Fruto do trabalho de um homem só, Ocean’s Heart é, antes de tudo, uma declaração de amor aos jogos da franquia The Legend of Zelda. Criado e desenvolvido por Max Mraz, famoso por ter lançado o Yarntown em homenagem ao Bloodborne, o jogo foi publicado pela Nordcurrent e recentemente lançado para PC e Nintendo Switch. Embarcamos (literalmente) na jornada de Tilia através de um jogo que pode soar familiar pelas mecânicas, histórias e visual, mas que tem seu charme próprio e oferece muitas horas de entretenimento banhadas em nostalgia.
Com visual colorido e sprites baseados em Minish Cap, o jogo também carrega uma vontade de ser Breath of the Wild, trazendo a jornada heróica de A Link to the Past e oferece inovações como Between Two Worlds apresentou em seu lançamento, saiba que você mergulhará num amalgama de Link e Zelda muito bem retratado na personagem principal e em seus desafios. As referências não param por aí, afinal com um “quê” de Dark Souls no combate e esbanjando conteúdos secundários ao melhor estilo The Witcher, o desenvolvedor soube trabalhar bem as suas inspirações.
Assim como toda boa história começa em uma estalagem ou com o protagonista acordando em sua cama para receber um chamado, aqui a personagem principal oferece estes dois clichês ao mesmo tempo. Como se não bastasse, o mundo de Ocean’s Heart se passa em um arquipélago rodeado por um vasto oceano, que surgiu há muito tempo após uma grande inundação devastar todo o antigo mundo. Num primeiro momento você não sabe mais e nem precisa conhecer além disso, abrindo-se para a experiência de viver no papel da protagonista.
Mesmo com todo esse “copia e cola” de diversos jogos e com um final totalmente previsível, a heroína desta história foi pensada para crescer ao longo do processo que envolve a resolução de puzzles, brandindo sua espada e esquivando-se de ataques. Em um ano com tantos jogos AAA incríveis, olhar para este jogo indie como um pequeno expoente, sendo responsável pelo resgate histórico e mostrar a evolução do gênero, ele reitera sua importância na construção de grandes jogos ao longo dos anos e que você pode vivenciar atualmente, sem esperar por três décadas.
Uma bela homenagem que merece ser apreciada
Pode até parecer, mas não estamos jogando Wind Waker. Mesmo com o final sendo previsível igualmente e o vilão também ser alguém em busca de um artefato mágico, que dá nome ao jogo, e trará o poder do Todo Poderoso. A narrativa gira em torno de Tilia saindo de Limestone, sua ilha natal, para buscar seu pai e sua melhor amiga, Hazel, que acabam desaparecendo após o ataque do malvado Barba Negra. Navegando de ilha em ilha, Tilia torna-se uma iniciante na Marinha Voluntária, autoridade que apoia no regimento deste mundo, para solucionar diversos mistérios, realizar tarefas e progredir como heroína, trilhando uma aventura simples, fácil e cativante por masmorras e enfrentando chefões, na esperança de conquistar a “Benção dos Mares” e resgatar seu pai e amiga.
Com aproximadamente dez horas, Ocean’s Heart abusa da inteligência e sagacidade apresentadas como as principais características da personagem, para disponibilizar e construir diversas missões paralelas, das mais bobas e simples às mais elaboradas, que explorarão mais sobre o mundo antigo, o artefato mágico perdido neste mundo, quem são os piratas e a ambição do vilão. O breve tempo de jogo está diretamente relacionado à simplicidade dos desafios principais e por enfrentarmos pouco mais de oito grandes inimigos, simplificando também a dificuldade ao enfrentarmos os chefões por não apresentarem padrões, movimentações ou ataques diferenciados. Isso sem contar o visual dos principais inimigos de cada área ou ilha, que não passam de personagens comuns e visualmente sem modificações em seus modelos.
Além desses desafios que preenchem a narrativa, muitos personagens e situações são colocados na trajetória de Tilia apenas para trazerem longas caixas com textos, que trabalham discussões reflexivas e que infelizmente não complementam ou aumentam o jogo, trazendo apenas pontuações do nosso mundo real para dentro de Ocean’s Heart. Nada gratuito, mas que exige atenção dos jogadores para serem percebidas ou entendidas, senão serão apenas conteúdos desnecessários para alongar as horas de jogatina. Não demora muito para encontrarmos Gavrillo ou o Capitão Al-Jazari, com breves missões e sendo inimigos mais fortes para serem derrotados, brincando com a percepção de moral e escolhas a serem feitas, sem afetar o andamento da história.
Muitos esforços sendo desperdiçados
Quando olhamos para jogos que acabam marcando gerações e definem estilos com o passar dos anos, fica fácil perceber que muitas mecânicas que vemos em Ocean’s Heart foram desenvolvidas e entregues aos jogadores para que eles explorem ou utilizem como quiserem, complementando a experiência que o jogador merece. Neste título podemos perceber um resgate de diversas estruturas narrativas e soluções para a construção dos desafios, que podem ser encontradas facilmente ao longo de diversos outros títulos lançados desde a era 8-bit e que foram trazidas pelos desenvolvedores como complemento opcional do mundo que Tilia irá explorar, porém que não farão muita diferença durante a sua jornada.
Ao meu ver, o “desperdício” está em ver a variedade de armas que não necessariamente serão utilizadas, principalmente se não estiverem relacionadas à conclusão de dungeons ou puzzles, fazendo com que eu escolha sempre pela espada, arco-e-flecha ou bumerangue. Afinal, a geração de jogos 16-bit de The Legend of Zelda já me ensinaram muito bem como utilizar esse arsenal. No entanto o que me deixou com mais dor no coração foi ver a mecânica de crafting, inclusive com uma belíssima solução visual para ocupar o espaço no estilo visual pixelado ao mesmo tempo em que faz uma referência direta à Breath of the Wild, pois você não precisa nem acessá-la na maior parte do jogo por conseguir os mesmos itens ao derrotar inimigos ou cortar plantas pelo caminho. Caso esta mecânica sofra uma atualização para oferecer itens com efeitos que otimizem os combates ou recuperação, com certeza terá um cantinho muito especial para ser acessado com frequência.
O mesmo acontece com as missões paralelas do jogo e que carregam a maldição dos Ubisoft The Game: muitas são simples demais e repetitivas, acrescentando pouco ao conteúdo principal do jogo. Quase como um jogo de “fazer corres”, indo apenas de um ponto A ao B para falar, pegar ou entregar alguma coisa, os desenvolvedores abusam do tamanho do mapa para prolongar as horas de jogo sem realmente um bom motivo. Diversas sidequests são trazidas como complemento à história como, por exemplo, a guerra entre guildas ou o que aconteceu em certas regiões do mundo, inclusive trazendo discussões morais para os jogadores decidirem sobre quem salvar ou condenar, mas sem relevância para a evolução do jogo sobre qual opção foi realizada.
Nostalgia da melhor qualidade
Mesmo com diversos pontos já manjados, Ocean’s Heart parece até mesmo um lançamento perdido de Gameboy Advance, destacando-se pelo visual carismático e ao se preocupar em criar diversos ambientes únicos. Colorido e vivo, como um jogo de gerações anteriores, o cuidado e apreço pelos detalhes fazem toda a diferença ao trazer uma mescla de estilos, quase como uma volta ao mundo em pouco mais de cinco localidades. Pela escolha de criar um mundo num formato modular e com ilhas, cada cenário acaba sendo único e facilitando a experiência de explorar este mundo, sendo acompanhado por uma trilha sonora simples e pontuando cada espaço explorado, ao mesmo tempo em que não se preocupa em criar uma atmosfera diferenciada em situações de perigo ou grande revelações.
Já deu para perceber que variedade é um dos grandes pontos fortes e fracos ao mesmo tempo, mas que contribuem para o desenvolvimento da história, a criação e desenvolvimento da personagem e a resolução do artefato mágico com a queda do vilão. Você percebe logo o estilo já familiar de passar ilha atrás de ilha, seguindo de masmorra em masmorra, chefão após chefão, conquistando itens e armas que facilitarão seu progresso naquele momento. Mesmo com esta diversidade de cores, visuais, músicas e itens, algumas coisas acabam ficando em segundo plano como, por exemplo, os quebra-cabeças e que, assim como os principais combates, inclusive contra o Barba Negra, basta esmagar o botão da espada e ignorar todos os demais itens conquistados.
Tudo poderia ser maior e melhor, mas as amarras ao passado e a nostalgia prometida não permitem essa evolução. Ocean’s Heart é lindo, divertido de ser jogado, breve, com desafio comedido e um convite para lembrá-lo que um lançamento AAA deste ano também pode carregar um histórico pesado, que nasceu com esse estilo de jogo e teve um mundinho como este em sua base estrutural. Mais do que um jogo indie, ele também serve uma pausa gratificante para relembrar os tempos de moleque em frente à TV, colocando um cartucho e embarcando numa jornada épica, 2D e resumida em belos sprites.