Para compreendermos bem Biomutant, é necessário recontar a novela que foi do seu anúncio ao lançamento. Revelado ainda em 2017, o título seria o primeiro desenvolvido pela Experiment 101 e gerou muita hype pela promessa de trazer um verdadeiro conto de animais antropomórficos lutando kung-fu, desferindo golpes com armas brancas e tudo mais em um ambiente gigantesco de mundo aberto. Ao menos a ideia inicial era essa.
Então ele apareceu tímido em 2018, sem revelações sobre a data de lançamento e sumiu do mapa. Inclusive muita gente acreditou que a THQ Nordic, produtora responsável por ele, teria o cancelado. Em 2020 o jogo ressurgiu, mas uma data só veio em janeiro desse ano. Foram quatro anos de uma longa espera e adiamentos, mas agora que chegou seu lançamento andou gerando muita discussão através da internet. Afinal de contas, a jornada é tão divisiva assim? Infelizmente sim.
Liberdade para ser quem é
Uma coisa que eu não posso reclamar de Biomutant é de que faltou coragem. O pessoal da Experiment 101 arregaçou as mangas e produziu algo realmente enorme com o pouco recurso que tinham em mãos. Para quem não esperava muito como eu, ele realmente me surpreendeu em vários quesitos. Vamos destacar aqui dois dos principais, a personalização da pequena criatura e os combates que você vai encarar na aventura.
Você pode fazer basicamente o bicho da forma e jeito que achar melhor. O que torna as coisas interessantes e ninguém sabia é que isso afetará os status de forma constante, quais terá de equilibrar as coisas para que não deixe nada tão falho assim. Porém, a liberdade para fazer isso é impressionante e mostra que há um grande pé firmado nos RPGs. Vitalidade, Força, Velocidade entre outros afetam diretamente a sua aparência, tamanho e até mesmo no porte físico da criatura. Ou seja, a sua estética vai ditar diretamente todos os seus stats.
Caso você seja insistente e teimoso como uma porta de fazer o bicho com a forma que achar mais “bonita”, dá para melhorar depois a performance dele conforme aumenta de nível. Porém, vou ser sincero com vocês, Biomutant nesse quesito é bem punitivo e vai demorar bastante para ele ter um desempenho bom naquilo que você deixou brechas. A cada nível ganho, você poderá adicionar 10 pontos em cada atributo e nada te garante que você não precisará de força, defesa e vitalidade a mais para encarar os desafios que viriam pela frente.
Até mesmo os itens carregam consigo uma mecânica própria. Você pode equipar roupas por questão de gosto, mas seus atributos são importantíssimos para prosseguir. Dá para desmontá-las, equipar melhorias, pegar diferentes armas com golpes distintos entre seus estilos, realizar combos combinados com as várias habilidades que você ganha, são tantas opções que se você não definir o que gosta logo de cara pode vir a ter dificuldades mais para frente.
Confesso que não via uma gama tão ampla de opções há algum tempo como enxerguei em Biomutant. Creio ser completamente impossível ter exatamente dois jogadores com o mesmo set de stats, equipamentos, habilidades principais e armas que usa mais. A busca por mais opções que vai te impulsionar a se aventurar pelo seu enorme mundo e enfrentar as mais diversas aberrações existentes. Ao menos falo destes fatores através da experiência que tive, já que de resto eu não posso repassar a vocês com a mesma animação.
Vamos ser sinceros aqui, o título é lindo graficamente. Tem umas falhas aqui e ali, mas e daí? Estamos em pleno Séc.XXI e qual jogo lança sem falhas? Nada que uma atualização, que até já foi prometida, não resolva. É chato, mas estamos acostumados com esse tipo de coisas. Não devíamos, mas é como o mercado está. Considerando que a desenvolvedora não é um estúdio AAA, fizeram um excelente trabalho. Mas a performance dele fez meu PlayStation 4 dar uma chorada em alguns momentos.
Travamentos de alguns segundos, lentidão em cenários com muitos personagens em tela e a demora para carregar pode irritar a maioria dos jogadores. A Experiment 101 pode não ter uma verba gigantesca para ter ajustado isso tudo em Biomutant a tempo do lançamento, mas me falar que a THQ Nordic não tinha é chamar a mim de trouxa. Foi uma das produtoras que mais cresceu nos últimos anos e o game foi amplamente divulgado como um dos seus principais lançamentos para o ano. Não doeria ter investido mais para os jogadores não terem do que falar.
Preso em Biomutant
E queria eu dizer que essa é a única razão para você se frustrar. Por trás de um gameplay sólido e de um mundo aberto cheio de opções para você evoluir como personagem, há escolhas de direção que fogem completamente da proposta e cortam toda essa liberdade que você acredita ter durante a aventura. Ou seja, o que por um lado te deixa exercer a criatividade e ver uma criatura inédita em cada gameplay, por outro te bloqueia completamente essa evolução durante a jornada.
No início você pode escolher o caminho da bondade ou “aquele que é o bicho”, como dito no filme A Nova Onda do Imperador. Porém, se você segue o ruim, Biomutant fica jogando isso na sua cara a todo momento. Seja nos diálogos, quando todos dizem que você tem um potencial grande para ser bondoso e se encaminhar para a luz ou até nas habilidades, quais necessitam de pontos do bem para prosseguir em alguns pontos. Pessoal, eu costumo sempre escolher o caminho mais honrado, mas nesse em particular eu quis ser um vilão e eles simplesmente ficam me enchendo o saco toda hora com isso. Chega a ser horrível o próprio game não te deixar em paz por uma escolha que deixaram você fazer no começo. No passado, ainda no PS3, inFAMOUS fez isso de forma muito mais efetiva.
E não para por aí! Além do jogo tentar te empurrar a ser bondoso e salvar todo um ecossistema qual eu, como jogador, quero mais é que se exploda, este mundão aberto que está aí para ser desbravado é vazio. Você encontra um inimigo aqui e ali, raramente algum item por áreas específicas, mas não se empolgue tanto. Há algumas cidades e tribos que escondem algumas coisas valiosas, mas fora isso não há razão alguma para ficar caçando algum em locais mais afastados ou esperando por paredes secretas e algo do gênero.
Isso mesmo, ir até aquele canto do mapa sinistro, passar por um midboss que estava passando aleatoriamente por ali e quase perder o combate vai gerar recompensas ridículas, isso quando elas existirem. Odeio usar a Viagem Rápida nos games que desejo aproveitar, mas Biomutant nem essa vontade deu e abusei do recurso. Odiei ver um lado qual alimentaram um personagem de potencial espetacular, enquanto do outro te cortam completamente qualquer possibilidade de se afeiçoar a aquele mundo.
Nem mesmo a abordagem à la Greenpeace de proteção ao meio ambiente agrada muito, parecendo um grande documentário de como estamos acabando com o mundo que ninguém dá muita atenção. Já temos pleno conhecimento disso e os seres humanos, em sua maioria, escolheu não agir. Enquanto eu jogo, por exemplo, tem um monte de empresários queimando a Floresta Amazônica, navios jogando material poluente nos mares entre outros. Isso me preocupa, lógico, mas esse game não vai mudar a sua consciência de que algo precisa ser efetivamente realizado para mudarmos essa realidade.
Isso porque eu nem cheguei a citar o famigerado narrador, todas as criaturas desse universo não falarem a nossa língua e emitirem grunhidos bizarros entre outros. Em comparação ao Pokémon Sword e Shield, por exemplo, que nem isso tem, fico imaginando qual foi a pior decisão dos diretores. Eles seguiram escolhas muito tensas e afastará grande parte do público de acordo com o caminho que tomaram.
Em definitivo, Biomutant não é um jogo ruim. Ele funciona, apesar das falhas de performance e vai agradar muitos pela simplicidade de um RPG amplamente rico em detalhes. Para quem deseja um título para começar a se aventurar no gênero, essa é a escolha correta. Porém, quem realmente o comprou depois de jogar muitos deles e vendo o potencial dele sendo jogado pelo ralo se frustrará. Esteja ciente disso antes de mergulhar na jornada e, caso siga independente do que foi dito, vá sabendo que não será algo tão profundo.