Okhlos ou Οχλος é uma palavra do grego que significa multidão, ou “turba”, termo utilizado na versão em português para denominar o grupo de personagens que você controla neste jogo, com incrível precisão. Eu poderia falar que Okhlos lembra Pikmin ou que é uma mistura de Pikmin com uma pitadinha de Half-Minute Hero, mas vou usar três significados interessantes que o dicionário Aulete dá para turba como guia para analisar os dilemas filosóficos deste jogo.
1. Grande número de pessoas reunidas; MULTIDÃO.
Me lembro de ter jogado pouquíssimos jogos de ação em que fui colocado no comando de uma horda de personagens. O mais interessante que me recordo é o já citado Pikmin, em que controlávamos um bando de Pikmins para resgatar peças da nave de um certo Capitão Olimar para que ele pudesse partir para outro planeta. No caso de Okhlos, controlar uma turba de cidadãos, soldados, filósofos e heróis gregos (ou não!), além de gatos, cachorros e até vacas em uma luta contra os deuses e outras entidades da mitologia grega é no mínimo irônico.
Os filósofos de então eram ociosos por direito, ou seja, batalhar contra quem quer que fosse estaria fora de cogitação para um pensador por excelência, mas no caso de Okhlos, você comanda a turba de insurgentes através de um filósofo, usando os dois sticks do controle, sendo um para o líder e outro para a turba. Conforme você vai avançando no jogo, pode expandir o tamanho de sua turba de acordo com os heróis que conseguir arregimentar para sua causa.
2. Multidão tumultuada, em desordem
O segundo significado de turba explica Okhlos pelo menos por dois aspectos. Por um lado, a narrativa do jogo consiste em uma turba tratorando as cidades gregas, destruindo símbolos, altares, casas, mercados (e o exemplo dado pelo dicionário é “O mercado foi invadido pela turba”, tipo Espírito Santo com a PM em greve) e até mesmo árvores e edifícios, com direito a um medidor de ânimo que começa em “Turba Tranquila”. Quanto mais a turba destrói, mais o medidor vai enchendo, até que a situação da turba fica caótica e ela se torna capaz de destruir muros, casas e o que vier pela frente, com o marcador indicando “Turba Mega Caótica”.
Por outro lado, controlar o filósofo com um stick e a turba com outro torna tudo mais complicado, primeiro porque há muitos inimigos que partem diretamente ao encalço do filósofo, que você deve defender a todo custo, já que sem filósofos é game over; segundo porque a turba não possui um movimento linear, preciso, obediente ao comando. Não, eles se movimentam mais ou menos na direção que você ordena, mas de forma desordenada, tumultuada, muitas vezes caindo em armadilhas, tomando danos e morrendo ou mesmo convocando para a turba pessoas que você não quer, como por exemplo escravos, quando poderiam ser soldados para melhorar o ataque ou a defesa da turba. Não é mole controlar a multidão!
3. Pej. Gente sem importância.
Frustra fit per plura quod potest fieri per pauciora, ou, no bom português, “é inútil fazer com muitos o que pode ser feito com poucos”. Mas o que Guilherme de Okham tem a ver com isso? – perguntará o leitor. A resposta é clara: a grande sacada deste jogo é a economia (do grego oikonomia, que significa organização!) que o jogo nos obriga a fazer em relação aos componentes da turba. É necessário balancear a capacidade de ataque, defesa, moral (dentre outros atributos) tanto na composição dos diferentes membros da turba quanto nos heróis que juntamos ao bando.
Não adianta ter uma turba composta apenas por soldados, se precisamos de defesa ou mesmo de carregadores. E é aí que o terceiro significado que o Aurélio dá para o verbete turba se encaixa de forma magistral: há momentos em que já estamos com a turba no limite da capacidade e vemos pessoas de classes mais elevadas prontas para serem absorvidas pelo bando, mas não há espaço para elas e então, passamos a detestar e até tentar matar os personagens do nosso bando que não possuam status de filósofo ou cidadão, como por exemplo, escravos, a fim de aumentar o poderio de nossa turba. Da mesma forma, quando enfrentamos os chefes de fase, jogamos nossa turba contra o poderio sobrenatural de deuses colossais e vamos vendo personagens morrerem um por um, sendo esmagados, fugindo amedrontados, sendo transformados em frangos e torcemos para que os malditos parem de morrer e fugir e consigam matar o deus para nós.
Pokémon de filósofos
Uma das coisas mais interessantes de Okhlos é que ele vai revelando aspectos curiosos da mitologia grega conforme o jogo vai avançando e você vai conhecendo novos heróis. Cada herói, deus ou entidade, é apresentado com um texto que descreve seu papel na mitologia de forma piadística, o que me agradou bastante. Neste ponto, o fato das pólis gregas serem geradas proceduralmente dificulta de certa forma o trabalho dos colecionistas pokemaníacos que querem pegar todos os diferentes heróis disponíveis. Eles são muitos, estão espalhados por toda a Grécia e muitas vezes só podem entrar para a turba em troca de um punhado de cidadãos ou filósofos ou soldados, mas você só fica sabendo que tipo de membros da turba serão exigidos ao final da fase, de forma aleatória. Por mais que eu sempre curta encher o álbum com todas as figurinhas, dá no saco ter que reiniciar o jogo várias vezes para conseguir em algum momento ter a sorte de estar com o número suficiente dos membros certos na turba para pegar um Hércules ou um Rei Filipe II da Macedônia…
Tudo isso torna o jogo difícil de se acostumar e, mesmo lidando com “vidas humanas” como se não fossem nada, dói muito perder um herói que faz uma função importante na turba, o que traz uma certa atmosfera de Faster Than Light a Okhlos, que assim como o jogo espacial, também tem permadeath e a vemos claramente se aproximar quando vão minguando os recursos da turba.
O jogo é longo – tem oito fases – e é um tanto cansativo, por termos que controlar uma turba desorganizada que, por mais que você tente evitar, se joga muitas vezes nas armadilhas do cenário e prejudica seus planos. Mesmo assim, vale jogar até compreender os comandos para mergulhar de cabeça em um gameplay bastante diferenciado e único.