Por fora, é uma lata velha, combinando peças diferentes que teoricamente não deveriam ser conectadas. Temos aqui um pouco de sobrevivência, temos ali um bocado de S.T.A.L.K.E.R., temos acolá um sistema de gerenciamento de veículo, uma pitada de direção perigosa, uma história com toques de humor, sem perder o mistério. Na teoria, Pacific Drive não deveria funcionar. Não deveria nem ligar. É um calhambeque de ideias. Mas seu motor… o ronco arrepia.
O fato é que a desenvolvedora Ironwood Studios faz sua estreia com um trabalho excepcional que levou quatro anos para ver a luz do dia. É um título ousado, jamais tentado, uma injeção de óxido nitroso no motor de combustão dos títulos de sobrevivência. Desta vez, não precisamos tomar cuidado com nossa saúde, nossa fome, sede ou cansaço, mas precisamos tomar conta de um carro. O veículo é nossa referência e nossa maldição em um território onde as leis da Física foram quebradas.
Bem vindo à Zona
No universo de Pacific Drive, cientistas brincaram com o que não deviam na remota região de Olympic, uma paisagem que seria bucólica em condições normais. O resultado desses experimentos foi a completa evacuação do lugar diante do surgimento de fenômenos inexplicáveis. A versão de prévia do jogo contém só a pontinha desse iceberg, mas já é possível perceber que estruturas e objetos antes inanimados agora estão conscientes e se comportando de formas inesperadas. Nada é o que parece ser. Por motivos ainda não inexplicados, controlamos um explorador que se aventurou na Zona de Exclusão e, por muito pouco, não foi aniquilado nas primeiras horas.
Correndo para se salvar, ele encontra um novo veículo. É o tipo de carro que a polícia mandaria rebocar se visse na estrada. É um milagre que ainda rode. Faltam várias partes, os pneus estão em petição de miséria, seria um risco para o trânsito, se ainda houvesse trânsito. Infelizmente, o carro é a única opção do jogador. Mais infelizmente ainda, o carro é uma entidade. E agora o destino do jogador e o do veículo estão entrelaçados e estão empurrando para o interior da Zona.
Se a premissa em si já é instigante, Pacific Drive ainda empilha mecânica em cima de mecânica nas primeiras horas. Parece sufocante, mas logo se torna um hábito: realizar a manutenção do veículo, mantê-lo inteiro e buscar melhorias para sua performance. Tudo é improvisado com fita adesiva, massa sintética e parafusos. O carro é um monstro de Frankenstein sobre rodas, construído com peças e pedaços desmontados de outros carros abandonados e enferrujados da estrada. Porém, essa é a parte relaxante da experiência: se preparar para a próxima viagem, como um pai de família fazendo a checagem de tudo antes de colocar o pé na rodovia.
É em movimento que Pacific Drive reserva seus melhores momentos. O título não é um mundo aberto, mas um conjunto de instâncias. Uma vez que a própria realidade é fluida na Zona, o layout da estrada nunca é o mesmo, ainda que você retorne a um lugar já visitado. Construções e perigos mudam de lugar, assim como os itens que você pode encontrar ao vasculhar armários e construções abandonadas. Não chega a ser um roguelike, uma vez que existem missões de História com mapas fixos e morrer não é recomendado.
Ao contrário do que se poderia imaginar, o jogo exige que o motorista saia do conforto do seu assento e explore determinados lugares a pé, se aproximando um pouco mais do arroz com feijão dos jogos de sobrevivência.
Cada saída de uma instância é uma corrida desesperada. Uma vez que o portal de saída é acionado, a região começa a entrar em colapso. A adrenalina vai no pico, tentando manter o controle de um carro velho muitas vezes no meio do mato, sem asfalto e com árvores e arbustos no caminho. Visto que é possível morrer em Pacific Drive, então os riscos são reais.
Pacific Drive convida a abrir o vidro do carro
Visualmente, Pacific Drive é um espetáculo. Os fenômenos inexplicados pulsam e vibram com luzes radiantes e o efeito da chuva no asfalto deslumbra. Entretanto, essa riqueza de detalhe e esses gráficos exigiram bastante da GPU, que chegou a atingir 80ºC. Ainda não estou certo se o PC está tão mal refrigerado assim, se é um efeito do aquecimento global ou se houve uma falha na otimização. Deve ser o preço de não acontecer nenhuma queda de frame ou bug visual durante minhas quase seis horas de jogabilidade.
Para minha surpresa, Pacific Drive ainda apresentou uma trilha sonora caprichada. São músicas que seriam mais adequadas para um passeio ameno por um parque florestal, mas é justamente nesse contraste que o jogo se destaca. Por mais perturbadores que sejam vários eventos, há algo de calmaria na Zona de Exclusão.
Curiosamente, a mesma rádio que transmite música também transmite entrevistas e recados de outras pessoas aprisionadas na região. São relatos que oscilam entre o trágico, o poético e o assustador. Há muito contexto pelos cantos do jogo, transmitido pelo rádio ou presente em registros encontrados e disponíveis na interface. Cada detalhe, cada anomalia, cada peça de carro vem acompanhada de uma descrição, de uma anedota.
Pacific Drive parece ser um título que precisa ser apreciado sem pressa de se chegar a algum lugar. Como toda boa viagem deveria ser.