Nostalgia é uma perigosa faca de dois gumes no mundo dos remakes. Por um lado, temos a oferta de reviver uma experiência que nos causou muita felicidade e diversão; por outro, temos a possibilidade de reviver dita experiência de forma renovada, porém, com margem para ficar com um gosto amargo na língua. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater se encontra abaixo desta espada de Dâmocles conceitual.
Após o anúncio de Metal Gear Solid Delta em 2023, junto da Master Collection Vol. 1, o mundo ficou surpreso ao ver Naked Snake com um visual totalmente atualizado, enquanto se movia pelas águas lamacentas das florestas russas. O tempo passou e finalmente pude experimentar novamente a história de Metal Gear Solid 3, mas de uma maneira completamente nova e diferente do que eu esperava.
Uma história atemporal da Guerra Fria
Muitos já conhecem a narrativa da primeira missão de Naked Snake, porém Delta foi feito tanto para os acostumados às aventuras desde a época do PS1, PS2 ou até mesmo MSX, quanto para a nova geração de jogadores. Em Metal Gear Solid Delta: Snake Eater acompanhamos John, também conhecido como Jack, em sua primeira grande missão: o resgate de um cientista refugiado que se encontra refém das forças armadas russas.

Controlando Snake, o jogador avançará pela primeira parte da história, chamada de Missão Virtuosa. Com o apoio via rádio de personagens importantes para a trama da série em geral, como Para-Medic, Major Zero e a lendária soldada e tutora do protagonista, conhecida apenas como The Boss. Após resgatar Sokolov de seu confinamento e tentar escapar com ele, Snake se vê no assento da frente dos eventos que irão moldar o futuro do mundo.
Após presenciar ditos eventos e a falha da Missão Virtuosa, Snake acaba sendo enviado novamente para a Rússia a fim de impedir os planos do Coronel Volgin, um poderoso e influente membro do exército russo. Volgin, através de coerção, forçou Sokolov a criar uma arma de destruição em massa, um tanque capaz de trafegar em qualquer terreno e com capacidade nuclear: o Shagohod!
Conhecido como Thunderbolt e sendo capaz de gerar uma corrente de até 10 milhões de volts em seu corpo, Volgin também possui o apoio de seu fiel comandante Adamska Ocelot e da Cobra Unit, unidade militar liderada pela agora traidora The Boss, que se uniu às forças de Volgin. Snake terá de escolher entre sua lealdade à sua mentora ou ao seu país, decidindo assim entre permitir uma nova corrida armamentista por tanques nucleares ou impedir a proliferação de armas como o Shagohod.

Antes da raposa, a cobra
A nova operação, especialmente chamada de “Snake Eater” pelo fato de Snake ter feito fama por comer uma serpente durante seu treinamento, agora o colocará para enfrentar e eliminar toda a lendária Cobra Unit, um grupo responsável por ter sido uma das peças cruciais para o fim da Segunda Guerra Mundial.
Snake terá de utilizar todas as ferramentas a seu dispor na região fictícia de Tselinoyarsk, camuflando-se pelas densas florestas e alimentando-se da fauna e flora presentes para sobreviver. Evitando que os soldados da GRU e Spetsnaz o encontrem e coloquem um fim à sua missão, ele contará novamente com o apoio dos membros da Fox Unit, agora com o especialista em armas Sigint e a misteriosa agente de campo chamada EVA, que aparece no lugar do esperado ADAM.
A floresta e os soldados são desafios o suficiente para Snake e o jogador, dependendo da dificuldade selecionada. Mas não demora muito para que Metal Gear Solid Delta: Snake Eater apresente em combate os chefes e membros da Unidade Cobra: The Pain, The Fear, The End e The Fury. The Sorrow e The Joy (The Boss) são introduzidos e interagem com o jogador de diversas formas durante a história.

Durante e após os eventos ocorridos na operação Snake Eater, o futuro de Naked Snake será moldado, e uma trajetória que mergulhará o mundo em caos anos depois começa a tomar forma. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é uma releitura 1:1 do original Metal Gear Solid 3: Snake Eater.
Uma nova visão para um clássico
O renascimento de uma série aclamada é uma delicada dança de equilíbrio, onde os passos de conservadorismo e inovação oscilam sobre uma superfície fina como gelo, podendo quebrar a qualquer instante e lançar o projeto no descontentamento do público geral. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, em minha opinião, teve seus passos um tanto quanto confusos no quesito inovação, seja por falta ou por “passos” errados.
Nos últimos anos, a Konami tem investido em suas franquias ditas dormentes, tais como Castlevania, Silent Hill e, agora, Metal Gear. Isso aflorou nos novos e antigos jogadores a curiosidade pela resposta de como seria uma leitura do clássico Snake Eater nos dias atuais, e a mudança da mecânica de gameplay para tempos atuais não foi uma má atualização.

Utilizando-se da câmera acima do ombro, como visto em Ground Zeroes e The Phantom Pain, Metal Gear Solid Delta permite que o jogador tenha uma visão mais direta do cenário e do mapa, o que auxilia muito no gameplay para novos jogadores e permitindo que veteranos tenham uma nova forma de jogar. Mas caso você seja um jogador mais purista, como eu, há como jogar o game todo com a visão original (overhead).
Houve também a adição de uma bússola que ajuda o jogador a se localizar no mapa e direção de objetivos, além de menus de acesso rápido ao segurar os botões direcionais para cima e para baixo. Com o direcional para cima abre-se uma seção de seleção de camuflagens rápidas, e para baixo temos um acesso imediato ao comunicador de Snake. Isso torna certos momentos mais fáceis de navegar, como as emboscadas de Ocelot e a invasão ao Hangar do Shagohod. Contudo, há certos pontos negativos nesta nova versão.
A tentação da serpente
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é um remake 1:1 da versão original de PlayStation 2. Com isso, os easter eggs originais foram mantidos, como o minigame Snake vs Monkey e até mesmo uma versão reimaginada do pesadelo de Snake, o tech demo de um projeto cancelado conhecido como Guy Savage. Isso mostra o quão focados estavam em trazer uma modernização completa da experiência original de Metal Gear Solid 3 no PlayStation 2.

Ainda que eu aprecie uma releitura 1:1 de uma obra excelente como Metal Gear Solid 3, vejo que havia espaços e lacunas que poderiam ter sido melhor preenchidos em debriefings secretos, easter eggs ou até mesmo novas cutscenes no modo teatro secreto, ainda que este tenha apenas piadas. Um exemplo de revival que aproveita as informações apresentadas em eventos futuros tem sido o de Resident Evil.
Aproveitando o excelente hype que os remakes de Resident Evil 2, 3 e 4 geraram, a Capcom tem feito tudo em seu poder para limpar qualquer informação perdida dos jogos ou ponta solta, tornando a narrativa universal da série em algo mais linear e fácil de seguir. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater poderia ter seguido o mesmo caminho, a fim de aproximar a narrativa original ao que nos foi apresentado ao fim de The Phantom Pain.
Um dos maiores exemplos disso é a famosa ligação ao final dos créditos dos jogos, geralmente com Ocelot adicionando algum plot-twist importante para a narrativa futura. Em Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, poderia haver uma nova cena pós-créditos onde poderíamos ver Skull Face e a XOF limpando os rastros da FOX e as provas que pudessem incriminar a C.I.A. Por mais que o plano seja manter a história 1:1, isso não impede a adição de elementos que enriqueçam a trama usando informações mais atuais.

A troca do caseiro pelo duvidoso
Outro grande ponto negativo que me acompanhou durante toda a gameplay foi o desempenho de Metal Gear Solid Delta: Snake Eater no meu PC. Mesmo com um computador bem equipado, ele sofreu pra rodar Metal Gear Solid Delta: Snake Eater. Não que o jogo tenha feito a GPU trabalhar em excesso, mas deu pra notar um grande problema de otimização e polimento. E não se engane: isso acontece também nos consoles.
Minha RTX 4060 não conseguiu manter a estabilidade no “ultra”, embora na configuração “alto” a performance tenha ficado em 60 FPS na maior parte do tempo. O problema, no entanto, residiu nos engasgos constantes – quedas abruptas de frames que ocorriam no início de cutscenes e em transições de cenário. Essa inconsistência, presente mesmo com o DLSS no modo Qualidade, remete diretamente aos problemas de lançamento do remake de Silent Hill 2, outro título da Konami na Unreal Engine 5.
A instabilidade se estendeu às cutscenes, que apresentavam quedas de frames em momentos com muitos elementos na tela. A icônica cena de fuga de Groznyj Grad com EVA, por exemplo, foi particularmente afetada por esse problema. Mais grave, no entanto, foi a instabilidade geral do jogo, que apresentou erro fatal e fechou inesperadamente por cinco vezes. Ter a experiência interrompida dessa forma, inclusive durante a cena final, foi extremamente frustrante e comprometeu o clímax da jornada.

Em 2020, a Konami também abandonou seu excelente motor gráfico, a FOX Engine, um motor que fez com que tanto Metal Gear Solid V: The Phantom Pain quanto outros títulos do PES na época conseguissem rodar no PlayStation 3 sem problemas. Utilizar a Unreal Engine 5, por mais que seja uma ação padrão da indústria, torna o produto genérico e menos engenhoso, algo que sempre admirei na direção da Konami em todas as suas séries.
Cobrindo um mural colorido
Metal Gear Solid 3: Snake Eater é um dos jogos mais icônicos do PlayStation 2, com sua direção de arte visual trazendo cores chapadas e expressivas, tornando as florestas algo saído diretamente de uma pintura. O novo Metal Gear Solid Delta: Snake Eater opta por uma visão mais “limpa”, com gráficos fotorrealistas, deixando de lado o tom amarelado e o bloom das luzes, o que fica extremamente visível na cena final do jogo no cemitério dos veteranos.
O áudio foi retrabalhado, e os dubladores continuam os mesmos, o que é excelente. Afinal, até hoje acredito que terem mudado a voz de David Hayter como Naked Snake já em Ground Zeroes para a do ator Kiefer Sutherland foi um tiro no pé, tanto pelo lado dos fãs quanto pelo lado da história da série, sendo que a troca faria mais sentido em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain.

Outro ponto negativo em relação à parte artística é a nova versão da introdução “Snake Eater”. Diferentemente da sua versão original, ela parece vazia, com a instrumentação dando muito mais espaço à voz de Cynthia Harrell, que retorna mais uma vez para cantar este icônico tema de abertura da história dos games. Infelizmente, a nova versão peca na mixagem dos instrumentos, ainda que a performance de Cynthia continue tão marcante quanto a original.
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é um bom experimento, uma chance para a Konami molhar os pés e testar as águas da piscina, o mesmo que fez com o remake de Silent Hill 2. Poderia ter sido muito melhor, mas, para os primeiros passos rumo a um revival, é uma boa tentativa, ainda que erre em alguns momentos neste caminho tortuoso que é o mundo dos remakes. Ainda há muito por vir pela Konami, tanto nos próximos títulos quanto no modo FOXHUNT. O que nos resta é esperar e torcer pelo anúncio de novos jogos da série Solid Delta e pela Master Collection 2, trazendo finalmente Guns of the Patriots para os PCs.
No fim, para quem é Metal Gear Solid Delta? Para o veterano, é um museu interativo de altíssima fidelidade que sacrifica parte de sua alma artística em troca de modernidade. Para o novato, é a forma mais acessível de experimentar uma obra-prima, ainda que seja uma versão com menos personalidade. A Konami jogou seguro, entregando um produto competente, mas que raramente ousa ser mais do que uma sombra HD de um gigante.
Prós:
🔺Respeito pela obra original
🔺Overhaul gráfico excelente, com direito a revitalização da tech demo Guy Savage
🔺Uma interessante nova maneira de experienciar um clássico
Contras:
🔻Desempenho inferior ao esperado
🔻Crashes constantes e em péssimos momentos
🔻Perda do espírito e visão artística do original
Ficha Técnica:
Lançamento: 28/08/2025
Desenvolvedora: Konami
Distribuidora: Konami
Plataformas: Playstation 5, Xbox Series, PC
Testado no: PC


