Inicialmente o meu relacionamento com Mato Anomalies não foi nada agradável. Sabe aquele tipo de game que te pega pela mão e vai ensinando cada recurso por um tutorial agregado na história, que está ali só para o papel de cumprir tabela? Essa era a minha sensação e admito que foi algo que desgostei logo de cara. Quando o capítulo 0, como é chamada essa etapa de aprendizado, terminou, eu estava irritado já. Depois veio a primeira parte da história, que continuou mostrando alguns recursos essenciais.
Este ritmo lento que as coisas ocorriam incomoda, até porque um RPG – por natureza própria – consome dezenas até centenas de horas. Porque perder mais tempo? No entanto, assim como me senti em relação a Batman Arkham Knight, no momento que soltaram minha mão e me deixaram me aventurar como eu queria – aí sim que a diversão de verdade começou e me cedeu uma verdadeira conexão com o trabalho da Arrowiz.
Se eu tivesse que comparar algo, diria que é uma tentativa de trazer uma história no nível de Persona, da Atlus, porém com um conteúdo mais sério e personagens adultos que vão desenvolver isso devidamente. Some isso ao clima investigativo que Doe traz e terá uma fórmula mais do que interessante. E acredite, ter isso em mãos é um excelente trunfo durante a sua jornada pelas curiosas ruas desse lugar.
Incompatível com Mato Anomalies
Mesmo para um RPG, Mato Anomalies tomou muito mais tempo para me cativar do que os demais. Comparei com Batman Arkham Knight pelo excesso de forçar o jogador em se mover e lutar usando o batmóvel, mude o fato de que não temos um vigilante mascarado e apenas papo com poucos combates em dungeons lineares. Sabe quando você consegue enxergar que aquilo falta engatar e esta sensação nunca passa?
Assim que eu estava livre para andar pelas ruas, falar com as pessoas, fazer carinho nos pets, explorar alguns locais para confrontar as criaturas e subir de nível, avançar pelo sistema de armas, gears e até os talentos…aí sim, caros leitores, que o clique veio para mim e comecei a me divertir de verdade. Essa demora pode não parecer recompensadora, mas eu estou aqui para garantir para vocês que é sim.
Isso porque ele não se limita apenas ao cenário de te jogar em uma dimensão paralela, derrotar meia dúzia de aberrações monstruosas e depois te enfiar em diálogos intermináveis. Aqui você tem um sistema extremamente simples e eficaz de card game, qual vai desafiar até aqueles que se sentem prontos para uma dificuldade mais elevada; além de carregar consigo mecânicas complexas de equipar itens e habilidades, que funcionam como um verdadeiro xadrez.
Já falo com antecedência que não adianta nada você equipar as melhores armas em Mato Anomalies e achar que está abalando as estruturas, que todos cairão sob a sua lâmina. Gram, Butterfly, Smoker e os demais personagens que são adicionados à equipe não são uma máquina de moer criaturas por conta própria. Você precisa sim ter bons equipamentos, mas também precisa saber o que é necessário para aprimorar seus talentos corretamente e também encaixar devidamente as gears para gerar um verdadeiro combo de bônus.
“Ah, então assim fica mais simples?” Não, caros leitores. Assim fica jogável, para dizer o mínimo. Os mapas de batalha e missões principais não poupam ninguém e se você não fizer tudo, ficará para trás. Essa dificuldade é algo que aprecio demais nos RPGs, porque mostra que não tem elementos ali só de enfeite. É como se me dissessem “Se você quer ter uma chance aqui, aprenda a jogar com tudo o que oferecemos”. E se tem games que eu mal mexo no item equipado, neste eu mudava toda vez antes de mergulhar nas fases.
Isso prendeu a minha atenção de uma forma que começou a me envolver com tudo o que estava acontecendo na tela. Se Gram é meu principal guerreiro e está eliminando tudo que se encontra pela frente, qual as razões dele estar ali? Porque todo seu corpo está enfaixado? Será que a Butterfly, a primeira adição que é feita na equipe, está feliz com toda essa situação ou usa essa matança para esconder segredos de seu passado? Como eles se interligam com a história? Quando vi, já estava preso na aventura.
As investigações nas ruas
Fendas para outras dimensões começam a se abrir pelas ruas de uma pacata cidade, mostrando o pior de suas pessoas e das aberrações que desejam te devorar em Mato Anomalies. No papel de Doe, você começa a investigar como esse mistério está interligado com algumas pessoas que ameaçam o bem-estar dos moradores de lá, até se encontrar com os principais guerreiros que vão te ajudar nesta caminhada.
A dinâmica é simples: enquanto Doe usa o sistema de cards para entrar na mente de suas vítimas e descobrir os segredos que escondem, assim como analisa as informações e itens obtidos, resta ao Gram e demais descer a porrada nos monstros e abrir o caminho pelo outro lado. Eles se completam em suas funções, até começarem a ver suas vidas interligadas pelo desenrolar do enredo.
Se meus primeiros passos não foram a coisa mais agradável do universo, ver este mundo se expandindo e se tornando mais claro foi um dos elementos principais para me manter na frente do videogame. Tem papo demais, sim. No entanto, aqui temos uma grande rede crescendo – personagens principais, secundários, vilões, a presença dos monstros, o surgimento de novos mistérios…tudo isso abre um espaço enorme para segurar os jogadores e sua atenção para o que está rolando.
Neste sentido, Mato Anomalies se destaca como RPG. Eu mesmo me senti jogando um Persona e, apesar de estar ainda distante da franquia, só pelo fato de soar semelhante e manter sua própria identidade me impactou de forma bem positiva. Vamos combinar, a Arrowiz não tem o mesmo orçamento da Atlus, mas o que eles conseguiram aqui vale bastante a pena e não deve ser desmerecido de forma alguma.
Eu fui cativado pelo gameplay antes de sua trama, mas depois de poucas horas explorando e vendo as dinâmicas entre os personagens tive de admitir que a construção dela seguia para um ambiente bem mais empolgante do que vi no início. Se estiver considerando a sua aquisição, pode confiar que se não engatar para você logo de cara, em algum momento isso vai ocorrer. Pode ser de fininho, como ocorreu comigo ou até algumas cenas impactantes onde isso acabará mudando a sua visão de todo o projeto.
A simplicidade pode ser um problema
Depois que eu realmente me senti empolgado com a experiência, comecei a notar que mesmo em sua simplicidade alguns fatores podem representar problemas que afastarão o público no geral. Um deles é a movimentação dos personagens, exatamente um dos meus problemas com Soul Hackers 2. Eles são lentos e muitas vezes você precisa ficar correndo de um lado para o outro. Isso pode ser resolvido com uma atualização no futuro, logicamente. Mas se eu tinha algo a resolver no mesmo local em que estava, isso já era um incômodo que me deixava desconfortável.
Outra coisa que me deixou sem compreender o que ocorria é o fato de alguns personagens de Mato Anomalies ter olhos e os demais não. E eu não digo que “apenas os protagonistas e vilões” têm imagens com isso. Realmente parece aleatório, tem gente que é extremamente relevante para a trama em determinados períodos que não tem isso. Aí você fala com um NPC aleatório e sem relevância alguma e percebe que ele tem. Isso atrapalha a experiência completa? Óbvio que não, mas que é esquisito nós precisamos concordar.
E sendo bem sincero, isso nem é uma forma de “perseguição” porque eu me apaixonei bastante pelos cenários. Não só pela versão neo-futurista da cidade que dá nome ao título do game, mas também nas dungeons. A inicial já mostra todo o conceito de dinheiro jogado ao fundo com mãos estendidas para agarrar algo. Você observa as laterais e tem símbolos que remetem à economia, como gráficos e setas de investimento como aquelas que vemos nos jornais.
A dublagem também está ótima, algo que me deixou bem surpreso. Optei pela versão japonesa e tive zero arrependimentos de minha escolha. No quesito gráfico também não tive do que reclamar, sem travamentos e nem mesmo queda de frames na versão para o PlayStation 5. Os efeitos dos golpes especiais chamam a atenção também e – apesar de ser um jogo simples – ele sabe te surpreender de vez em quando.
Como o primeiro RPG da Arrowiz, Mato Anomalies se destaca bastante e eu acredito fielmente que pode se tornar uma franquia que veremos brilhar no futuro. Nem tudo é feito para ter um começo suave e cativante, qual pode até afastar parte do público, mas que oferece uma baita experiência competente em seguida. É difícil pedir paciência em pleno ano de 2023, mas tenha um pouco e dê uma chance que este te prenderá por um bom tempo enquanto aprecia o que montaram através dos capítulos.