Era um dia calmo e tranquilo em Arta quando um vórtice apareceu. O Pilar do Desespero dilacerou o que era um reino pacífico. Monstros se espalhavam aos montes e a humanidade caia aos seus pés. Civilizações sucumbiam e os sobreviventes se esconderam nos cantos mais obscuros do mundo. Porém, da mesma maneira que surgiram, os monstros desapareceram. A população restante se organizou e decidiu se preparar para contra-atacar, com isso, surgem os Expedition Corps de Arta.
O mais novo lançamento da Krafton é Mistover, um JRPG daqueles com força mesmo. E bota J nisso. Mesmo sendo um jogo sul-coreano e não japonês. Mas vocês entenderam o objetivo do comentário. Trazendo esse misto clássico do JRPG com conceitos de movimentação por turno, gerenciamento de equipe e permadeath, Mistover é uma chacoalhadinha agradável nessa árvore meio esquecida.
A névoa avança
Gênero que cresceu durante a vida do Super Nintendo e absolutamente dominante durante a vida do PlayStation, o JRPG foi tão marcante que, muito provavelmente, fez parte da vida de cada um daqueles apaixonados por videogames por este mundão afora. Nos últimos tempos, com o declínio das produtoras japonesas, este estilo foi sendo deixado de lado em prol de RPGs de ação mais ocidentais, nos moldes de Elder Scrolls e Mass Effect.
Porém, tudo o que vai, mais cedo ou mais tarde volta. Menos Half Life 3, esse não deve voltar não. Com isso, volta à tona o JRPG e trazendo à tiracolo, Mistover. Tendo como componentes pontos clássicos do gênero, tal qual a gerência da equipe e o combate em turnos, o jogo prefere deixar de lado evoluções que poderiam aproximar dos combates em tempo real, como os medidores de tempo para ações de Chrono Trigger.
A jogabilidade se divide em três partes consideravelmente distintas. A primeira e mais breve delas é a vida em Arta. Por lá, você vai de localidade em localidade conversando com os habitantes e interagindo conforme cada uma da profissões deles. Variando os locais, podemos recrutar novos membros do Expedition Corps e gerenciar os já recrutados, entendendo melhor sobre equipamentos e habilidades; podemos adquirir novas habilidades do grupo como um todo, como o aumento do número de recrutas; treinar os membros do grupo quando sobem de nível; fazer comprinhas e, mais importante que tudo isso, receber e entregar missões para o Expedition Corps.
A interação com todos estes personagens é bem simplista, os diálogos não possuem escolhas e a história vai sendo diluída bem aos poucos, para fazer valer as prometidas 40 horas. Os personagens fazem jus ao J do JRPG, com personagens altamente inspirados no estilo asiático e estranhamente joviais. Não no sentido de animados e felizes – o que já seria um problema considerando a situação -, mas definitivamente com a aparência muito mais jovem do que deveriam.
Todos eles são altamente carismáticos, muito diferenciados entre si, com toques de personalidade que não permitem que sejam confundidos em momento algum. O que foi um problema foi a dublagem. A impressão que me ficou é que cada um deles precisava possuir uma semelhança absurda com um gato sendo pisoteado, em uma clássica representação de dublagens asiáticas.
A segunda parte da jogabilidade se dá uma vez que partamos para uma expedição. Selecionando os itens que vamos levar, tendo a expectativa de que nossas mochilinhas vão aguentar o tranco que está por vir. Alcançando o local, Mistover se torna um jogo de estratégia por turno. A visão se passa para um tabuleiro muito semelhante a um jogo físico em um estilo muito agradável, apesar do visual deprimente e agressivo.
Ao mesmo tempo que nos movimentamos como grupo, os monstros também vagueiam pelo local. Alguns deles caçando e outros fugindo, o que traz uma dança divertida para o jogo. Baús de tesouro, plantas que reforçam a iluminação, armadilhas e escombros estão espalhados por todos os lados. Ah é, seus objetivos também, misturados com tudo isso.
A cada passo, um contador de alimentação e outro de iluminação diminuem, buscando trazer uma sensação de perigo constante para cada expedição. Pela constante diminuição destes contadores, a exploração completa quase nunca é recomendada, pois os recursos são finitos e a falta deles pode significar que sua vida corre perigo.
Mas a Corporação contra-ataca
Os últimos 33% do jogo, e a parte que ocupa mais tempo, é o combate. Aí é que a naftalina bate forte e o JRPG vem com toda a força. Se você já conhece, muito que bem, não tenho muito a explicar. Se você não conhece, vem comigo! O combate acontece por turnos, onde cada personagem tem a sua vez – e todo o tempo do mundo – para decidir o que vai fazer dentro da sua quantidade limitada de possibilidades de ações.
Cada personagem possui a capacidade de utilizar itens, se movimentar, bloquear ataques ou utilizar uma das 6 habilidades, variando entre ataques, suporte ou defesa. Cada personagem possui habilidades referentes à sua classe, porém possuem diferenças básicas em quais delas iniciam desbloqueadas, assim como os detalhes estatísticos de cada um deles.
Um bom diferencial de Mistover é a importância do posicionamento dos personagens pelo campo de batalha. Além de cada habilidade possuir delimitações de posição do personagem para serem utilizadas, existe também uma exigência sobre a posição do alvo, seja ele um inimigo ou companheiro. Somando a isso, temos também uma habilidade especial de cada personagem que exige o posicionamento de um companheiro de alguma classe específica em uma posição adjacente para que sejam realizadas.
O combate não é necessariamente difícil se você tomar os devidos cuidados com os desenvolvimentos dos personagens, seus posicionamentos, a alimentação durante a exploração e ter calma ao tomar suas decisões. Por mais que o dano causado pelos inimigos seja sempre bem alto, nunca faltam oportunidades de se curar e causar quantidades absurdas de dano naqueles que o entrentam.
Mistover consegue ser uma boa lembrança do que um JRPG clássico pode ser. Tanto para bem, quanto para mal. Combate que pode variar muito do entediante para o emocionante em apenas um turno, misturado a personagens carismáticos com dublagens, no mínimo, duvidosas, e uma história diluída em pelo menos 20 horas a mais do que deveria. Nos diferenciais, Mistover me lembrou muito, tanto em tema, visual e estilo, quanto em jogabilidade, Darkest Dungeon, porém, muito menos traumatizante, mesmo tendo o mesmo fator permadeath.
Portanto, se você é um fã de JRPGs e está buscando por uma experiência mais leve, Mistover é para você. Se busca por algo denso, intenso e que vá exigir de você, muito provavelmente não será atrativo. Se você ama Darkest Dungeon, mas o preço psicológico para jogá-lo é muito alto, venha para Mistover que ele vai te receber com amor e carinho.