Quando Dexter e Breaking Bad começaram a trabalhar com elementos narrativos que mostravam a limpeza das cenas do crime como artifício para os personagens seguirem suas tramas, pouco era explorado nesse contexto secundário. Recentemente, The Blacklist apresentou a Sra. Kaplan como uma personagem fundamental para a história, explorando essa função de alguém responsável por sumir com os corpos e vestígios de assassinatos. Serial Cleaner, jogo desenvolvido pela iFun4All, segue essa mesma premissa em uma proposta extremamente agradável num jogo que mistura stealth com aventura. Tudo numa proposta simplória, visual e sonora, que preza principalmente pela diversão e desafios, chegando agora para Switch como uma boa opção de compra para o novo console da Nintendo.
Pela primeira vez eu tive a oportunidade de interpretar o dia a dia de um faxineiro que busca esconder o mal causado por assassinos. No entanto o mais curioso é ter um vislumbre, mesmo que breve, sobre a vida mundana de uma pessoa que pode até ter um grande segredo, mas que vive mediocremente numa vida dupla interessante.
Hora da faxina
O faxineiro, como seu personagem é conhecido, vive na década de 70 e sobrevive atendendo um desconhecido e cumprindo a função de entrar sorrateiramente em cenas de crimes para limpar toda a carnificina existente. O legal da construção narrativa por trás disso, mesmo que simples e breve, acontece durante as mais de 20 fases, conhecidas nesse jogo como contratos, trabalhando a discussão moral por trás dessa sua “profissão”.
Nos tempos livres, acompanhado pela sua mãe, você notará que além de faxineiro ele também é viciado em lutas de boxe e apostas, o que serve como motivação para ele aceitar esses contratos; engraçado notar que à certa altura do jogo você verá certos questionamentos sobre seguir esse desconhecido que liga para você oferecendo essas missões. A questão sobre “fazer algo errado” é explorada como conceito mais abrangente e cria uma ligação interessante entre personagem, cotidiano e escolhas, deixando de ser apenas um jogo stealth bobo e sem motivos.
Toda identidade visual de Serial Cleaner é minimalista e favorece uma experiência agradável por conta disso. É quase como se fosse um cartoon do Genndy Tartakovsky (Samurai Jack, As Meninas Superpoderosas); a construção dos cenários é muito bem feita e com elementos extremamente marcantes, criando uma boa imersão para quem está jogando. Algumas vezes essa simplicidade na representação visual acaba atrapalhando, pois você pode se confundir se está realmente escondido ou se o que você está tentando desviar é uma parede ou mais uma parte do chão, já que a visão é aérea (não chegando a ser isométrica).
Esse é um título que abusa do fator nostálgico, seja pelo estilo de jogo que lembra muito a jogabilidade em títulos da geração 16-bit ou até mesmo por resgatar clássicos do cinema. Você não leu errado, a iFun4All foi brilhante ao adicionar rolos de filme pelas fases para você encontrar e desbloquear conteúdos extras, como fase bônus. Além de roupas para o faxineiro, você pode/deve/precisa encontrar as incríveis missões em fases temáticas como, por exemplo, Star Wars, Alien, Taxi Driver e Monty Python. São 10 fases completamente diferentes e que brincam com as narrativas do filme e se propõe em mesclar com a ideia desse jogo. Simplesmente genial e divertidíssimo!
Limpar nunca foi tão agradável
Como se não bastasse a proposta minimalista do visual, a jogabilidade oferece uma experiência ainda mais simples e divertida. Ao som de muito funk americano, com algumas levadas de rock em determinados momento, você precisa apenas andar pelo cenário e com um único botão executar tarefas. Essa simplicidade também é responsável por dificultar o jogo, já que por ter apenas um botão para ações, você não consegue carregar um corpo e acionar um mecanismo para abrir uma porta; tudo para fazer você criar uma estratégia e não sair simplesmente correndo pelo cenário tentando qualquer coisa. Os desenvolvedores foram muito felizes em cadenciar o gameplay ao obrigar você parar, analisar, se esconder e prever as ações que precisará, pois nem tudo é tão fácil na década de 70 e ainda mais para um “limpador” de assassinatos.
Você precisará se esquivar da polícia para limpar sangue (com uma espécie de aspirador), coletar evidências e sair da cena do crime sem ser visto. Na verdade você pode até ser descoberto, ainda mais quando um policial fica desconfiado quando passa por um corpo que sumiu, porém você terá poucos segundos para desaparecer da vista dele. Para isso você precisará entrar em portas, caixas ou até mesmo ficar atrás de lugares, caso contrário chegarão em você e com apenas um golpe você cairá. Como um artifício do jogo, até para facilitar a nossa vida, você tem o indicador da visão dos policiais, porém a sua movimentação e o uso do aspirador criam “cones” da propagação do som. Por isso, basta um deslize para que você acabe apanhando e tendo que recomeçar toda a fase do zero.
O ápice da criatividade em Serial Cleaner foi incluir, para um faxineiro, o sentido aranha. Quase como se você pudesse acionar um dispositivo e descobrir onde estão os seus objetivos, o que facilita muito, pois você consegue “sentir” onde estão os corpos e evidências que precisa coletar. Existe uma opção para jogar sem esse elemento e que com certeza vai deixar o game mil vezes melhor, mas talvez a nova geração esteja mal acostumada e prefira uma “ajudinha” usando o “sentido faxina” para conseguir escapar da polícia.
Jogue e limpe a alma
Em um ano inundado de grandes títulos e jogos imensos, com dezenas e até mesmo centenas de horas de duração, Serial Cleaner é a melhor opção para você limpar (olha o trocadilho) a mente e ter uma opção extremamente divertida. Por mais que ele possua apenas 20 fases normais no modo história e 10 bônus, você pode adicionar vários desafios que deixarão o jogo muito mais difícil: elimine indicadores na tela, retire o seu “sentido aranha” ou até mesmo deixe os elementos randômicos a cada começo. Tudo isso está facilmente disponível no menu para você refazer os contratos e alterar a proposta.
Serial Cleaner é uma excelente e barata opção, principalmente se comparado aos jogos de alto valor para o Switch. Uma pena a versão para o console da Nintendo não ter opção de legendas em PT-BR, sendo que as demais versões possuem localização para todo o conteúdo no jogo.