Skip to main content

Praticamente todo gamer que se preza já viu um speedrun. Speedruns são vídeos que mostram uma partida em que o jogador chega ao final de um certo game da maneira mais rápida possível, sob certas premissas – com o menor número de itens possível, com 100% dos itens, simplesmente chegar mais rápido do jeito que der…

Normalmente, ao ver o que os melhores speedrunners fazem, a nossa atitude é de incredulidade. No entanto, caso o vídeo venha de uma das maiores comunidades (a Speed Demos Archive ou a TASVideos), é absolutamente garantido que o vídeo é autêntico, já que o autor deve explicar e justificar todos seus movimentos e atos para o vídeo ser aceito. Nenhum tipo de modificador do jogo (ou seja, nenhum Action Replay da vida) pode ser usado. Podem ser usados apenas e tão somente os glitchs que o jogo possua em seu código.

É fascinante ver o planejamento que existe nesses vídeos e o aproveitamento dos glitches. Uma das melhores maneiras para entender o que os speedrunners fazem é pensar nos jogos “estilo Metroid”: a filosofia desses jogos é que você pode acessar todo o mapa, mas as portas para áreas novas apenas são abertas se você conseguir os itens necessários. Com isso, você começa tendo acesso apenas à área 1, onde você pode pegar a bomba; com a bomba, você pode acessar a área 2, onde você pode pegar o raio de gelo, e por aí vai. Com os glitches descobertos pela comunidade, os speedrunners conseguem quebrar essa sequência e acessar a área 2 sem ter a bomba, o que efetivamente faz com que eles pulem um nível inteiro e ganhem vários minutos.

Outro exemplo famoso é o “rocket jump” de Quake. Os speedrunners descobriram que o motor do jogo tem um glitch que deixa o personagem “mais leve” quando sofre dano. Então a dedução é óbvia: se eu pular e jogar um foguete no chão, eu vou ter o impulso do pulo MAIS o impulso da explosão do foguete, tudo multiplicado pela “redução de peso” do personagem – o que é igual a um pulo longuíssimo. Isso possibilita algumas quebras de sequência impressionantes, fazendo com que o jogador possa pular muros altíssimos, evitando uma área inteira, ou mesmo que ele atravesse um rio de lava sem ter que ativar a ponte correspondente.

Como deu pra perceber, um speedrun normalmente se baseia nos bugs do jogo, que são aproveitados das maneiras mais loucas possíveis na tentativa de ganhar alguns frames. No entanto, existem duas filosofias muito distintas sobre como esses glitches podem ser acessados. A Speed Demos Archive defende o speedrun “clássico”, por chamar de alguma forma. Os jogadores devem jogar na plataforma real – ou seja, no console. Até são permitidos vídeos editados e feitos por equipes (ou seja, o jogador 1 faz a primeira fase, o jogador 2 faz a segunda), desde que se mantenha a continuidade.

Já a TASVideos tem os TAS – tool-assisted speedruns, ou seja, speedruns auxiliados por ferramentas. Por ferramentas, normalmente entende-se emuladores, apesar que outras ferramentas especiais podem ser utilizadas. A diferença principal, neste caso, é que o uso de emuladores permite coisas como slow-motion ou entrada de comandos por scripts automatizados, o que permite o acesso a glitches que não seriam possíveis simplesmente com um controle normal manejado por um humano.
Existem alguns exemplos que podem esclarecer melhor essa diferença:

Super Mario 64

No vídeo do SDA, o melhor tempo para esse jogo para um speedrun “any%” (chegar da maneira mais rápida, sem se importar com o número de itens obtidos) é de 17:31, aproveitando o glitch do “pulo longo para trás”, que faz com que o Mario saia disparado pela fase, atravessando paredes – e fazendo com que seja possível terminar o jogo com apenas 16 estrelas (normalmente, seria possível fazê-lo apenas com 70). No entanto, o vídeo do TASVideos termina o jogo em 05:29, sem pegar nenhuma estrela. O vídeo foi feito com Mupen64 em slowdown, para possibilitar os pulos mais bizarros.

The Legend of Zelda: A Link To The Past

O vídeo do SDA tem 1:29:48, utilizando muitos “damage boosts” para criar quebras de sequência – possibilitando, por exemplo, acessar o chefe do dungeon do gelo sem pegar a chave. Já o vídeo do TAS tem absolutamente inacreditáveis 03:45. Sim, três minutos e quarenta e cinco segundos! Ele se aproveita de um glitch bizarro chamado “pixelporting”, onde, ao apertar ao mesmo tempo esquerda, direita e acima, Link “desaparece” e é possível navegar pelas salas na memória do jogo até chegar na sala onde está a Triforce. Obviamente, é impossível fazer esse tipo de coisa num SNES.

King’s Bounty

Esse é um jogo de estratégia/RPG lançado originalmente para computadores, mas a versão com TAS é a de Mega Drive. O vídeo tem um total de 09:93 – segundos. No entanto, o tempo de gameplay real é de menos de três décimos de segundo. Um total de 17 comandos de entrada foram inseridos por script neste intervalo de tempo para “manipular a sorte” – em outras palavras, aproveitar os resultados pseudo-randômicos do programa para obter as respostas desejadas.

Existem outros vídeos impressionantes no TASVideos, por exemplo as execuções simultâneas de Megaman X e X2 COM O MESMO INPUT DE COMANDO. É muito interessante para mostrar como os dois jogos seguem a mesma estrutura. Veja os vídeos aqui.

Além disso, existem algumas páginas no TASVideos que listam técnicas genéricas e outras para jogos específicos. Todas essas técnicas mencionadas aqui têm explicações detalhadas. Aliás, existem outras muito interessantes:

– Em Megaman, a pausa interrompe o avanço dos projéteis, mas não a contagem do tempo de invulnerabilidade dos chefes de fase ao receber dano. Assim, se o jogo for pausado rapidamente no momento em que um projétil acerta o chefe, e despausado e pausado rapidamente depois do fim desse tempo de invulnerabilidade, o chefe sofrerá o dano novamente. Isso permite a multiplicação do dano.

– Em Megaman 2, a pausa zera o valor da aceleração vertical. Isso reduz a velocidade de queda e permite pulos muito compridos pausando e despausando rapidamente o jogo.

– Em Super Mario Bros., existem alguns locais onde é possível colocar o Mario dentro de um muro por uns frames com certas condições. Isso gera um apoio para um novo pulo.

– Em Megaman 1 e 2 (novamente), também é possível sob certas condições colocar o Megaman dentro de um muro, mas isso faz com que ele seja “ejetado horizontalmente” e o jogo deixa de verificar colisões, o que efetivamente joga o personagem para o extremo da tela, atravessando muros e inimigos.

Claro, isso não significa que os vídeos do SDA não sejam impressionantes. Mas os TAS devem ser respeitados também. Os dois tipos de performances se baseiam tanto na habilidade do jogador como na sua capacidade de planejamento, já que é necessário saber de antemão o que deve ser feito a cada momento. Os TAS adicionam a isso uma pitada de engenharia e hacking. Tem que respeitar esse pessoal, que faz esses vídeos para que todo mundo possa desfrutar de uma partida bem jogada.