Na contramão das tendências da nova geração de consoles, muito focada no visual, a Leonardo Interactive lança Shattered Haven entregando uma narrativa Dark Fantasy da melhor qualidade.
Unindo diversos estilos e gêneros, temos um card game que finalmente consegue inovar e extrapolar sua própria fórmula, oferecendo muito conteúdo, uma boa história e estilo artístico que conta com ilustrações incríveis.
Histórias através de andares e corredores
Depois da prévia que jogamos após a BGS 2022, fiquei surpreso em acompanhar uma construção narrativa que consegue desenvolver um mundo sombrio através de mitologia e sacrifício nesta jornada de dez anos até a derradeira batalha conhecida como Guerra da Ascensão.
Neste mundo amaldiçoado, sem nome e em ruínas, tomado pelas cinzas após e com um deus caído, quatro tribos lutarão em busca da liberdade para livrar seus povos da fome, violência, infertilidade, falta de sono e a morte certa ao chegar aos 40 anos.
Sentia, Delham, Flammen e Ashram oferecerão quatro vestais, referência direta às sacerdotisas da Roma Antiga que veneravam a deusa Vestal, para sobreviverem ao sangrento ritual e reivindicarem esta tão sonhada libertação.
Com a história dividida em capítulos, acompanhamos a jornada de Andora, vestal da terra do relâmpago, ao lado de Magni, o tanque do trio, e Ishana, uma espécie de clérigo com xamã das trevas. A cada nova etapa da narrativa conhecemos mais sobre as lendas desse mundo, passado das vestais e detalhes sobre esse mundo que também é complementada pelo conteúdo informativo na enciclopédia do jogo.
Através das sequências narradas e com ilustrações estáticas, que em nada diminui o mérito e qualidade do conteúdo, a discussão ao redor de vida e morte, liberdade e maldição, luz e trevas, engrandece com o decorrer da narrativa e apresenta uma sequência vibrante para a etapa final do jogo, com batalhas únicas e que quebram a monotonia de que o jogo sofre.
União de várias experiências
Ao mesmo tempo em que Shattered Heaven oferece uma boa dose de desafio, a velocidade das batalhas e repetição no formato em que o jogo se desenvolve acaba fazendo você optar por uma dificuldade mais baixa para avançar de maneira mais breve pela história, que se mostra como um dos pontos fortes deste lançamento.
Mesmo com andares criados proceduralmente, que favorece imensamente para o fator replay, o conteúdo em cada nível das localidades sempre serão os mesmos: você caminhará com o trio protagonista por salas interligadas, acionando eventos como, por exmeplo, armadilhas, tesouros, altares e acontecimentos que permeiam a história e complementam o mundo, para enfrentar grupos de inimigos até chegar à porta que sinaliza o final da fase com um chefão.
Quando olhamos para a estrutura do card game, além da qualidade de imagens e informações, pecando muito pelo tamanho exageradamente pequeno escolhido para os textos, a experiência com os cards foi muito bem construída pelos desenvolvedores. Fiquei surpreso em perceber que com a evolução das fases e nível de dificuldade, as cartas seguem a mesma dinâmica de ataque, defesa e efeitos, porém sem oferecer “Exodias” com escalonamento absurdo de força.
Mesmo com a falta de dinamismo e velocidade durante os longos combates, o card game oferece boa quantidade de ilustrações, poderes, habilidades e condições para serem aplicadas, tudo muito bem pensado nos personagens e suas características: Andora ganhará uma escala maior em seu poder de ataque, Magni protegerá cada vez mais a equipe e, na minha opinião a personagem que foi melhor trabalhada em todos os pontos, Ishana vai exigir estratégia para atacar, causar efeitos negativos e em como trabalhar com a besta que ela consegue invocar, adicionando as mecânicas de Thirst e Gouge ao combate.
Além dos cards diferentes adicionados ao deck ao longo da história, você também terá uma árvore para melhorar os talentos de cada personagem, desbloqueando habilidades ativas e passivas, além da forja de itens, acessórios e slots extras, ao gastarmos os Dark Bones que conquistamos ao aceitar os desafios disponíveis no início de cada fase e estão ligados à dificuldade escolhida pelo jogador: quanto mais difícil, melhor será sua recompensa!
Falando em desafios, além da questão ligada ao nível de dificuldade e eventos que estão ligados diretamente ao seu time, causando consequências positivas ou negativas para cada escolha durante a exploração do andar, como tentar evadir um ataque surpresa e armadilha ou realizar um sacrifício para receber um loot melhor, você também tem a opção de cumprir objetivos secundários ligados às condições de combate, com uso de carta, poderes e efeitos, para gerar recompensas adicionais ao concluir
Cada escolha uma sentença
Impressionante ver que após muitas horas de jogo, Shattered Heaven não se cansa em oferecer cada vez mais informações, cards e até mesmo surpresas. Algumas das escolhas que fazemos em jogo interferem na narrativa, proporcionando três finais diferentes e que reforçam a influência de light novels para complementar o panteão de experiências e estilos do jogo.
Senti muita falta da localização para o português brasileiro, ainda mais pela dificuldade em ler letras tão pequenas e que não condizem com o visual do jogo. Engraçado perceber que essa escolha dos desenvolvedores não ofereceu uma HUD extranha ou com problemas, mas o conteúdo que recheia de informações acaba pecando pela escolha da família tipográfica e tamanho dos textos.
Essa mesma confusão existiu em mim ao analisar o trabalho com a trilha sonora, que não foi bem explorada e deixa aparecer muito silêncio, com gratas e raras surpresas pelas sequências dubladas ou até mesmo quando a música repetitiva dos combates surge. Quem sabe no futuro possam rever a escolha e retrabalhar a parte de som, principalmente durante os momentos de exploração do andar.
Com muito para explorar, coletar e colecionar, afinal é um jogo de cartas embutido numa estrutura de RPG, o trabalho da Leonardo Production conseguiu entregar um jogo completo e com muito conteúdo, seja para explorar ou rejogar, que consegue ultrapassar dezenas de horas.
Quem sabe um livro ou quadrinhos apenas com a parte narrativa ou até mesmo o formato de jogo competitivo, que explore ainda mais o deck building desse título, não é mesmo? Afinal esses são de longe os pontos altos de Shattered Heaven.