A indústria dos games vem presenciado uma nova evolução no panorama dos beat ‘em ups clássicos, e Absolum representa o ápice dessa transformação que os jogos vêm sofrendo. Este título ambicioso, desenvolvido pela Guard Crush Games, DotEmu e com as magistrais animações da Supamonks, não é apenas mais um lançamento desse gênero, mas sim uma reinvenção completa que talvez consiga estabelecer um novo marco na história dos games de luta.
A genialidade de Absolum reside na sua capacidade de transcender as limitações históricas do gênero beat ‘em up através da implementação orgânica de elementos roguelite. Enquanto títulos clássicos como Final Fight, Streets of Rage e Golden Axe ofereciam experiências lineares com fator replay limitado, Absolum abraça a filosofia de morte permanente e geração procedural característica de jogos como Hades, Dead Cells e muitos outros, para criar o que a própria DotEmu denomina de rogue ‘em up.
Redefinindo os caminhos dos combos
Esta fusão não é meramente cosmética ou superficial, pois o sistema de progressão em Absolum reconhece que a essência dos roguelikes tradicionais, desde o pioneiro Rogue de 1980, sempre foi sobre aprendizado através da repetição e descoberta gradual de mecânicas complexas. Aplicado ao contexto de um beat ‘em up, isso significa que cada morte não representa uma frustração, mas uma oportunidade de refinamento estratégico e descoberta de novas combinações de habilidades, que combina perfeitamente com o plot da história.

O mundo de Talamh surge como um cenário complexo e maduro, distante das narrativas simplistas que tradicionalmente acompanham jogos beat ‘em up. A proposta central gira em torno de um cataclisma mágico que devastou a civilização, criando uma sociedade em que a magia tornou-se temida e perseguida pelo autoritário Rei Sol Azra. Esta premissa não apenas estabelece um contexto narrativo sólido, mas também justifica mecanicamente a diversidade de poderes e a progressão do jogador através dos elementos roguelite integrados ao gameplay.
Comparado a outros títulos do gênero roguelite, Absolum demonstra uma maturidade conceitual que poucos conseguiram alcançar. Enquanto Spelunky introduziu elementos de plataforma aos conceitos roguelike e Risk of Rain trouxe a perspectiva de tiro, Absolum é possivelmente o primeiro a genuinamente capturar a essência visceral do combate corpo a corpo em uma estrutura roguelite funcional. A diferença fundamental entre Absolum e tentativas anteriores de hibridização reside no respeito às mecânicas fundamentais de ambos os gêneros, sem sacrificar a identidade de nenhum deles.

O gameplay de Absolum apresenta uma complexidade estratégica que eleva significativamente o padrão estabelecido por Streets of Rage 4. Cada um dos quatro personagens jogáveis possui não apenas movimentos únicos, mas sistemas de combate genuinamente distintos que alteram a abordagem tática necessária para o sucesso. Galandra, com sua espada colossal e poderes necromânticos, oferece um estilo de combate de médio alcance com ênfase em controle de área, enquanto Karl, o último Anão de Talamh, compensa limitações de alcance com força bruta explosiva e táticas de curta distância.
Cider representa a criação mais interessante do quarteto de Absolum, com um personagem não-binário que combina elementos do estilo ninja com tecnologia fantástica através de seu braço protético, criando um estilo de combate no estilo hit and run, que desafia as mecânicas do rogue ‘em up. Brome, o feiticeiro Mowlai, carrega muitas inspirações em Chrono Trigger, com habilidades mágicas que oferecem o maior potencial de controle de campo entre todos os personagens.

Em Absolum, as mecânicas de combate foram pensadas para acompanhar a construção de mundo e narrativa conseguindo superar as limitações dos gêneros, apresentando um sistema de mana integrado que permite o uso estratégico de habilidades mágicas, enquanto o sistema de Arcana oferece momentos de respiro tático essenciais para o gerenciamento de múltiplos inimigos. Mais importante ainda, a implementação de contra-ataques mágicos e mecânicas de esquiva aprimoradas adiciona camadas de profundidade que transformam o combate de uma experiência reativa em uma dança estratégica complexa.
O fascínio da morte em Talamh
O sistema de controles em Absolum demonstra todo aprendizado acumulado pela DotEmu por conta do desenvolvimento de Streets of Rage 4. A simplificação da entrada de comandos, com foco em dois botões principais para ataques leves e pesados, complementados por esquiva, elimina as barreiras de entrada que frequentemente afastavam jogadores casuais dos beat ‘em ups tradicionais. Esta escolha dos desenvolvedores não representa uma diminuição da complexidade, mas sim uma redistribuição dela para elementos mais intuitivos e responsivos.

Absolum possui uma verdadeira inovação que reside na integração harmoniosa entre sistemas de progressão temporários e permanentes, afinal estamos falando de um roguelite. Os Rituais, que funcionam como modificadores temporários de habilidades, criam um sistema de construção de personagem dinâmico que rivaliza com os melhores roguelites do mercado. Simultaneamente, a Radiância coletada ao longo dos cenários ao derrotar os inimigos geram moedas para você melhorar os personagens, além dos Cristais, Fruta Imbuída e as Sementes Primordiais também servem para você comprar modificadores de atributos e habilidades.
O trabalho visual da Supamonks representa um dos pontos mais altos de Absolum. A estética inspirada nas histórias em quadrinhos francesas, com linhas definidas e coloração vibrante, cria uma identidade visual única que se distancia tanto dos pixel arts nostálgicos quanto das tentativas de realismo fotográfico que dominam o mercado atual. Cada frame de animação demonstra a expertise técnica e artística do estúdio francês, com transições fluidas entre movimentos que conferem peso e impacto a cada golpe desferido.

Toda direção de arte estabelece um equilíbrio sofisticado entre elementos de fantasia tradicional e um imenso domínio visual atual. Os ambientes de Talamh, desde as majestosas minas de Grandery até as florestas exuberantes de Jaroba, não são meramente cenários estáticos, mas participantes ativos na narrativa visual que contextualizam e amplificam a experiência de combate.
Visual a lá quadrinhos com trilha sonora de titãs
A trilha sonora de Absolum, coordenada por Gareth Coker e engrandecida pela participação de Yuka Kitamura, Mick Gordon e Motoi Sakuraba, transcende o papel de acompanhamento musical para se tornar um elemento integral da experiência de jogo. Coker, conhecido por seu trabalho em Ori e Halo Infinite, demonstra compreensão profunda das necessidades específicas do ritmo de combate, conseguindo sincronizar perfeitamente com o ritmo de batalha.

Esqueça a monotonia monotonia comum em trilhas sonoras de jogos de ação, pois a diversidade de estilos por conta dessas participação de compositores convidados consegue criar uma variedade sonora riquíssima. Buscando pela trila, a faixa “The Underking”, de Mick Gordon, carrega a intensidade brutal do compositor de Doom Eternal, enquanto as contribuições de Yuka Kitamura trazem a complexidade melódica de Elden Ring, criando contrastes que enriquecem a experiência sem comprometer a proposta temática da DotEmu.
Apesar de suas qualidades evidentes, Absolum não está isento de limitações que merecem consideração crítica. A estrutura roguelite, por mais bem implementada que seja, pode eventualmente revelar padrões repetitivos que diminuem a sensação de descoberta após sessões extensas de jogo. A aleatoriedade controlada dos caminhos ramificados, embora evite a previsibilidade total, pode não oferecer variação suficiente para manter o interesse de jogadores mais dedicados a longo prazo, dentro das quase 10 horas de jogo para um primeiro (e suado) final.

Mesmo eu sendo um fã do gênero, sofredor de várias runs desastrosas, cabe ressaltar que o sistema de dificuldade, calibrado inicialmente no modo Hard conforme declarado pelos desenvolvedores, pode representar uma barreira significativa para jogadores menos experientes. A ausência de opções mais acessíveis pode limitar o alcance de Absolum, especialmente considerando que parte do público-alvo inclui jogadores que podem ser pegos pelo fator nostalgia ou pelo estilo artístico, sem possuir a destreza necessária para enfrentar muitos dos desafios.
Fantasia em estilo arcade com alma moderna
Por fim, Absolum representa mais do que uma evolução para o gênero beat ‘em up, constituindo uma reinvenção fundamental que estabelece novas possibilidades para o futuro dos jogos de combate lateral. A maestria técnica da Guard Crush Games, combinada com a excelência artística da Supamonks e a coordenação editorial experiente da DotEmu, resultam em uma obra que honra a tradição do gênero enquanto abre portas criativas para o futuro.

Este é um título que não apenas satisfará os veteranos dos arcades dos anos 90, mas também conquistará uma nova geração de jogadores através de sua abordagem moderna e fora da caixinha. Absolum prova que inovação e tradição podem coexistir harmoniosamente, criando experiências que são simultaneamente familiares e revolucionárias, representando uma fusão essencial que pode definir novos padrões para o beat ‘em up e roguelike.
Prós:
🔺Combinação inovadora dos gêneros roguelite e beat ‘em up
🔺Combate fluido e dinâmico com variedade estratégica
🔺Personagens com mecânicas diferenciadas
🔺Arte e animações são maravilhosas
🔺Trilha sonora de primeira qualidade
🔺Sistema de progressão viciante e acessível
🔺Modo cooperativo local e online
🔺Alto fator replay
Contras:
🔻O mapa pode limitar a sensação de aleatoriedade
🔻Curva de dificuldade no início pode frustrar muito
Ficha Técnica:
Lançamento: 09/10
Desenvolvedora: Dotemu, Guard Crush Games, Supamonks
Distribuidora: DotEmu
Plataformas: PC, PS5, Xbox Series, Switch 2
Testado no: PS5


