Por que diabos Metro Exodus foi sair tão perto das minhas férias? Se desse pra adiar a viagem, com certeza eu teria mudado a data. Joguei apenas umas 3 horas, gravei o gameplay que você confere abaixo e tive que parar. Obviamente fiquei tremendo de ansiedade para voltar a jogar, mas duas longas semanas me mantiveram longe do PC. Logo, peço perdão pelo vacilo. Para aqueles que não conhecem, este é o terceiro game da franquia de FPS inspirada nos livros de ficção-científica de Dmitriy Glukhovskiy e desenvolvido pela 4A Games, formada por veteranos que trabalharam em S.T.A.L.K.E.R.
Se você nunca leu os livros do autor russo ou sequer jogou os outros games, Metro 2033 e Metro: Last Light (ambos remasterizados na versão Metro Redux), fica tranquilo. Mesmo sendo uma sequência direta, Metro Exodus funciona perfeitamente como uma história à parte que faz menções aos jogos anteriores. A própria abertura faz um apanhado geral de tudo para ninguém ficar perdido. Dito isso, você tem que jogar este game!
Trocando o metrô por um trem
Pela primeira vez na franquia você poderá sair das galerias subterrâneas e vagões do metrô para visitar outros cantos da Rússia. Demora um pouco pra isso acontecer, mas o alívio é grande ao explorar ambientes sem a influência do frio extremo, como uma floresta com vida selvagem. Artyom continua sendo o protagonista neste mundo devastado por bombas nucleares, desesperado para encontrar sobreviventes fora de Moscou. Seu novo objetivo consiste em atravessar o país na carona de uma locomotiva apelidada de Aurora, onde ele, Anna (agora sua esposa) e toda uma equipe buscam por uma nova oportunidade de recomeçarem suas vidas. A campanha ocorre por temporadas, começando no inverno, passando pela primavera, verão, outono e voltando pro inverno.
Logo de cara Metro Exodus causa uma boa impressão com seu visual estonteante, acima do nível atingido por vários AAA do gênero. E isso fica ainda mais evidente quando Artyom é colocado para explorar este mundão aberto e desolado. Fugindo do formato manjado de missões repetitivas sem fim, a exploração foi minuciosamente pensada para que o jogador tenha interesse em tudo. É realmente fácil perder horas explorando áreas fora da missão principal, e igualmente recompensador encontrar loots importantes e sobreviventes que dão detalhes interessantes e complementares à história. Tudo tem vida própria, um motivo para existir.
Sem dar muitos detalhes para evitar spoilers, o jogo brinca com uma nova religião que abomina tecnologia (afinal, foi isso que trouxe desgraça para o mundo) e venera um imenso bagre mutante como um ser divino. Temem também um fenômeno que eles chamam de demônios da eletricidade, impedidos por amuletos que na verdade funcionam como para-raios. É interessante ver a que ponto os sobreviventes chegaram para retomar a fé após a Terceira Guerra Mundial. E por mais doido que possa soar, a ideia é bastante crível e funciona muito bem no universo do game: o protagonista, com seus equipamentos, é considerado um pagão não importando suas boas ações.
Por falar em equipamentos, muita coisa dos games anteriores foram mantidas: o isqueiro, a máscara de gás, o relógio de pulso etc. O sistema de moral, que premia o jogador curioso e que não mata à toa, também continua presente. Mais uma vez não é explicado como este sistema funciona, deixando os jogadores à mercê do bom senso para obter o final bom ou ruim. Sempre que enfrentar inimigos humanos, é dada a opção de desacordá-los ou matá-los furtivamente. Em caso de combate direto, ocorre também de um ou mais inimigos se renderem, novamente lhe dando as duas opções citadas. E mesmo que você seja um santo, guardando sua arma para ganhar mobilidade e matando o mínimo possível, não há garantia de obter o melhor final.
A jornada do protagonista mudo
Assim como nos games anteriores e comum do gênero, Artyom não fala. Você ouvirá sua voz apenas nas telas de loading, enquanto narra os eventos passados e presentes. Por ironia, em certos momentos a própria história dá furos na decisão do protagonista mudo: por rádio Anna pergunta se você está bem e, mesmo ouvindo, ele não fala nada. Dá nos nervos, pois Artyom é carismático e possui personalidade o suficiente para ter voz nos diálogos sem medo de comprometer o “role-playing” do jogador. Deu certo com Isaac Clarke, que ganhou voz em Dead Space 2, e certamente daria aqui para desenvolver melhor o relacionamento com Anna.
Pelo menos o gameplay ganhou várias novidades. Além da maior variedade de armas e upgrades, o jogo oferece pequenos abrigos onde você pode se recuperar, dormir (para avançar o tempo para dia ou noite), customizar e limpar as armas em uma bancada. Quanto mais sujas ficarem, menos eficazes elas serão. Na bancada você também pode construir itens como facas, bombas, kits de socorro, filtros pra máscara de gás e mais. O legal é que cada coisa é introduzida na hora certa, não dando tudo pro jogador de mão beijada logo de início. Até coisas simples como o binóculo, a bússola, o mapa e a mochila são dados à Artyom quando a trama exige.
A máscara de gás continua sendo importante para explorar áreas com radiação. Ao tomar danos, pode até rachar e precisar de uma fita adesiva para vedar o buraco. A troca de filtro é essencial, exigindo que o jogador fique de olho no inédito contador Geiger em seu punho. As armas pneumáticas estão de volta, a serem encontradas e com mais partes para modificá-las. Estas armas funcionam com pressão de ar, sendo necessário bombeá-las para funcionar, assim como o gerador de sua lanterna. Quanto às armas de fogo comuns, elas também podem ser modificadas embora o rodízio seja inevitável: Artyom carrega apenas três armas por vez. No geral o gameplay oferece um certo excesso de menus, mas com atalhos bem pensados e uma interface limpa para priorizar a experiência visual.
No combate, a qualidade das criaturas impressiona. Não só pelo visual, mas também em suas animações, muito mais orgânicas do que nos games anteriores. Até quando morrem, sofrem mudanças de acordo com o clima, por exemplo acumulando neve em seu corpo. E por falar em clima, agora há mudanças climáticas como temporais de chuva, com direito à raios e ventania. Ver uma missão mudar completamente por conta do clima, diminuindo sua visibilidade e aumentando a tensão do momento junto à primorosa trilha sonora, não tem preço.
Adrenalina à flor da pele
Os mutantes podem ser realmente cruéis neste game. Qualquer barulho pode atrair a atenção e quando eles vem em bando é melhor correr do que tentar matar todos eles. A forma como eles reagem à sua presença e hostilidade muda de um jeito bastante interessante, nem sempre permitindo fugir. O auto save é frequente, não se preocupe, mas morrer também será. Quando você menos espera é morto por situações inesperadas, criadas por um mundo que constantemente o deixará aflito e com um certo medo de tudo. De noite então, sob a luz da lua, o cagaço está garantido.
Atravessar trechos do mar gelado de Volga em uma canoa, por exemplo, o colocará em contato com camarões mutantes que não o deixarão em paz nem por um segundo. Eles cospem ácido, sobem no barco e fazem de tudo pra você querer desistir da navegação. Cair na água pode custar sua vida ou te jogar para uma margem, já que o protagonista não possui a liberdade de nadar. Sendo o mundo aberto oferecido em seções e não em um único mapa gigante, não há como realizar viagens rápidas (exceto por ziplines em alguns pontos). E como Artyom perde o fôlego rápido, direto você perderá velocidade entre uma corrida e outra. Isso irá incomodar muita gente, mesmo que seja uma mecânica de gameplay projetada pra te colocar em situações de risco.
A exploração dá abertura para missões secundárias marcadas no mapa, mas elas são poucas (graças à Deus) e realmente fazem diferença na trama. Você pode ignorá-las se desejar, mas já aviso que valem a pena e ajudam, inclusive, a mudar o humor dos habitantes da Aurora. Aliás o trem funciona como HUB durante as viagens, onde você pode consultar um diário com informações encontradas e interagir com os NPCs.
Pode parecer que não, mas o game também oferece momentos de claustrofobia em ambientes escuros, assim como nos jogos anteriores. Há várias áreas fechadas para explorar, iluminadas por cogumelos fosforescente que podem ser coletados como recurso mas sua coleta diminui a visibilidade. Porém são as áreas externas as que realmente impressionam: é tudo muito bem planejado, pra encher os olhos tanto de dia como de noite.
Metro Exodus surpreende em muitos quesitos. A história é sensacional e se desenvolve no ritmo certo, mantendo a curiosidade do jogador sempre alta. Nos gráficos ele dá um belo chute no saco de Battlefield V, inclusive fazendo melhor uso da tecnologia Ray Tracing da Nvidia. Pena que as animações dos NPCs causam uma certa estranheza, na maior parte do tempo com expressões e movimentos labiais fora de sincronia com a dublagem. Isso ocorre porque tudo foi feito na unha pela 4A Games, sem a costumeira captura de movimentos das grandes produções. Um detalhe que dá para relevar de boa, pois as personagens são muito carismáticas e vivas.
Embarcar nesta aventura me trouxe uma excitação que eu não sentia há muito tempo, semelhante à que tive quando joguei Half-Life 2 há 15 anos. Um protagonista mudo em um mundo de ficção-científica rico em detalhes, com criaturas bizarras e personagens icônicos. Pois é… Artyom tem muito em comum com Gordon Freeman.