Nos bons e velhos tempos, você podia confiar nas suas dez armas, no seu instinto de navegação em mapas que eram verdadeiros labirintos e na certeza de que poderia encontrar um item de cura no próximo cantinho. Não tinha muito o que pensar: era chumbo nos inimigos, bola para frente, libera o nível, avança e vai.
Exodemon não é um jogo. É uma bem construída máquina do tempo que nos transporta para o início dos jogos FPS, para se alinhar com Doom, Quake, Duke Nukem sem fazer feio.
Saiu da jaula o monstro!
Sem firulas de história, reviravoltas ou mesmo personagens e diálogos, Exodemon vai direto ao ponto. Você é uma arma viva, extermine tudo que encontrar pelo caminho. O enredo é contado na descrição e nas telas de carregamento, na forma de pensamentos do protagonista. Em uma instalação perdida em um planeta remoto, cientistas estudavam uma espécie de simbionte demoníaco alienígena. O negócio gruda em você, agora você é o Exodemon, falou, valeu.
É o que basta para manter nosso interesse e justificar as mecânicas do jogo. Por sermos um híbrido recoberto com uma forma de vida estranha, não precisamos de armas. A mão esquerda (controlada pelo botão do mouse direito) possui garras capazes de despedaçar a maior parte de nossos oponentes. A mão direita (controlada pelo botão do mouse esquerdo) muda de cor e padrões para disparar diferentes tipos de projéteis, simulando armas conhecidas, como pistola, shotgun, rifle de precisão, lança-granadas, etc. A munição é encontrada em forma de cristais de energia no cenário.
Seguindo a mesma lógica, nosso Exodemon pode evoluir ao se encontrar outras garras deles escondidas pelos vastos cenários. Isso pode significar mais pontos de vida ou armas mais fortes e, certamente, explorar os mapas vale o investimento.
Para quem ficou (mal) acostumado com os FPS moderninhos, em que a vida se regenera sozinha ou caminhamos a passos lentos, a velocidade e a brutalidade de Exodemon podem chocar. Manter-se em movimento é fundamental para não ser atingido pelos inimigos que se materializam muitas vezes de surpresa e o importante é não perder o pique, as melhores características dos jogos do passado que foram preservadas pela minha memória.
Essa agilidade sobrenatural do protagonista também se manifesta nos saltos. Quanta diferença de tantos jogos que exigem precisão milimétrica mas te oferecem um salto de tartaruga. Em Exodemon, aquilo que seria impossível em outros jogos se torna um salto comum e esse recurso é habilmente explorado em vários mapas.
O mapa é o território e o território está cheio de inimigos
Ao contrário de Strafe, outra experiência nostálgica que meio que abriu caminho para essa onda, nada aqui é procedural. Cada mapa foi meticulosamente criado e impressiona pela complexidade. Já havia muito tempo que eu não ficava “perdido” em um FPS, com tantas opções de caminho, com tantas possibilidades de estar perdendo um “easter egg”, uma evolução, aquela munição extra que estava fazendo falta. Para, ao completar minha exploração, descobrir que os compartimentos são perfeitamente conectados, sem gordura, sem desperdício de espaço.
A variedade de inimigos é outro fator muito importante para o sucesso de um FPS e Exodemon também não decepciona nesse sentido. Embora eu não tenha entendido exatamente o que eu estava enfrentando (eram robôs de segurança reagindo à presença do meu simbionte? eram pessoas transformadas em criaturas tecnorgânicas por outros simbiontes?), ainda assim era palpável que o jogo aderiu a um conceito e seguiu com ele. Apesar das diferenças, cada oponente segue um padrão de cor e comportamento que lhes confere uma unidade e os faz se destacar entre tantos inimigos de tantos FPS do passado e do presente.
É preciso estar sempre atento aos sons que eles produzem para saber que tipo de inimigo está próximo e, principalmente, como lidar com ele. A munição não é abundante no jogo e é preciso disciplina para administrar os combates, reservando as melhores configurações para os adversários mais resistentes. Sempre que possível, use as garras: elas não estão lá apenas para dar um estilo ao protagonista, mas são uma ferramenta importante no seu arsenal.
Em relação a esse arsenal, ele não é tão diversificado quanto poderia ser. Ao invés da exuberância de dez armas de um Quake ou Duke Nukem, temos aqui somente 6 armas possíveis, em que as duas últimas me pareceram extremamente ineficientes e eram utilizadas somente em último caso.
Um dos poucos defeitos de Exodemon é não ter chefes de fase ou mesmo um chefe final. Você aguarda uma grande batalha que nunca chega. Entretanto, cada mapa já é desafiador o suficiente, sem ser frustrante, graças a checkpoints generosos que restauram sua vida.
O impossível aconteceu!
Para entender o motivo de não ter chefes em Exodemon é preciso entender os bastidores do desenvolvimento do jogo. Para todos os fins, nem era para Exodemon existir. O pequeno estúdio brasileiro Kuupu é formado por apenas duas pessoas e vinha trabalhando no jogo havia anos. Infelizmente, um erro de cálculo com a Unity Engine comprometeu todo o projeto. Simplesmente não era mais possível abrir o arquivo para edição e um ano de trabalho corria o risco de ser jogado fora.
Segundo a Kuupu, esse problema foi contornado descompilando o próprio código com ferramentas de hacking e injeção. Em outras palavras, eles tiveram que quebrar o jogo, arrombar as portas, para conseguir entrar e alterar o que precisava ser feito. Com isso, tornou-se impossível adicionar novos elementos a Exodemon, como os desejados e planejados chefes de fase, novas músicas ou mesmo novas criaturas.
Isso não significa que o jogo esteja “incompleto” ou “bugado”. Para todos os fins, Exodemon roda macio e tem começo, meio e fim. Entretanto, de acordo com a desenvolvedora, os jogadores devem esperar novidades em breve enquanto o projeto está sendo recuperado para edição aos poucos.
Esse obstáculo trágico (contornado com habilidade e persistência) é a justificativa que pode ser usada para todos os “defeitos” de Exodemon. Por exemplo, há apenas uma música no jogo inteiro, cativante, sem dúvida, que dá o clima certo, pode apostar, lembra Doom, com certeza, mas, ainda assim, é uma música só em todos os níveis e não era para ser assim.
Outro ponto crítico do jogo, e isso é, na verdade, um elogio, é sua curta duração. Eu levei cerca de 5 horas de ponta a ponta, mas não sou o mais rápido dos jogadores e gosto de explorar cada centímetro do mapa. Há gente que completou Exodemon em metade desse tempo.
A sensação que fica é de querer mais ao final do jornada. Entretanto, a máquina do tempo nos devolve para 2019 e seus FPS fotorrealistas com vida regenerativa, armas militares e loot boxes até o infinito. Fica a saudade.