Lembranças são muitas vezes, tidas por nós como algo leviano, algo comum que nos é eterno, até nos depararmos com alguém com um quadro de amnésia, ou pior, Alzheimer. Moroi é uma aventura que nos mostra como a ausência de memória pode ser aterrorizante — especialmente em um mundo caótico como o retratado no novo jogo distribuído pela sempre ousada Devolver Digital e Good Shepherd.
Ambientado em um lugar conhecido apenas como o Motor Cósmico, que parece ter saído diretamente de um delírio febril filmado por um cineasta do expressionismo alemão, o jogo nos apresenta a um mundo distorcido, banhado em dor e sofrimento. Um cenário tão inquietante que fará o jogador querer revisitá-lo mais de uma vez para tentar compreender toda a complexidade de Moroi.
Se lembre: você está aqui para sempre
Moroi coloca o jogador na pele de um homem trajando roupas de um nobre medieval, que desperta em uma prisão bizarra onde a tortura eterna é a norma, dando uma melhor ideia do porque o título de Moroi. Nas celas vizinhas, encontramos personagens tão inusitados quanto marcantes — algo que se tornará constante ao longo da jornada. O lugar é um desfile de corpos em agonia perpétua, uma simpática senhora mexendo um caldeirão e o bruxo Edgar, que cumpre o papel de um Virgílio sombrio, guiando o jogador por esse pesadelo.

Após interagir com os residentes e solucionar os enigmas iniciais, o protagonista começa a explorar outras regiões da misteriosa Espiral e do próprio Motor Cósmico — pilares que sustentam este universo delirante. A variedade de inimigos é grande, indo de guardas brutais a bruxos e mortos-vivos, tudo temperado com um humor mórbido e sarcástico, numa fusão improvável entre Os Fantasmas se Divertem e Hellraiser.
Embora seja intrigante, Moroi pode desorientar alguns jogadores com sua narrativa fragmentada. O jogo se apoia em pistas visuais, diálogos indiretos e enigmas para contar sua história, adotando uma abordagem semelhante à de um Soulslike — mas sem descrições de itens que amarram a trama. Sua construção de mundo é riquíssima e bem trabalhada, mas também propositalmente absurda e labiríntica, como um sonho febril de difícil interpretação.
As diversas runs necessárias para decifrar a trama reforçam a sensação de que o tormento do protagonista está longe de terminar — se é que algum dia termina. Isso escancara um medo profundo: não o de ser caçado por monstros grotescos, mas o terror de ser completamente esquecido… até mesmo por si próprio.

Hotline Miami Onírico
A jogabilidade de Moroi é simples, lembrando muito Hotline Miami, com um combate direto e puzzles que, apesar de acessíveis em aparência, escondem charadas engenhosas. Os botões do mouse controlam os ataques: o esquerdo realiza golpes básicos, enquanto o direito ativa habilidades especiais da arma branca equipada — seja uma sequência devastadora com uma lâmina ou uma clava que faz o personagem girar como um pião insano.
Além do clássico WASD para movimentação, o jogador conta com as teclas 1, 2 e 3 para acessar rapidamente os itens. A tecla 1 alterna entre armas brancas; a 2, entre armas de fogo, que vão de metralhadoras a lançadores de mísseis; e a 3 percorre os equipamentos — de desentupidores usados como elmos a dentes de pato que aumentam o dano da espada.
O combate é brutal, e o estilo de arte sujo intensifica a sensação de violência. Cortes e contusões grotescas ficam evidentes nos inimigos, que seguem avançando mesmo quando já parecem derrotados. À medida que o jogador acerta golpes, uma barra se enche no topo da HUD. Quando completa, permite desferir uma execução — um golpe fatal que ignora o tamanho ou resistência do oponente.

As execuções variam conforme o tipo de arma, adicionando variedade visual, e não se limitam apenas aos chefes. Cada um deles exige estratégias específicas para serem vencidos, geralmente ligadas a enigmas no ambiente da batalha. Apesar de divertido, o combate perde força em alguns momentos, com impactos pouco convincentes que fazem os ataques parecerem flutuar.
Visuais, enigmas e sons do tormento
Mesmo com um combate inconsistente e uma narrativa desconexa, Moroi brilha em seu worldbuilding, trilha sonora imersiva e momentos de forte impacto. Os mistérios intrigantes, combinados com dicas visuais e sonoras bem distribuídas, elevam a experiência, especialmente se encarada como um jogo de puzzles com elementos de ação.
Um dos melhores exemplos é o enigmático personagem “Ponto de Interrogação”. Sempre encontrado em salas completamente fechadas e invisível até mesmo pela câmera top-down, ele oferece dicas sutis sobre o universo e seus habitantes. Mas atenção: insistir demais pode render jumpscares e distorções visuais e sonoras que causam desconforto real.

Alguns enigmas se destacam pelo inusitado, como a missão onde é necessário acordar um morto “adormecido” apenas para ele nos dizer que a passagem está em uma parede onde o caminho parece acabar. Para prosseguir, é preciso conversar com a parede — porque, aparentemente, todas falam, só são tímidas demais para puxar papo!
Não há um inventário visível para armazenar itens de resolução de puzzles; eles são automaticamente guardados numa pilha invisível. Alguns desses objetos, ao serem coletados, podem provocar visões ou sustos — não exatamente de terror, mas de um surrealismo esotérico, com direito até a anjos “biblicamente corretos”.
Para quem procura uma experiência parecida com assistir ao sombrio Krysar de Jiří Barta (1985), Moroi é um prato cheio: sombrio, cruel e doloroso, ambientado num conto de fadas deformado que parece ter sido escrito por Clive Barker. O combate poderia ser mais refinado, mas o mundo caótico e fascinante ao redor compensa qualquer tropeço.
Prós:
🔺 Excelente worldbuilding de dark fantasy
🔺 Enigmas interessantes e totalmente inusitados
🔺 Personagens sádicos e com humor seco e característico
Contras:
🔻 Combate flutuante e pouco impactante
🔻 Necessária várias runs para realmente entender o jogo
Ficha Técnica:
Lançamento: 30/04/2025
Desenvolvedora: Violet Saint
Distribuidora: Devolver Digital, Good Shepherd
Plataformas: PC


