A 11 bit Studios, mesma desenvolvedora de This War of Mine, traz agora Frostpunk, o primeiro jogo do gênero chamado de “simulação de sobrevivência” (“Society Survival” do inglês), um subgênero criado pelo próprio estúdio, sendo uma mistura dos gêneros de construção de cidades, sobrevivência e simulação. O mais importante que você deve saber agora é que essa aventura vai ser uma fria… no bom sentido, é claro.
Uma aventura congelante sem a Elsa
Em um mundo totalmente congelado, as pessoas desenvolvem tecnologia a vapor para poder sobreviver ao frio avassalador. Como governante deste povo, seu objetivo é administrar os habitantes e a infraestrutura para que eles possam prevalecer e viver nessas condições extremas. As suas habilidades táticas como líder enfrentarão desafios, sendo frequentemente questionado sobre suas decisões que envolvem não somente o comando estratégico, mas também a moralidade. Basicamente, você deve supervisionar sua população, gerenciar recursos e fazer escolhas difíceis e ambíguas. Faça o que fizer, lembre-se sempre: a cidade deve sobreviver. Pense em Frostpunk como um Sim City de sobrevivência na neve com elementos steampunk.
Toda a sociedade é construída em volta de um gigantesco gerador movido a carvão, esse que os manterá aquecidos neste ambiente congelado. Caso esse gerador pare de funcionar, toda a cidade será imersa pelo frio, pois as temperaturas irão começar a baixar rapidamente, então é muito importante manter ele em pleno funcionamento mesmo quando os trabalhadores estão em seu momento de descanso. Isso traz a dinâmica de gerenciamento de recursos à tona mais do que nunca.
Durante o dia há períodos determinados que são divididos entre trabalho, descanso, e tempo livre. Porém, conforme a demanda necessária, você pode alterar esses horários, colocando as pessoas para trabalhar mais, sendo possível até deixá-las trabalhando 24h (obviamente essa decisão será repudiada pela maioria). Essa é parte das decisões que terão de ser tomadas para manter o gerador (e a sobrevivência como um todo) funcionando, caso contrário, isso custará vidas.
Nesse sentido o jogo vai te colocar em situações que vão testar a sua moral. Que decisões você tomará para que a sociedade possa sobreviver? O que você fará quando estiver no limite? E quem você vai se tornar no processo? Suas decisões te farão questionar sobre até onde você pode chegar para manter a sobrevivência de seu povo. Você seria capaz de obrigar crianças a trabalhar? Mesmo que seja para a sobrevivência de todos? Esse tipo de questão vai ser posta em cheque em determinados momentos da sua jornada.
As pessoas tem vidas, nomes, não são apenas bonecos andando e realizando tarefas que você observa; acima de tudo, elas tem voz e vão reagir às suas decisões, seja a favor ou contra. Suas decisões afetam a força de vontade dos cidadãos, e você pode acompanhar isso através das barras de “esperança” e “descontentamento” (Hope e Discontent, respectivamente).
Isso afeta diretamente o rendimento das tarefas diárias, para mais ou para menos, o que torna a tomada de decisões ainda mais complicada, pois você estará fazendo aquilo para o bem dos seus cidadãos ou para a sobrevivência deles? Neste último caso, são tomadas decisões drásticas e talvez pouco éticas ou morais. Nem sempre a escolha mais correta é a mais fácil de ser tomada. Há dilemas morais que só reforçam o fato de tais pessoas terem vida, pois se fossem apenas NPCs, você não sentiria o mesmo remorso por eles.
Todas as decisões são tomadas através do chamado Livro de Leis (Book of Laws), no qual se prioriza o que é mais necessário para sua sociedade naquele momento, assim maximizando a produção de algum recurso, seja ele industrial ou humano – como a coleta de mais carvão ou mais comida, ou mesmo tratamento médico para as pessoas doentes. Também é aqui onde as decisões mais difíceis são tomadas, como fazer as pessoas trabalharem sem descanso ou colocar crianças para trabalhar se necessário.
Há também a árvore de tecnologias, todas baseadas em vapor, como o nome do jogo já sugere. Seria algo como uma árvore de habilidades da sua sociedade, permitindo aprender e evoluir novas tecnologias, que envolvem desde as construções até a força de trabalho, para assim diminuir o tempo e maximizar a produção. Falando nelas, as construções também são divididas seguindo esse viés: recursos humanos como moradia, comida e saúde ou industriais para maximizar a produção e o desenvolvimento da sociedade. Para tal, você precisa de meios, e um dos fatores mais importante do jogo é a coleta de recursos, que vão desde carvão, madeira, ferro até comida.
Essa que será talvez a tarefa mais realizada pelos seus cidadãos, afinal, não há outra maneira de sobreviver a nevasca sem fazer o gerador funcionar, ou mesmo comer. O que não torna essa tarefa mais simples, sendo que quanto mais distante do gerador for o local da coleta, mais frio será, assim aumentando as chances de pessoas morrerem ou ficarem doentes, e assim por diante. Isso te obriga à gerenciar seus recursos para construção de centros de atendimento (hospitais) ou fontes de calor próximos aos locais de coleta de recursos.
Todo esse gerenciamento de recursos, sejam humanos ou “sobrevivenciais”, é muito bem constituído no jogo, e apesar de complexo, não é frustrante, é bem feito e intuitivo. Todos os números principais e mais importante estão sempre presentes no HUD do jogo, te mantendo a par de tudo que precisa saber e ter atenção, e dentro dos menus tudo é bem organizado e explicado. Isso com certeza vai agradar os fãs do gênero, e até mesmo aqueles que não são tão chegados assim.
O dia depois de amanhã
Embora a gestão da cidade e da população consuma a maior parte do seu tempo como governante, em alguns momentos há a possibilidade de explorar o mundo exterior para entender sua história e o que o levou ao estado atual.
Algo interessante a ser citado nesse sentido é a história que Frostpunk apresenta, especialmente a forma como ela se constrói, já que o conceito do enredo é bem claro desde o início. A partir disso, a maneira como tudo se seguirá é construída a partir das suas decisões e como elas afetam o desenvolvimento da sua sociedade, assim como as vidas que elas afetam, sejam para o bem ou para o mal. Tudo isso de maneira sutil, nada escancarado na sua face, mas de uma perspectiva diferente, que te instiga tanto na tomada de decisão como no discernimento que elas causarão, no sentido de ação e reação.
Infelizmente o jogo não apresenta nenhuma localização para o português brasileiro, seja na dublagem ou mesmo nos textos (legendas e descrições), mas felizmente isso não afeta tanto o gameplay quanto pode parecer, já que ele é bastante intuitivo e os tutoriais são recorrentes conforme o seu desenvolvimento, não sendo apresentados todos de início mas somente quando você chega em determinadas sessões do jogo. Porém, caso seu inglês seja bom, isso com certeza vai te beneficiar no melhor discernimento da trama.
O jogo apresenta uma ambientação belíssima. Apesar de ser um cenário coberto de neve, é tudo muito bem feito, isso incluindo as construções, as pessoas etc. Os detalhes foram muito bem trabalhados, incluindo sons e trilha sonora, tudo para criar uma atmosfera imersiva de solidão e sofrimento em um território inóspito congelado, onde a sobrevivência é um fator quase inexistente.
Frostpunk proporciona uma certa complexidade que é agradável, nada que frustre, e com certeza vai agradar os fãs do gênero. Artisticamente ele é um título bem completo, apresentando uma sutileza bem orquestrada com ambientação, sons e trilha sonora muito bem trabalhadas. Mas acima disso, Frostpunk nos traz reflexões, mostrando do que as pessoas são capazes quando são levadas aos limites. O que uma sociedade faz para sobreviver e como ela muda no processo. Se a deixa pior, melhor, mais forte, mais fraca ou, por último mas não menos importante, mais ou menos humanos.