“Amar é suspirar, sem perceber, respirar o ar que é você, acordar sorrindo e ter o dia todo pra te ver”. Com a sacarina de um Roupa Nova ou a elegância de um Camões, o amor é um sentimento que parece lutar para ser representando nos jogos eletrônicos.
A Fold Apart acerta ao apresentar mecânicas inovadoras e uma atmosfera colorida com visual deslumbrante, mas as boas ideias não conseguem sustentar uma história rasa que termina como uma visão miguxa de um relacionamento amoroso.
As luzes da cidade acesa, clareando as fotos sobre a mesa
A proposta do jogo da Lightning Rod Games é envolver o jogador com puzzles enquanto pincela uma história por cima. O enredo é como o papel de bala, exceto que esse você joga fora, mas ele volta voando no seu rosto, de novo e de novo, como seus criadores tentassem esfregar o valor da embalagem.
Rabugento demais? Vamos tentar de novo. A Fold Apart é um jogo de puzzle que conta uma pura e bela história de amor sobre um casal separado pelas circunstâncias, mas cuja chama da paixão não diminui pela distância. A metáfora aqui é uma dobradura, que pode aproximar o que está longe quando você menos imagina, saca?
Uma mesma premissa, contada de diferentes maneiras, se parece com títulos diferentes. Infelizmente, A Fold Apart está mais próximo da primeira descrição do que da segunda. Acompanhamos aqui um casal (que pode ser de diferentes formatos, talvez a única decisão sensata de roteiro) que construiu um relacionamento mas precisa lidar com uma separação temporária: por motivos de carreira, um de seus integrantes irá trabalhar no exterior por um período e o contato deles deverá acontecer agora através das mais melosas mensagens de texto possíveis. A partir das mensagens trocadas, inseguranças brotam de lugar algum e nossos protagonistas são confrontados com uma pequena dose de drama que claramente não devia existir. Vergonha alheia define.
O uso deslumbrante das cores distingue bem essa separação, com tons diferentes para as desventuras de cada metade desse par. É impossível não sentir simpatia por esses personagens, por mais que seus pensamentos pareçam tão pueris. É perceptível também que os desenvolvedores se deram ao trabalho de tentar distinguir suas personalidades: um(a) é mais passional, representado(a) com cores quentes e formas arredondadas, enquanto o(a) outro(a) é mais racional, representado(a) com tons frios e formas retas. É uma preocupação que não se reflete em quase nada nos diálogos.
Longe dos olhos, mas perto do coração
Felizmente, depois de duas ou três frases de sofrência, somos sempre apresentados a um puzzle que aproveita muito bem as particularidades do cenário. Em A Fold Apart, o universo é disposto como folhas, em referência às fotografias físicas do casal ou às plantas arquitetônicas nas quais trabalha aquele (ou aquela) que foi trampar no exterior. Como folhas, o cenário pode ser dobrado em um espaço tridimensional. Fazendo as dobraduras corretas, podemos posicionar o personagem que controlamos na direção desejada.
É um efeito deveras interessante que remete aos mundos multifacetados de Fez, mas desta vez com apenas dois lados. Ao girar a folha, recebemos o barulho da folha e há uma certa sensação tátil ao arrastarmos o mouse pelos cantos para fazer as dobras. Mecanicamente, é bem executado.
Em termos de lógica, entretanto, os puzzles deixam a desejar. É necessário pensar em planos diferentes, executar diversas etapas, o que torna alguns deles enervantes. Por outro lado, outros são tão simples que causam bocejo. Há poucos elementos para se manipular e tentativa e erro pode ser uma boa abordagem na maior parte dos casos. O resultado final é irregular e cansativo.
Para piorar, em termos de metáfora, na hora de se encaixar com a trama proposta, os puzzles não dizem muito bem a que vieram. Por que somos obrigados a ir na direção de uma estrela como se fosse um jogo do Mario ou do Sonic? Em alguns pontos, obstáculos arbitrários são colocados no caminho, que atacam nosso personagem e empurram para trás, mas esses “inimigos” são o quê mesmo? Caixas de correio nervosas? Aparelhos de TV irritados? Não fica claro o que deveriam representar.
A Fold Apart traz uma trilha sonora que se encaixa incrivelmente na proposta, misturando melancolia e afeto muito melhor que a própria história. Funciona muito bem no trailer. Lamentavelmente, é a mesma música (ou variações imperceptíveis) repetida exaustivamente ao longo da jornada, o que ajuda o entornar esse caldo de glicose que a Lightning Rod Games entregou em forma de jogo.
Para azedar de vez, A Fold Apart apresenta alguns bugs inesperados. Pode ser uma variável aparecendo no meio do texto, em forma de código mesmo, ou um travamento inesperado que te devolve não para o inicio do puzzle, mas para o menu principal. Não poder jogar os capítulos individualmente também é um detalhe que faz falta.
Lamentavelmente, ainda não foi dessa vez que a plenitude dos relacionamentos foi corretamente capturada por um jogo de puzzle que experimentei. Entre a filosofia quase derrotista de Solo, colada por cima da jogabilidade com fita adesiva, e o romance tatibitate de A Fold Apart, também anexado por cima da jogabilidade sem muita liga, há um oceano de possibilidades a serem exploradas e eu continuarei no aguardo.