A história está cheia de nomes que foram escurecidos, independente de suas contribuições para a ciência e o desenvolvimento da humanidade. Provas do nosso comportamento retrógrado em relação à essas pessoas podem ser encontradas nos nomes de Sergei Korolev, Ignaz Semmelweis e Nikola Tesla, personalidades estelares no nome da ciência que foram esquecidos pela humanidade, somente sendo resgatados nos últimos tempos. Em Close to the Sun, no entanto, damos um passo a mais e somos apresentados a um mundo no qual Tesla nunca foi ao ostracismo, vivendo seus últimos dias no quarto 3327 do Hotel New Yorker.
Criado pela Storm in a Teacup, o jogo nos apresenta a um mundo onde a genialidade de Tesla pode se expandir a tal ponto que o próprio criou uma sociedade steampunk utópica no meio do mar, a bordo do navio Helios. Nesse ambiente, as maiores mentes do mundo se reuniram e tornaram sonhos possíveis, mas o brilho da glória pode cegar até o mais sábio dos homens. Na colossal e titânica embarcação, uma nova caixa de Pandora foi aberta pelas mãos humanas e agora resta à protagonista Rose Archer decifrar os mistérios acerca do Helios, resgatar sua irmã Ada e sobreviver para contar a história.
Observem minhas criações e estremeçam
Nikola Tesla pode ser considerado um dos, se não a maior, inspiração para o arquétipo de “cientista maluco”, o homem que misturou ciência com ilusão e marcou sua época. Sendo o pai da corrente alternada e um inimigo declarado de Thomas Edison, Tesla criou inúmeras patentes que poderiam ter revolucionado o mundo. Em Close to the Sun, todas elas ganham vida e, como no poema de Byron, pouco há de restar. O jogo que se passa em 1897 nos apresenta duas irmãs separadas pelo cientista. Rose Archer, uma jornalista, se dirige até o imenso navio Helios a fim de encontrar sua irmã, após receber uma carta da mesma.
Logo no início, podemos reparar as influências de jogos como Bioshock e dos estilos Art Nouveau e Art Déco, remetendo a uma temática secular e sofisticada. Mas não se engane: nada no no navio deve ser tratado como em Rapture, afinal são histórias diferentes com destinos diferentes. Nada de armamentos, nada de plasmídeos ou poderes. No Helios, o que irá separar os sobreviventes dos cadáveres é a habilidade de pensar rápido e fugir das criaturas vindas direto das fronteiras do tempo, que estão rondando o navio em busca de novas vítimas.
O ambiente a bordo do Helios é opressivo e frequentemente claustrofóbico, com esquinas mal iluminadas, quartos entulhados de corpos decompostos e sangue manchando todas as paredes. De acordo com a progressão da história, descobrimos que houve um problema durante um experimento no qual o Helios estava cultivando energia temporal, a fim de utilizar a mesma para energizar a enorme embarcação. Porém, como o nome indica, os sonhos de Tesla foram ambiciosos demais e a cera de suas asas queimaram, lançando ele e sua tripulação para uma morte terrível no mar.
Rose deve explorar as diversas áreas do navio enquanto é guiada por sua irmã, através de um comunicador desenvolvido pela mesma. Porém outras pessoas também irão interagir com ela, como o cientista Aubrey, que está preso na sala de máquinas, Nikola Tesla, que pergunta porque a jornalista está quebrando a quarentena e um homem chamado Ludwig, que deseja matá-la, culpando-a por ter causado todo o acidente, mesmo que Rose nunca tenha o visto antes. Talvez a frase “o tempo não é um rio” seja realmente verdadeira.
Cada capítulo faz uma alusão diferente a um conto, ou um dos deuses do panteão grego. Caso tenha conhecimento do título de determinado deus, é possível ter uma ideia do que está por vir. O segundo capítulo, chamado de “Fogo de Prometheus”, é um ótimo exemplo, trazendo uma estátua do titã acorrentado em um dos salões. Além disso, o jogo também cria sua própria mitologia de criaturas, monstros capazes de trafegar na chamada energia exótica, que foi espalhada após o acidente temporal que no navio.
Um dos pontos que conversam com a realidade, porém senti falta de aprofundamento no jogo, foi a existência de espiões enviados por Thomas Edison buscando sabotar Tesla, mas jamais encontramos eles, exceto por uma sala escondida onde podemos ver um que um deles morreu após uma longa sessão de tortura.
Essas criaturas percorrem o navio todo e o jogador pode perceber que as mesmas estão próximas quando uma névoa azulada começa a surgir pelo cenário. Nesse momento… Pernas para que te quero! As criaturas correm muito, mas se o jogador manter a velocidade e não travar nos obstáculos, elas são facilmente despistadas. É possível olhar para trás quando estamos sendo perseguidos pelas criaturas ou por Ludwig, mas mantenha os olhos também virados para frente ou irá virar uma presa fácil.
Seguindo o estilo de SOMA, Outlast e outros jogos do gênero onde não podemos lutar contra os monstros, no jogo contamos apenas com nossos objetivos, as dicas de Aubrey e Ada, e nossa coragem para seguir em frente. O jogo não possui um mini-mapa ou nada parecido, e a única demonstração de espaço são mapas das áreas do navio, mas nunca do local que nos encontramos. Os comandos são básicos, sendo a movimentação da personagem controlada pelas teclas, o movimento da câmera pelo mouse, interação com o botão direito, zoom com o esquerdo e corrida com shift – nada de agachar desta vez.
Isso acaba se tornando um divisor de águas para os fãs do gênero de terror, já que não há nada de armas de fogo ou alguma engenhoca steampunk. Close to the Sun se torna mais um jogo de investigação do que uma aventura aterrorizante, o que é algo que me agrada pessoalmente, pois aumenta a tensão ao deixar o jogador impotente e inquieto, sempre esperando encontrar com um inimigo mortal pela frente ou ao dobrar uma das escuras esquinas do Helios.
Não voe alto demais, Ícaro
O estilo visual do jogo é magnífico. O navio de Tesla se mostra como um ambiente refinado e elegante, contando com imensos salões de baile e um anfiteatro gigantesco. O lugar todo é um paraíso em alto mar, uma verdadeira Atlântida dos tempos modernos, contando com jardins, alojamentos gigantescos e inúmeras áreas comunais nos quais os cientistas socializavam e discutiam suas mirabolantes ideias. A disposição dos cadáveres após o incidente também é brutalmente honesta, com corpos mutilados e ensanguentados espalhados pelo navio, órgãos espalhados pelo pisos e até mesmo um homem esquartejado por seus antigos ratos de laboratório.
A parte sonora também não deixa a desejar em nenhum momento da viagem através da gigantesca estrutura. Muitas vezes não se ouve nada além do ranger das enormes placas de metal e o sacudir do oceano lá fora. No entanto, quando a trilha sonora nos atinge com uma música que nos deixa atônitos e afoitos enquanto corremos de um assassino insano ou uma criatura de outra dimensão, pode acreditar que você se verá extremamente ansioso.
Claro que o jogo possui seus problemas. Um deles é clássico dos jogos de terror guiado, pegando a mão do jogador e indica a ele aonde ir. Um exemplo disto é quando iniciamos uma fuga e o cenário vai se moldando de maneira que indique o caminho correto para o jogador. Outro problema que tive com o jogo é que pessoalmente não senti tanto pavor ou medo – não sei se os anos jogando o gênero me dessensibilizaram ou pelo fato de as criaturas não serem tão diferentes de tritões super-crescidos.
Outro grande problema do jogo é que ele acaba rápido demais. Quando começa a engatar em uma trama maior, acaba em uma ponta solta, deixando aberta a ideia de uma continuação ou de um DLC, contando o que acontece após o final e como irão amarrar as pontas. A falta de localização em português brasileiro também pode ser um empecilho para jogadores tupiniquins, afinal de contas o jogo exige que o jogador leia alguns arquivos para seguir em frente ou pegar os colecionáveis espalhados pelos capítulos, geralmente cartas, todas em inglês.
Apesar dos pesares, Close to the Sun é uma aposta ambiciosa e criativa, dando uma visão alternativa do que poderia ter sido o mundo caso Tesla tivesse seguido em frente com suas invenções e não tivesse sido relegado ao posto de cientista maluco. Porém como Ícaro, o jogo acaba sendo efêmero e se queima rapidamente, já que apenas dez capítulos fazem com que o jogo seja curto demais e, na minha opinião, apressado com sua história. Com isso, acaba caindo em um mar de simplicidades e clichês.
Espero que expandam a história com um DLC ou em uma continuação, como dito acima, pois acredito que o jogo seja uma ótima porta de entrada para aqueles que queiram se aprofundar no mundo dos jogos de terror ou experimentar algo novo. Agora resta esperar que o time da Storm in a Teacup continue a história e consiga consertar no próximo os poucos erros que Close to the Sun cometeu.