Prepare-se para muitas comparações e magia. Blue Reflection, o novo RPG da Koei Tecmo lançado no Japão em março de 2017 e que chegou ao ocidente somente no final de setembro, chega em um ano difícil para competir de igual quando temos Persona 5 e Utawarerumono. Dois grandes títulos, que abusam do estilo japonês de role-playing game e visual novel, que conseguiram conquistar muitos fãs e despertar a curiosidade dos ocidentais para esse gênero antes voltado para um nicho muito menor.
O problema foi criar um nível muito alto para os próximos títulos que fossem lançados, deixando a difícil missão para o produtor Junko Hosoi para achar o ponto capaz de transformar esse game em uma experiência capaz de chamar a atenção do público. Com isso em mente, os gamers terão a oportunidade de conhecer uma mistura de elementos retirados dos animês, games e dia a dia dos estudantes japoneses, numa fórmula que poderia ser exclusiva para o público feminino, mas que com certeza vai conquistar muito marmanjo por aí.
Pelo poder do prisma lunar
Prepare-se para investir dezenas de horas no papel de Hinako Shirai, uma aluna da Escola para Garotas Hoshinomiya, que tem como paixão o balé. Após uma lesão em seu joelho, ela precisa abandonar seu maior sonho e voltar para o Ensino Médio depois do seu tratamento, causando a entrada tardia no ano letivo. Quase como se tudo estivesse escrito pelo destino, Hinako acaba se encontrando com uma antiga admiradora, porém algo estranho acontece e a garota perde controle de suas emoções enquanto relembra dos velhos tempos. Com uma sombra misteriosa surgindo ao redor da aluna descontrolada, a escola some e uma paisagem verdejante e um monstro gigantesco surge no lugar dos corredores e escadas da escola.
A jovem aluna e aspirante à bailarina, ouvindo vozes desconhecidas, começa a utilizar os poderes mágicos de um anel que surge em sua mão. Após a derrota do estranho monstrengo, com visual geométrico, todo o mistério inicial é revelado e a trama principal se constrói: as irmãs Yuzuki e Lime Shijou revelam que, ao lado de Hinako, as três são Reflectors, guerreiras mágicas que usarão o poder das emoções humanas para combater as Origens em uma guerra que dará ao vencedor o desejo de realizar aquilo que mais desejar.
À partir desse plot para a construção narrativa que vai nos guiar durante as 30 horas de jogo, o trio de guerreiras precisarão acessar o The Common, uma realidade paralela compartilhada entre o sentimento de todos os humanos que guarda as nossas emoções. A luta contra o mal, aqui chamado de Origens, se baseia na busca por Fragmentos, as emoções daqueles que se perderam na realidade para restaurar a sanidade das pessoas e obterem poder suficiente para salvar o mundo. Qual a motivação maior para uma aluna partir nessa aventura? Aquele que conseguir eliminar toda a insanidade do nosso mundo terá direito à um pedido, que deverá ser feito com todo o poder do coração para que ele se realize.
O mais legal disso tudo é que independente das mecânicas utilizadas pela Gust nos seus jogos das séries Atelier e Night Azure, para o combate por turnos, agora temos uma sequência ao melhor estilo Sailor Moon para as transformações do trio ao entrarem no The Common. Muito bem feita visualmente, com trilha que parece animê dos anos 90, quem não viveu a época de ouro dos desenhos japoneses no Brasil também vai se identificar com o estilo Magic dos últimos anos. Puella Magi Madoka Magic e Fate Stay/Night são bons exemplos, além do já citado repleto de Guerreiras Lunares, para você ter como referência antes de começar sua jornada para salvar o mundo da loucura e sentimentos negativos. Fora dessa realidade paralela compartilhada pelo nosso subconsciente, o jogo já mostra uma outra façanha e busca em desenhos do tipo Slice of Life como, por exemplo, Fruits Basket, Mushishi, GTO e qualquer outro que consiga retratar muito bem o dia a dia nos colégios japoneses.
Sua função diária será viver a sua jornada como estudante, cumprindo tarefas paralelas para os estudantes, além de estudar, alongar e treinar. Diferente de Persona, na escola você não terá foco em cumprir sua carga horário como aluno, mas sim percorrer a escola por conta de missões de Yuzu e interagir com alunos que estejam perdendo o controle das suas emoções. Basicamente você encontrará com alguém e, após um diálogo que nem sempre vai acrescentar algo para a história, você salta para os mapas da outra realidade para combater a Origem daquele mal. É nessa etapa em que o jogo peca bastante, pois as batalhas são muito fáceis e os cenários do The Common são pequenos; não espere grandes ambientes para explorar, pois você estará praticamente dentro de uma área ao melhor estilo JRPG e que usa loading para cada ponto do mapa alcançado. O problema é que não existe mais mapa e sim um pequeno espaço para você achar o seu inimigo, fazendo com que isso tudo seja muito rápido e desanimador quando você já estiver na metade do jogo e não aguentar mais todo esse ritual.
RPG (quase) japonês
Tudo em Blue Reflection aponta para um RPG japonês. A narrativa se constrói durante a busca de diversos colegas de sala perturbados e agindo estranhamente, para você entrar em combate com criaturas gigantescas e resgatar o Fragmento daquela emoção perdida. Outras várias missões estarão disponíveis para você, além de muitos outros colegas e atividades para serem cumpridas, porém percebi que muitas vezes eu poderia deixar de lado algumas missões e tarefas (não obrigatórias) para simplesmente ver a história fluir.
Ao contrário de Persona, acredito que esse título da Koei Tecmo seja um tanto quanto desinteressante para quem desejar buscar e cumprir tudo que o jogo oferece, justamente pela repetição. O motivo disso tudo? As batalhas são muito fáceis. Não joguei no modo mais difícil para comparar, por conta das várias horas investidas no jogo, mas se você começar cumprindo tudo o que estiver pela frente, com certeza a sua Hinako estará forte o suficiente para você não se preocupar com estratégia, utilizar o “poder” de outros alunos para ajudar no seu combate e vencer as três fases de cada Origem.
Não se iluda, pois o começo é bem desafiador, mas a quantidade excessiva de side quests acaba prejudicando o jogo. O que me motivou a seguir em frente, além de ser um jogo de um gênero não tão comum no ocidente, é a beleza que ele carrega. Entrar no The Commom é ver uma inversão de visual muito brusca, de um colégio monótono para ambientes diversos. Sem contar que a cada batalha bem realizada, sobrevivendo aos estágios do inimigo, uma cutscene surge com o malabarismo e mágica de Hinako, Yuzu e Lime para encerrarem de vez com o monstrengo que roubou os sentimentos de um aluno. Golpes, magias e ataques especiais, além do famoso “escapar” estão à sua disposição e vão sendo acrescentados com o passar dos seus níveis.
Com isso chegamos ao ponto de maior estranheza para mim: os inimigos derrotados não vão garantir XP para as alunas mágicas! Ao cumprir missões, seja enfrentando uma Origem ou apenas indo ajudar alguém, você completará parte da história e somente isso vai garantir pontos para as protagonistas. Ao mesmo tempo, nossas heroínas evoluem e terão pontos para distribuir em seus status, que influenciam diretamente com a sua atuação no The Commom. E por quê preciso enfrentar todos esses inimigos? Basicamente por conta do loot, que favorecerá os seus Fragmentos ou habilidades, consequentemente, deixando sua personagem mais robusta e completa, e não necessariamente forte. Lembre-se, o combate pode ser difícil no começo, mas na segunda metade e após certo acontecimento (não bombástico e um pouco previsível), você sentirá menos dificuldades. Por esse motivo Blue Reflection não é um RPG japonês! Você dificilmente precisará de grind, ou melhor, buscar por loot melhor.
Que beleza…
Duas coisas que gostei muito: a beleza do jogo e o cuidado com a trilha sonora. Como disse, tudo parece um animê, mas ele é trabalhado e preparado para receber a sua interação. Os menus são fáceis e bonitos e a HUD pode ser meio poluída por conta dos números grandes, mas buscam sempre algum elemento de apoio para evitar o impacto negativo; isso sem contar o trabalho do ilustrador Mel Kishida dando personalidade em cada uma das meninas, vestimenta e acessório. O pacote completo impressiona pela qualidade gráfica. Como se não bastasse, a música de fundo está longe de ser repetitiva ou enjoativa, como acontece na maioria dos RPGs. Não consegue igualar à qualidade de Persona e seu new jazz, mas com certeza ficará na sua cabeça por um tempo, principalmente quando você assistir as sequências de finalização.
Para quem não está acostumado com a cultura japonesa, todo esse visual acaba resultando em alunas com camisetas molhadas, semi-transparentes e com sutiãs coloridinhos por todo o jogo. Seja na batalha, chuva, hora de tomar banho ou qualquer outra desculpa para sensualizarem, assim como o estilo slice of life dos animês, você verá de maneira gratuita e poucas vezes bem explicado pela situação. No entanto, essa questão acaba sendo pontuado de leve se comparado aos exageros de títulos mais sérios ou adultos. Nem mesmo os diálogos, presenciais ou pelo bate-papo do celular, sugerem esse tipo de coisa para jovens garotas do Ensino Médio.
O design dos inimigos, também muito bonito e bem cuidado, me lembraram bastante Bayonetta e as esquisitices dos anjos que você enfrenta. Não no mesmo nível, mas talvez tão bem detalhados quanto, a ponto de você poder desmembrá-los durante a luta. Infelizmente, essa beleza acaba se limitando à repetição de feições e estilo visual na maioria das personagens. Quase como o estilo do Nomura, com seus cabelos e vestimenta, aqui parecem bonecos do Playmobil muito bem feitos e em alta definição, variando aspectos e características do corpo para diferenciá-los. Isso, que pode ser um detalhe e preciosismo meu, no começo confunde pela novidade e quantidade de rostos que você acaba conhecendo.
Fan service otaku
Se você gosta de tudo o que foi dado como referência, inclusive Persona, mesmo não sendo um jogo do mesmo nível, Blue Reflection é uma ótima escolha para você. Principalmente para quem busca por jogos no PS Vita! São boas horas de jogo, não intermináveis como na maioria das visual novels, porém o suficiente para entreter qualquer jogador curioso e disposto a sair do quadro de lançamentos já esperados. Espere a bolha de excelentes lançamentos desse ano passar e seja feliz no papel de uma colegial japonesa.