Quem ama o feio, bonito lhe parece, já dizia o ditado. Alguém ainda liga para ditados na era dos memes de quinze minutos de fama? Verdades são imortais e a verdade é: Rogue Summoner é provavelmente o jogo mais feio que você vai ver ou jogar em 2020. É um “projetinho” rascunhado em alguns meses por uma dupla de desenvolvedores confinados na quarentena, sem nada melhor pra fazer.
Entretanto, essa é possivelmente a única coisa negativa que pode ser dita sobre o jogo. Outra verdade inegável é: Rogue Summoner é daqueles títulos que desafiam seu cérebro, que apresentam mais camadas do que sua superfície poderia dar a entender e uma daquelas experiências que você não consegue largar.
O invocador é invocado
A base do jogo é simples: você é um mago com o poder de invocar criaturas e elas lutam por você. Em diversas masmorras geradas proceduralmente, você não entra até que a área esteja livre de inimigos. Então, é necessário posicionar suas tropas na grade e antecipar movimentos, sem consumir mana demais nas invocações, para que a vitória seja obtida. Pense em um jogo de xadrez. Subverta a função de todas as peças e adicione pontos de vida, ataque e habilidades especiais. Sim, Rogue Summoner vai fundir sua cuca.
É interessante perceber como o jogo evoluiu desde a versão de Acesso Antecipado que testei anteriormente. Os irmãos Zaidan (do jogo 3D Eliosi’s Hunt) não brincam em serviço e melhoraram o que já estava bem bacana. Em termos mecânicos, eles não mexeram em praticamente nada. Porém ajustaram justamente o que estava faltando: variedade.
A versão final do jogo foi lançada no Steam e traz mais criaturas, mais elementos de cenário que podem afetar o resultado das batalhas, mais runas, mais poções… enfim, não há um aspecto do jogo que não tenha sido expandido. Nesse sentido, o Early Access funcionou como uma demo, um protótipo ao qual foram acrescentados novos módulos. Não me espantaria se os desenvolvedores da Gamecraft Studios não tivessem preparado sua estrutura para receber no futuro texturas mais trabalhadas ou modelos 3D mais rebuscados, abrindo caminho para um Rogue Summoner HD ou algo assim. Fica a dica.
Turnos de dor e sofrimento
Ao contrário de jogos de turno tradicionais, você não tem o comando das ações de suas criaturas. Você só invoca mesmo. Isso significa que é realmente fundamental visualizar o futuro e buscar prever o resultado dos posicionamentos e certamente é isso que o aproxima tanto do xadrez. Uma vez convocados os monstros, eles irão seguir sua programação e caçar inimigos. Entretanto, os oponentes sempre começam o turno com suas próprias ações e isso tem um peso muito grande nas decisões a serem tomadas.
Na hora de resolver os conflitos, o sistema lembra Magic the Gathering, que certamente foi outra influência no desenvolvimento de Rogue Summoner. O que é o card game senão um título que simula um poderoso mago que usa mana para colocar criaturas na mesa para lutar por ele? Então, neste RPG cada criatura tem um poder de ataque e níveis de vida. Se o adversário atingir seu monstro com um poder de ataque maior que sua vida atual, a criatura é destruída.
Como o computador joga primeiro, é fundamental que ele não alcance sua criatura antes da hora. Então, entra em cena outro fator: movimentação. Cada criatura pode se mover por um número limitado de quadrados antes de poder atacar.
E, assim como em Magic the Gathering, cada criatura tem uma habilidade especial que quebra essa ou aquela regra. Tem um grilo gigante capaz de se teleportar pelo mapa, por exemplo. Não há limites de movimento para ele. Se o computador sempre ataca primeiro, como deter a investida do grilo? Posicionando criaturas que sejam mais resistentes que o seu poder de ataque, por exemplo. Outra criatura fica mais forte a cada abate. Outra se sacrifica para incendiar uma área.
São muitos tipos diferentes disponíveis. E quando eu digo disponíveis eu quero dizer que as criaturas derrotadas podem se incorporar ao arsenal do invocador. Você atravessa Rogue Summoner usando os mesmos inimigos que você enfrenta, o que permite combinar estratégias. Infelizmente, o jogo não entrega de imediato o que cada uma dessas criaturas é capaz de fazer. Existe um Bestiário que pode ser consultado, mas ele só revela seus segredos depois que você derrotar dez inimigos iguais. Porém, depois de dez vitórias, é claro que você já deduziu seus poderes e vantagens por conta própria.
Aí tu me complica!
Se o invocador não tem mais agência depois que seu time é posicionado, ainda assim ele pode interferir, seja oferecendo poções para seus comandados, seja através de runas mágicas que causam reações no ambiente. É necessário pesar cada uma dessas interferências porque os recursos, assim como a mana, são limitados. Rogue Summoner é um constante exercício de decisão e atenção a detalhes.
É possível ter controle total do avanço dos turnos, o que é uma ótima forma de ver para onde a batalha está indo e eventualmente interceder ou até mesmo colocar outros monstros em campo. Porém, o jogo estimula o mago vida louca e oferece um botão de avançar todos os turnos de uma vez só. Se você está muito confiante na sua estratégia e acredita que antecipou tudo que pode acontecer, você aperta o botão. Se tudo der certo, sua recompensa é aumentar consideravelmente a recuperação de mana. Uma vez que sem mana o invocador não avança mais e é fim de jogo para ele, é uma oferta tentadora.
Como se Rogue Summoner já não fosse complexo o suficiente, há cristais e pedras mágicas em algumas salas que podem beneficiar ou prejudicar aliados e inimigos em seu campo de ação. Às vezes, ludibriar o oponente para essas áreas pode ser a melhor estratégia. Em outras vezes, o inimigo já está plantado próximo a um desse itens que impulsionam seus atributos. É nesse momento que a aleatoriedade se faz presente na jogabilidade. Por outro lado, não há sorte ou azar que pesem tanto na vitória mais do que a massa cinzenta do jogador e, até onde vi, não há cenário invencível por questões randômicas.
Apesar de Rogue Summoner trazer pequenos contos dos passados dos invocadores nessa realidade, seus fragmentos continuam espalhados demais e reunir todos exige paciência e sorte. Os irmãos Zaidan adicionaram um mini-mapa ao jogo que é até desnecessário, uma vez que é impossível se perder em cada nível. Ainda assim, com meu processador cerebral já funcionando no limite, acabei me vendo utilizando bastante o recurso para visualizar caminhos que poderia ter tomado.
O “projetinho” de quarentena se revela um título bastante sólido, com mecânicas muito mais complexas do que supõe nossa vã filosofia e um convite ao vício. Mesmo com outros títulos disputando por atenção em minha Área de Trabalho, eu me vi retornando a Rogue Summoner para “mais uma partidinha”, mais uma masmorra, e nem perceber o tempo passando. Como dizia outro ditado, não se julga um livro pela capa.