Por muito tempo se acreditou que o gênero de horror havia enfraquecido no mundo dos games. Do mesmo modo como alguns acreditavam que games single-player perderiam espaço para a onda de títulos multiplayer, o gênero do horror também parecia fadado ao esquecimento gradual. Assim, quando Hideo Kojima lançou P.T (Playable Teaser), o mundo voltou os olhos para aquela misteriosa experiência em loop em um corredor de entrada de uma casa suburbana.
Daquele momento em diante, o gênero recebeu uma nova fagulha de inspiração e cada vez mais jogos semelhantes a P.T e Amnésia começaram a surgir. Por outro lado, isso também saturou o mercado com títulos um tanto quanto fracos. O que não é o caso de Infliction, o jogo da Caustic Reality que promete emular uma experiência semelhante à que Hideo Kojima nos entregou em P.T.
Hush little baby, don’t say a word
Infliction tem um começo semelhante ao de um sonho febril. No jogo, controlamos Gary ,um homem desacreditado e afogado em mágoas indo em direção ao que presumimos ser seu lar. Lá chegando e entrando, ele logo percebe que algo está errado, já que sua esposa não se encontra em lugar nenhum da casa. Assim que chegamos no que aparenta ser o estúdio, vemos uma perturbadora gravação na tela do computador.
No que presumimos ser o modelo mais avançado para o ano de 1980 de um computador, vemos Sara sendo brutalmente assassinada por um homem mascarado. Ambos estavam dentro de um pentagrama quando o ato se concretizou, e agora o espírito de Sara parece desejar vingança e ataca qualquer um que ouse pisar dentro de seu antigo lar. Sem saber o que está acontecendo, Gary se vê preso dentro da casa junto do espírito vingativo de sua esposa morta e o de um assassino, mas talvez ele esteja acompanhado na realidade de apenas uma dessas entidades.
Agora preso entre o plano real e o que parece ser um limbo infinito, Gary deve se desvencilhar das criaturas infernais e o espírito inquieto de sua esposa, confinada neste infinito labirinto que se espalha através do espaço, tempo e dimensões. Logo, descobre que para poder fugir deste pesadelo deve realizar um simples ritual para que o espírito de Sara possa descansar, mas os fragmentos necessários para que este seja um sucesso estão espalhados por este labirinto atemporal. Armado com sua câmera Polaroid, Gary está pronto para mergulhar de cabeça neste inferno astral.
Não fique no escuro
Tenho que admitir que, no início Infliction, não me chamou a atenção nem um pouco, afinal eu já estou pelas tampas com clones de P.T.. No entanto, continuei seguindo adiante a fim de poder escrever a resenha, no entanto os dois grandes momentos de quebra para mim foram as referências/piadas e a câmera do protagonista. Antes mesmo de começar o jogo, eu resolvi explorar a casa de Gary, afinal queria poder ver o que havia lá antes dos monstros surgirem.
Explorando os locais da casa, pude me divertir bastante encontrando inúmeras referências tanto a P.T. quanto outros grandes clássicos. No quarto de Maggie, filha mais velha do casal, encontramos um “NES” com fitas de jogos que não deveriam estar neste console. Na sala de estar há inúmeras fitas VHS com referências a filmes e jogos de horror. Um exemplo disto é a fita do filme Biohazard na mesinha de café, com direito a sinopse e fotos de cenas dos filmes. Este é um dos pontos altos do game, o carinho com o qual eles desenvolveram todo um universo fora do jogo.
Pelo game, ainda encontramos inúmeras referências a filmes como Evil Dead, Hellraiser, Ringu, Ju-On, etc… Mas a câmera rouba o show no gameplay, sendo capaz de refrear as investidas do espírito vingativo de Sara, além de ser uma ferramenta central para o desenvolvimento da trama. Durante algumas cenas, é possível utilizar a câmera para revelar pistas invisíveis ao olho nu, revelando surpresas inesperadas para o jogador, além de outros easter eggs.
Fita de Möbius virtual
Uma vez que o jogador tenha sido pego pela primeira vez por Sara, ele irá ressurgir em um corredor e irá encontrar a câmera que o acompanhara durante o game. Neste corredor, o jogador irá conhecer o primeiro de vários corredores de loop existentes no mundo de Infliction, semelhantes ao corredor de P.T., só que com uma dificuldade bem menor, afinal o objetivo é seguir adiante no puzzle sem ficar tão preso nele – como na “carta de rescisão” de Hideo Kojima.
Aqui, o jogador irá encontrar as primeiras criaturas diferentes de Sara, que como de praxe, são encontros de morte instantânea, então não seja visto! Após resolver os loops, o jogador terá de encontrar um item do ritual sem ser capturado, mas a exploração é fundamental se quiser entender o que está acontecendo neste universo. Itens e memórias revelam mais sobre o assassinato, a vida da família antes do ocorrido, quem são estas pessoas e porque tudo ocorreu desta forma.
Os ambientes de Infliction se dividem entre a casa da família, os corredores de um hospital/manicômio, uma cabana e uma delegacia de polícia. Investigar os locais a fundo pode sim fazer com que o jogador morra, mas vale muito a pena ver tudo que o jogo tem a oferecer. Me diverti imensamente vendo as referências, descobrindo segredos e finalizando a história completamente. Ainda assim, o jogo possui seus problemas, que são mais de um.
Requiescat in pace
Muitas vezes durante o gameplay, sempre que chegava a uma nova área ou morria, o jogo dava uma pequena congelada, assim tirando um pouco do imediatismo da situação. Outro grande problema está na parte sonora. Sempre que começamos um novo segmento, o jogo fica sem som, sendo necessário, de duas uma, ir até o menu e mexer nos controladores ou morrer. Porém é algo que pode ser corrigido facilmente por patches.
O último grande problema que tive com o jogo foram os modelos dos personagens. Sara é muito parecida com Lisa de P.T., mesmo que o time tenha feito um ótimo trabalho ao recriar um espírito que realmente parece amedrontador. No entanto, sua movimentação dentro do game parece muito engraçada e o modelo em si não é tão assustador, tanto que em uma de suas aparições, eu achei que fosse um cachorro branco entrando no quarto.
Talvez seja o fato de que eu já estou um pouco acostumado demais com o gênero de horror e tenho uma visão “X” em minha cabeça do que seria o ápice deste gênero. Mas tanto para os fãs casuais e hardcore de horror, Infliction Extended Cut é um pedido e tanto. O jogo é cheio de referências e feito com uma dedicação incrível da equipe, quebrando a quarta parede ao mesclar o universo do game com o nosso. Infliction, seja a versão normal ou Extended Cut, são obras que devem ser jogadas pelos fãs de horror em intervalos regulares com o programa de cozinha de Mássimo.