Desde que mundo é mundo e Mario é Mario, “jogo de pulo” é um gênero que me assusta. Como é possível que títulos com personagens tão fofos e paisagens tão coloridas possam ser tão exigentes de precisão milimétrica e reflexos de ninja? Achava essa combinação uma contradição, o que levava à frustração, se me perdoem o vício de linguagem.
Roguelikes ou roguelites, por sua vez, também me provocavam questionamentos. Qual é o sentido de um jogo onde você não progride? Onde tudo que você realiza se apaga na primeira morte e nem mesmo o conhecimento adquirido é levado para próximo nível, proceduralmente diferente do anterior?
Dito isso, Himno, um jogo de plataforma procedural com permadeath tinha tudo para me frustrar. Entretanto, aconteceu justamente o contrário.
A canção das ruínas de Himno
Himno é um projeto paralelo e solitário de David Moralejo Sánchez, criador do simulador casual Medieval Shopkeeper. Nas horas vagas, para relaxar do desenvolvimento do jogo que realmente paga suas contas, Sánchez criou um jogo de plataforma sem ameaças, sem tempo, sem pressão e sem aquela necessidade obsessiva por pulos perfeitos. Com o tempo, ele foi aprimorando o projeto, até chegar ao ponto em que achou que seria uma boa ideia dividir isso com outros jogadores, sem custo algum. O resultado é Himno.
A proposta de Himno é minimalista, sem história, personagens ou poderes para desbloquear. Você é um explorador, aventureiro, herói, não importa, perdido em uma série de ruínas mal-iluminadas e desabitadas. Você pode ir para onde quiser, combinando pulos e investidas, encontra uma passagem dimensional e avança para o próximo mapa. E basicamente é só isso mesmo que Himno oferece.
Ao longo da jornada, você pode ir coletando cristais iluminados do ambiente ou de vasos e jarros, acumulando níveis. Esses níveis podem ser utilizados para libertar seres luminosos que irão acompanhá-lo por um um curto espaço de tempo, ajudando a lidar melhor com a permanente solidão dessa travessia sem propósito.
Desta forma, Himno é mais um jogo contemplativo do que desafiador. Seria o equivalente em plataforma aos ditos “walking simulators”. Você vaga pelo cenário e se deslumbra com a forma como Sánchez brinca com os ambientes randômicos, se encanta com os efeitos de iluminação e se transporta para um mundo com muitas perguntas e zero respostas.
A morte existe, basta cair no oceano que jaz permanentemente no fundo de todos os mapas. A partir da morte, todos os seus níveis são zerados e o jogo “recomeça” na tela inicial. Não que isso traga qualquer tipo de impacto, a menos que você esteja competindo consigo mesmo mas, nesse caso, é você que está trazendo a pressão para Himno, não seu desenvolvedor. O jogo até guarda estatísticas de quantos saltos foram realizados ou mapas foram visitados, mas não há qualquer tipo de recorde a se quebrar ou ranking online. Há apenas você e essas ruínas misteriosas.
Houve alguns bugs em minhas primeiras sessões do jogo, como travamentos ou um lag maroto que me custou a vida em vários saltos. Nada disso voltei a encontrar em sessões posteriores, felizmente, o que significa que Sánchez segue trabalhando no projeto. Outro aspecto equivocado do jogo é a geração de mapas, que pode provocar becos sem saída, mapas onde é praticamente impossível ou extremamente arriscado sair do ponto inicial, mas esse é um problema fácil de ser contornado, entrando na porta novamente e gerando outro cenário.
A minha mola motriz acabou sendo encontrar o maior número de Distritos possíveis, os mapas de Himno. Nessa jornada quase diária, em sessões curtas mas simpáticas, descobri duas coisas: o jogo não tem mesmo muitos elementos diferentes, mas ainda assim ele tem um “desfecho”.
O aspecto randômico dos mapas pode esconder uma ou outra surpresa nas primeiras jornadas, mas o leque de opções de Himno se esgota bem rápido. Depois do décimo Distrito, certamente você já viu todos os elementos exóticos que são interativos, todas as combinações possíveis de arquitetura. A partir desse ponto, você retorna por que deseja mais daquele mundo, não pela necessidade da descoberta.
Aqueles que persistirem até o décimo-primeiro Distrito terão uma surpresa “final”, uma espécie de evento adicionado por Sanchéz de última hora, mas que funciona como uma recompensa para os exploradores. Na ausência de um enredo ou mesmo explicações, é o que temos para hoje para marcar a chegada. Entretanto, o jogo não termina aí e o jogador pode seguir explorando o décimo segundo Distrito, o décimo terceiro, em direção ao infinito.
Essa carência de significados maiores pode ser visto como o ponto mais fraco do jogo, mas também é onde repousa outro aspecto da experiência relaxante. É apenas um jogo de pulo e encantamento, não necessita de teorias ou complicações. E isso foi mais do que suficiente para mim.