Se existe algo que sempre me fascinou nos videogames é a capacidade que eles têm de transformar o mundano em extraordinário. Pipistrello and the Cursed Yoyo, da Pocket Trap em parceria com a PM Studios, faz exatamente isso ao pegar um simples ioiô, esse brinquedo que já foi febre nas escolas dos anos 90 e transforma no coração de uma aventura metroidvania que tem muito de nostalgia quanto de ousadia. É impossível não se sentir transportado para a era dourada do Game Boy Advance logo nos primeiros minutos, mas aqui, a homenagem é só o ponto de partida para uma experiência que não tem medo de arriscar e que (spoiler) acaba acertando muito.
Com tempero brasileiro, a trama de Pipistrello é um convite ao caos familiar e à crítica social, tudo com aquele humor sagaz que só um estúdio brasileiro saberia entregar. Pippit, o protagonista, é o típico anti-herói: mimado, carismático e dono de uma autoestima que beira o insuportável, mas que conquista justamente por isso. Sua visita à mansão da tia, Madame Pipistrello, vira de cabeça para baixo quando um ataque rival coloca em risco o monopólio energético da família. Um megalaser extrator de almas aprisiona a alma da tia no próprio ioiô de Pippit, forçando uma parceria tão improvável quanto hilária.
Maracutaias familiares e conspirações corporativas
O roteiro, recheado de tiradas ácidas e situações absurdas, equilibra com maestria temas sérios como responsabilidade, amadurecimento e poder, sem jamais perder o tom leve e debochado. Os diálogos são afiados, os NPCs exalam personalidade e cada bairro da cidade, dos shoppings decadentes às convenções nerds, passando pelos perigosos esgotos e cruzando as complexas avenidas da cidade, servem tanto para ampliar o universo quanto para cutucar as maracutaias do mundo corporativo.

Mas Pipistrello não se contenta em ser só mais um metroidvania com história bacana. O ioiô, aqui, é muito mais do que uma arma, ela é uma ferramenta de parkour, chave para puzzles e, principalmente, um convite à criatividade. Inspirado por clássicos como The Legend of Zelda e Hollow Knight, o combate exige precisão e timing, mas é na movimentação que o jogo brilha. São mais de dez manobras desbloqueáveis que permitem ricochetear o ioiô em paredes, encadear ataques em sequência e criar rotas alternativas para chegar a áreas secretas. O sistema de “yoyo a la parkour” faz com que cada nova habilidade transforme o modo como você enxerga o cenário, incentivando a revisitar áreas antigas e descobrir caminhos inéditos. E o jogo não fica apenas nisso, pois ele busca desafiar você em como pensar fora da caixa, oferecendo múltiplas soluções para puzzles e obstáculos, algo raro no gênero. A sensação de liberdade é palpável, fazendo com que você realmente sintaque está desbravando a cidade à sua maneira, sem trilhos invisíveis te guiando.
A personalização também é digna de nota, com mais de 40 bottons colecionáveis, cada um alterando de forma significativa o estilo de jogo, Pipistrello permite que você adapte as habilidades do ioiô ao seu gosto, seja para focar em combate, exploração ou até mesmo em estratégias mais ousadas. Some a isso o sistema de upgrades adquiridos com uma agiota duvidosa e temos aqui uma camada extra de risco e recompensa que adiciona tensão e exige decisões estratégicas. Contrair dívidas para obter poderes mais fortes pode ser tentador, mas as penalidades, como redução de vida, garantem que cada escolha tenha peso real na sua jornada.

O conceito de Yoyovania, como os próprios desenvolvedores estão chamando, não é só um trocadilho divertido, pois é a própria essência do jogo. Cada habilidade nova não só abre portas, mas redefine completamente a lógica dos desafios. O ioiô se torna uma extensão do próprio Pippit e a possibilidade de criar rotas personalizadas reforça a liberdade de abordagem, com uma gratificante sensação de descoberta constante. Não importa se você é veterano de metroidvanias ou novato no gênero, Pipistrello é convidativo para experimentar, errar, tentar de novo e, principalmente, se divertir no processo.
O ioiô como extensão criativa do jogador
Visualmente, o jogo é um deleite para quem cresceu nos anos 2000, com uma pixel art detalhada, vibrante e cheia de vida, repleto de animações fluidas e cenários que vão de canos enferrujados a letreiros de neon que parecem saltar da tela. Cada bairro tem identidade própria, reforçando a sensação de um mundo coeso e pulsante. O toque de mestre fica por conta da tela de inicialização que simula um cartucho de GBA, numa espécie de carinho aos nostálgicos que, assim como eu, passaram horas a fio soprando cartuchos e torcendo para o save não corromper.

A trilha sonora, com a participação da lendária Yoko Shimomura, é simplesmente arrebatadora. Shimomura, que já nos presenteou com trilhas icônicas em Street Fighter II e Kingdom Hearts, entrega aqui uma explosão de chiptune que embala cada momento da aventura com melodias marcantes e arranjos que evoluem conforme o clima de cada área. Não é exagero dizer que a música eleva a imersão a outro patamar, afinal as músicas não acompanham somente a ação, mas ditam o ritmo da exploração, intensificam a tensão nas batalhas contra chefes e celebram suas vitórias com temas triunfantes. Em Pipistrello, a trilha não é mero pano de fundo, mas também parte ativa da experiência, reagindo às suas ações e tornando cada conquista ainda mais saborosa. Os efeitos sonoros, do tilintar do ioiô ao zumbido dos lasers, fecham o pacote com chave de ouro, reforçando a identidade do jogo e tornando a cidade ainda mais viva.
O desenvolvimento narrativo é outro ponto alto, com uma evolução na história que acompanha de perto o crescimento de Pippit. Começando como um anti-herói relutante e que vai aos poucos assumindo responsabilidades, ao mesmo tempo em que enfrenta as consequências de suas escolhas. A maldição do ioiô, que poderia ser só um pretexto para a aventura, ganha camadas à medida que o protagonista desbloqueia novas habilidades e enfrenta os chefões do crime. Cada truque aprendido reflete não só no gameplay, mas também no amadurecimento do personagem, que precisa lidar com as próprias limitações e com a relação conturbada com a família. O roteiro não tem medo de abordar temas como ambição, poder e redenção, mas faz isso sempre com leveza e bom humor, evitando o melodrama e apostando em situações absurdas e diálogos espirituosos.

Quase como um jogo perfeito, talvez o que pode afastar parte do público é a curva de dificuldade, pois Pipistrello and the Cursed Yoyo não economiza em inundar a tela de inimigos, inclusive com o mundo sendo um risco para sua vida. Sem contar que o sistema de progressão através das dívidas para obter upgrades poderosos, num primeiro momento bastante tentador, pode fazer com que as penalidades, como redução de vida, tornem a jornada significativamente mais desafiadora. Jogadores casuais ou aqueles que preferem uma experiência mais acessível podem se sentir frustrados ao esbarrar em obstáculos que exigem domínio das mecânicas e decisões estratégicas constantes, mas que acaba sendo parte da experiência e exige dedidação por parte do jogador para evoluir, assim como o personagem.
Um marco no cenário indie brasileiro
No fim das contas, Pipistrello and the Cursed Yoyo é uma celebração da criatividade, liberdade de exploração e paixão pelos videogames. Não é um jogo feito para agradar a todos, pois sua curva de dificuldade pode assustar os mais casuais e a estética retrô talvez não conquiste quem viveu na época de ouro do GBA, mas para quem cresceu soprando cartuchos, se perdendo em mapas labirínticos e se deslumbrando com trilhas inesquecíveis, é um prato cheio. A Pocket Trap conseguiu entregar uma aventura que honra o passado ao mesmo tempo em que olha para o futuro do gênero, mostrando que ainda há espaço para inovação, ousadia e, com toda certeza, diversão genuína.

Se você procura um metroidvania que pensa fora da caixinha enquanto consegue fazer você rir, tocar o seu emocional e ainda deixar aquela vontade de resgatar seu ioiô perdido, Pipistrello and the Cursed Yoyo é um jogo obrigatório para o ano de 2025. Prepare-se para se perder muito, enquanto se diverte e se surpreende com as descobertas, em uma cidade cheia de segredos, personagens inesquecíveis e desafios que só um verdadeiro mestre do ioiô pode superar. Essa é a prova de que um brinquedo de infância nas mãos certas pode se tornar a chave necessária para uma das jornadas mais marcantes do ano.
Prós:
🔺 Gameplay criativo com o uso do ioiô
🔺 Sistema de customização do personagem principal
🔺 História bem desenvolvida com narrativa bem construída
🔺 Diálogos com muito bom humor
🔺 Trilha sonora maravilhosa
🔺 Chefes desafiadores
🔺 Ótimo sistema de progresso com penalidades leves
Contras:
🔻 Curva de aprendizado pode frustrar logo de cara
🔻 Mapa pode ser confuso durante a exploração
Ficha Técnica:
Lançamento: 28/05/25
Desenvolvedora: Pocket Trap
Distribuidora: PM Studios
Plataformas: PC, PS5, Switch, Xbox Series
Testado no: Switch


