Não importam seus esforços. O planeta pertence aos mortos-vivos e eles irão triunfar no final. Porque os vivos são apenas um punhado. E eles são bilhões. A Numantian Games consegue com esse jogo em Acesso Antecipado uma proeza que muitos julgariam possível: injetar um novo viés no vetusto gênero dos jogos de estratégia e, ultraje definitivo, utilizando zumbis, um dos clichês mais exauridos da indústria.
Isso é possível a partir de um motor gráfico sofisticado que faz pelos jogos de estratégia o que o filme “Guerra Mundial Z” faz pelos zumbis: coloca uma legião inacreditavelmente imensa em cena. Em They Are Billions, seu objetivo não é conquistar outras nações, mas sobreviver a uma horda que parece infindável e marcha inexoravelmente para a destruição de sua colônia.
Os vivos serão devorados
Se você espera um jogo de estratégia convencional, onde você coleta recursos, pesquisa tecnologia, monta seu exército e pulveriza seu adversário, você estará certo em todas as suas expectativas, exceto na última. É impossível vencer um inimigo que não constrói bases, não depende de recursos e conta com um número ilimitado de tropas, cada vez maiores. Sobrevivência, não triunfo, é sua meta: será possível construir em apenas 100 dias um sistema de defesa capaz de suportar o ataque final?
Com a possibilidade de pausar a ação a qualquer momento para determinar ordens e programar construções, They Are Billions sabe que aquilo que te pede é sobre-humano. O seu oponente é diferente das forças convencionais de outros jogos de estratégia, atacando em massa em um ponto.
Basta um único zumbi atacar um de seus prédios para, em questão de segundos, infectar todos os seus ocupantes. Um zumbi então se torna quatro, que partem para o prédio seguinte e o seguinte e o seguinte… Em menos de um minuto, sua colônia inteira se transformará em um tsunami de criaturas que deixaria Brad Pitt apavorado.
Então, a força da sua colônia será a força do seu ponto mais fraco. Uma falha em suas defesas e tudo será transformado em cinzas e carne putrefata. They Are Billions completa sua crueldade com permadeath: se sua colônia for perdida, o arquivo de salvamento é apagado.
Monóculos, máquinas a vapor e zumbis
A Numantian Games nos apresenta um pós-apocalipse steampunk, uma combinação de conceitos que não se costuma encontrar lado a lado. Aqui toda a tecnologia que conhecemos pereceu com a civilização humana e os sobreviventes reconstroem sua última colônia com versões a vapor ou retrô do passado.
Você ergue muros de madeira e dispara flechas, a princípio. Mas vai evoluindo para muralhas de pedra, torres de metralhadora automáticas, armadilhas elétricas e até mecas com lança-chamas. Quando você acha que está protegido atrás de suas defesas, They Are Billions ri de sua cara e lança um mar de monstros naquele ponto onde você achou que eles não viriam e acreditou que estava seguro.
Até mesmo a coleta de recursos se torna uma corrida contra o tempo, sabendo que quanto mais avançam os dias, maior será a próxima horda. Para erguer aquela metralhadora automática, é necessário mais energia elétrica. Para se construir outro gerador, é necessário mais mão de obra. Para se obter mais trabalhadores, você precisa levantar mais casas. E onde construir mais casas, se a colônia dentro das muralhas já está com pouco espaço? Expandindo seu território, expondo sua segurança, mobilizando suas tropas para território desconhecido. E para proteger essa expansão, você precisa da metralhadora automática, reiniciando o ciclo.
No final, tudo não passava de um ensaio. Cada sofrimento, cada muralha dupla, cada franco-atirador estrategicamente posicionado, cada decisão tomada, serão colocados à prova contra a batalha final, quando as maiores de todas as hordas atacam simultaneamente por todas as direções possíveis, se lançando contra suas defesas, buscando uma brecha, uma chance de entrar na colônia e iniciar uma reação em cadeia que não pode ser interrompida.
Extermínio
Para um título em Acesso Antecipado, They Are Billions certamente surpreende pelo polimento. Bugs são raros e o motor gráfico roda macio mesmo em uma máquina no limite dos requisitos mínimos, mesmo com legiões na tela. Os gráficos são detalhados e percebe-se o esmero da desenvolvedora.
A trilha sonora é um espetáculo à parte e confere a dramaticidade necessária para um título onde o desespero dita o tom. A música que antecede a chegada de uma horda angustia e me persegue em pesadelos.
Porém o jogo pode ser frustrante para muitos. O nível de dificuldade médio é o caminho certo para a derrota rápida e minha recomendação é reduzir a densidade de zumbis e/ou aumentar o número de dias até a o confronto final, para entender como funcionam suas mecânicas, uma vez que o título também não traz qualquer tutorial.
Então prepare-se para morrer, para ver horas de esforço serem varridas do mapa em poucos segundos. Infelizmente, vencer na dificuldade média é obrigatório para desbloquear outros tipos de mapas aleatórios. Embora não haja tanta variação visual assim, uma parcela significativa dos jogadores não irá sair tão cedo do mapa inicial. A Numantian Games teria sido mais sábia se não tivesse bloqueado os mapas seguintes atrás dessa barreira brutal. Felizmente, o mapa é gerado randomicamente, então esse confinamento é menos pesado.
Por estar em Acesso Antecipado, They Are Billions também carece de uma campanha. Foi uma decisão da desenvolvedora, que prometeu oferecer uma história ainda em 2018. Da minha parte, sou fã do modo Survival e raramente curto campanhas em jogos de estratégia, mas outros jogadores podem sentir falta de uma experiência mais conduzida e menos caótica, até por que o universo e suas mecânicas cativam.
Quando as sirenes tocarem, respire fundo e se prepare para a luta mais desesperada em muitos, muitos jogos. A mensagem é real: eles são bilhões.