Desde que concebeu o game de terror Layers of Fear, que em 2016 ganhou a atenção do público por sua psicodelia, a desenvolvedora Bloober Team encontrou seu diferencial justamente nisso: em ludibriar o jogador a ponto de deixá-lo completamente perdido e imerso na viagem. Eis que, três anos depois, Layers of Fear 2 é lançado pela Gun Media para dobrar a dose.
Mas vamos voltar um pouco no tempo. Em Observer, então, a Bloober havia misturado seu típico registro psicodélico com um universo cyberpunk, incluindo na mistura mecânicas de investigação ao colocar o jogador no papel de um detetive, mostrando que não se limitavam apenas aos truques visuais. Como esses avanços se aplicariam aqui em Layers of Fear 2, em uma época de tecnologias mais analógicas?
Psicodelia gratuita
Infelizmente, mesmo que Layers of Fear 2 esteja à frente do primeiro título no que diz respeito à atmosfera e a fidelidade gráfica, é um passo para trás do que havia sido atingido com o mistério cyberpunk, oferecendo mecânicas simplificadas e um enredo prejudicado pela aleatoriedade de muitos truques e a falta de raízes na realidade, sem criar a sensação de risco real.
Mais do que no game original, aqui a trama se inicia de maneira obtusa, colocando o jogador diretamente em uma alucinação. Quando este acorda, encontra-se em uma cabine dentro de um barco em alto-mar, com orientações que indicam seu trabalho como um ator estimado: a construção de uma nova personagem, a pedido de um diretor exigente.
Guiado por uma voz misteriosa – emprestada pelo ícone do terror Tony Todd -, o jogador parte para sua primeira “fase” através de um rolo de filme que encontra na cabine, e deve desempenhar um papel em uma cena-chave ao final dela, cujas consequências variam conforme suas escolhas e revelam novas facetas da personagem, como um obrigatório passado trágico.
Porém, até chegar a elas, deve-se navegar por corredores sinistros e outros lugares de gelar a espinha, de vez em quando devendo desviar de um monstro denominado apenas como o “Homem Sem Forma”. O caminho até os objetivos torna-se mais tortuoso por conta dos inúmeros truques psicodélicos empregados pela Bloober, que por vezes forçam o jogador a resolvê-los como quebra-cabeças.
Esta psicodelia, por mais plasticamente convincente que seja, começa a soar um tanto gratuita já na quinta vez que, por exemplo, o jogador vira a cabeça para ver o cenário mudando ligeiramente. Sim, a ideia é ludibriar, mas o truque passa a perder seu ponto e não exatamente comunica nada sobre a natureza da narrativa de fundo. As inevitáveis – e repetitivas – fugas do monstro tampouco.
E diferentemente de Observer, que em diversas ocasiões permitia uma interação mais aprofundada dos cenários, as mecânicas de Layers of Fear 2 aproveitam muito pouco o conceito único para cada uma das fases. Uma cidade inspirada na vilinha de Dogville, por exemplo, é praticamente deixada de enfeite enquanto o jogador desvia de rajadas aleatórias de fogo.
Sem uma dinâmica criativa para o gameplay, que envolve basicamente ações como andar, correr e abrir portas, sobra apenas a iconografia cinematográfica na qual o game investe para conquistar a afeição do jogador cinéfilo. Há referências ao expressionismo alemão, à era de ouro de Hollywood, ao terror giallo italiano e até mesmo a obras específicas, como Repulsa ao Sexo, de Roman Polanski.
Layers of Fear 2 também tem seus ecos de Stephen King, incluindo até mesmo alusões visuais muito óbvias à adaptação cinematográfica de O Iluminado. A participação de Tony Todd, por sua vez, remete a um quê de Clive Barker – talvez pela imagem que associamos dele a Candyman. Ainda assim, seriam as homenagens e alusões todas o bastante para sustentar o interesse em um game sem ideias únicas?
O peso do passado
Novamente, quanto ao enredo de Layers of Fear 2, o início extremamente nebuloso prejudica o engajamento com o que está acontecendo nos confins da mente do – ou da – protagonista. O jogador que prestar muita atenção às notas, gravações e memórias que encontra deve enxergar algum resquício de linha-guia, mas a temática abordada – a da atuação – se prova abstrata demais para ser satisfatoriamente aproveitada no jogo.
Mas, por um lado, este é mesmo o ponto: encontrar sentido em tudo isso. Nas fases finais, quando a narrativa passa a tomar uma forma mais reconhecível, o jogador deve se encontrar instigado a repescar detalhes de fases passadas para analisá-los sob uma nova luz – e conquistar cada um dos três finais possíveis. Felizmente, a Bloober inclui um modo de Novo Jogo + que permite revisitar as fases fora de sequência e uma galeria de itens importantes como pôsteres, fotogramas e entrevistas radiofônicas.
Nos quesitos gráficos, que eram a parte mais problemática dos títulos anteriores da Bloober nos consoles, Layers of Fear 2 apresenta avanços. Recursos como a possibilidade de destravar a taxa de quadros e habilitar o V-Sync permitem um maior nível de fluidez e menor quantidade de screen-tearing, favorecendo a imersão. O som, por sua vez, mantém o alto grau de qualidade ao apostar em uma mixagem binaural.
Uma trilha sonora atmosférica, por fim, garante a Layers of Fear 2 o seu charme de terror gótico. Porém, como o dilema sofrido pelo ator no centro de seu palco, uma boa performance deve se sustentar com camadas que vão muito além da aparência, e neste sentido o novo game da Bloober parece mais ceder a tiques e vícios passados de atuação do que ser capaz de compor uma nova e cativante personagem.