um mundo, nos presenteia com um shape diferente.

Há também algumas sombras espalhadas pelo mundo de Skate Story, representando os transeuntes do cotidiano, pessoas que passam por nós dia após dia nas calçadas, multidões que se tornam sombras muitas vezes em nossas vidas. Servem apenas como um eco, uma lembrança fugaz que preenche o espaço, mas não interfere ou interage conosco.

Como sobreviver em cima da prancha

Tratando-se de um jogo de skate, é óbvio que manobras e corrimões fazem parte da mecânica central do gameplay. O jogo é preferencialmente jogado com um controle, pois manobras mais avançadas geralmente exigem a combinação de alguns botões. No entanto, são completamente possíveis de fazer utilizando o teclado.

Cada nível do submundo foca em um tipo de manobra ou estilo de andar, o que facilita a evolução do jogador de skatista iniciante a um habilidoso demônio das manobras. Iniciamos com manobras simples como ollie, kickflips, heelflips, etc. Depois aprendemos grinds, nollies e variants, tudo de maneira gradual. Porém, tudo isso será usado mais a frente nas batalhas contra as luas. O sistema de personalização de skate é bem simples, mas completo, permitindo a troca de shapes, rodas, trucks e a aplicação de adesivos na prancha.

A primeira grande batalha de Skate Story é contra a Lua Vermelha, que dispara raios contra o skatista e abre rastros de fogo pela pista. O jogador deve fazer sequências de manobras enquanto fica embaixo de seu brilho para então, quando tiver uma quantidade significativa de pontos, cravá-los na barra de vida da lua.

Da segunda lua em diante, a história é diferente. Apenas derrotá-la extinguindo a barra de vida já não é o único requisito. Algumas exigem diferentes fases, como persegui-la por um corredor com obstáculos ou conseguir fazer sequências de manobras em ordem determinada para vencer. O skatista também terá de enfrentar as forças do inferno que desejam atrapalhar seu progresso, trazendo as unidades de “polícia” chamada ZOMI e até mesmo o Departamento da Morte!

O estilo visual de Skate Story é um caso à parte, sendo extremamente fantástico e onírico. É como uma visão em sonho do que seria o inferno e o submundo. Nada como a visão de Dante Alighieri ou da Igreja Católica, mas sim uma mistura de Hades e Hel, uma visão mais fria que segue a estética do protagonista em uma mistura de cristais, vidro e concreto.

O gameplay é satisfatório, com comandos bem responsivos e com uma boa sensação de peso no aterrissar das manobras. O sistema de corrimão também é muito bem pensado, utilizando peso e direcionamento. É diferente do visto em Tony Hawk’s Pro Skater, mas lembra bastante o visto em Session e Skater XL, jogos dos quais já havia feito análise no passado também.

Skate Story não traz uma trilha sonora pesada, mas não traz nada leve também. Na realidade, o jogo apresenta trilhas da banda Blood Cultures, com faixas de Indie Pop Experimental e Pop Psicodélico. As músicas, unidas ao som das rodas de skate no asfalto, trazem memórias agradáveis para quem costumava andar ou ainda anda de skate.

A estrutura do jogo é bem sólida, facilmente um dos melhores indies do gênero, sendo para mim mais divertido até mesmo que o retorno da franquia Skate” e superior em todos os aspectos ao extremamente inferior Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4. Skate Story é uma excelente resposta à este último, mostrando que alto investimento não significa retorno de qualidade ou um produto que traduza as expectativas do público-alvo.

Despertando de um sonho faminto

Skate Story me fez lembrar das minhas quedas, assim como o protagonista cai e tem seu corpo de vidro rachado. Muitas das vezes, estes cacos jamais se unirão novamente. Isso é ruim? Não, isso faz parte da vida. Algo que Skate Story demonstra na jornada do Skatista de Vidro pelo inferno e suas camadas de fúria, desespero, melancolia, desprezo e enganação. O banquete de luas do skatista é uma metáfora para aquilo que todos amam fazer e acabam deixando de lado com o tempo.

Se você gosta de jogos com histórias fantásticas, momentos reflexivos e um bom gameplay que te desafia a experimentar coisas novas, ou simplesmente é apaixonado por skate, então Skate Story é sem dúvida alguma a pedida para você!