Eu sou gay, tenho 35 anos de idade e só tive A CONVERSA com meus pais há dois anos atrás, quando resolvi juntar as escovas de dente com meu namorado para morarmos juntos. Eu sempre fui daqueles gays brancos cisgênero privilegiados que acreditavam que levantar bandeira era bobagem e que a palavra gay não me definia, apenas me encurralava dentro de um estereótipo. Eu estava errado. Muito errado.
Saindo do armário cult
Há 20 anos atrás, quando eu estava no ápice do meu dilema, representatividade e inclusão não eram as palavras da vez. Personagens gays em filmes e séries eram escassos, Pabllo Vittar não tocava nas rádios e coleguinhas gays na escola serviam de tapete pro bullying – palavra que inclusive nem existia na época. Muita coisa mudou de lá pra cá e hoje vemos uma maior exposição ao tema nas grandes mídias de entretenimento. No entanto, os videogames ainda estão engatinhando nesse sentido.
Como aconteceu no cinema e na TV no passado, o mundo gay só era representado plena e competentemente em obras de nicho. Jogos como Life is Strange ou Gone Home conseguem abordar o tema de forma madura e consciente, mas estas também são obras de nicho nas quais o alcance do debate nasce e morre em apenas uma das pontas do espectro, pois se trata de uma galera que já está acostumada a trombar com o tema nas variadas obras que consomem. Precisamos tirar a palavra ‘gay’ de fora do armário dos jogos cult – a palavra ‘lésbica’, ainda mais. E é justamente aí que o último trailer de The Last of Us: Part II, apresentado durante a E3 2018, entra pra virar o jogo… Literalmente.
Uma palavra vale mais do que mil imagens
O trailer em questão mostra Ellie, personagem principal do novo jogo, beijando uma outra mulher para logo na sequência demonstrar um gameplay extremamente visceral. A Naughty Dog já havia inclusive abordado de maneira branda esta questão da sexualidade de Ellie em The Last of Us: Left Behind, DLC do primeiro jogo da série. Então, de certa forma, não foi uma surpresa para os fãs da franquia o tal beijo no trailer. Acontece que, na época do DLC a Naughty Dog e Bruce Straley, então diretor do jogo, usaram um discurso um tanto decepcionante para lidar com a já esperada revolta conservadora. Em entrevista ao Gamespot, Straley afirma que esta característica da personagem é de fato irrelevante e que “é tipo ‘Quem se importa?’ Uma boa personagem é uma boa personagem e foi isso que procurávamos”.
Voltando para o presente, durante os debates que se desenvolveram sobre o trailer do novo jogo apresentado na E3 2018, as vozes que saíram em apoio ao conteúdo do vídeo também não foram muito além do comum discurso “Last of Us acontece no mundo real e no mundo real existem gays, não é nada demais”. Só que é algo demais, sim. Muito demais! Umas das empresas mais prestigiadas da indústria atualmente, dona de um dos jogos mais aguardados desta geração, abriu o primeiro trailer de gameplay do jogo com um beijaço lésbico entre sua protagonista e outra garota. É hexa, porra!
Estamos falando aqui de um jogo blockbuster, cujo público alvo é o jogador médio que talvez esteja tendo a primeira oportunidade de se relacionar com o tema. Talvez Ellie seja a primeira “pessoa gay” que eles estejam conhecendo de forma mais aprofundada na vida, afinal eles estarão na pele daquela personagem durante horas de jogatina. A Naughty Dog e a Sony fariam um nobre ato ao assumir que sim, estão trazendo a palavra gay para o palco principal dos games e que isso é algo importante.
Gay, Gayzíssima, Gayzérrima!
É de responsabilidade de quem tem o privilégio de poder assumir a palavra gay para si, usá-la da maneira mais clara possível. Tenho certeza que as pessoas próximas a mim hoje não irão reproduzir preconceitos ou tolerar preconceito pelo simples fato de que a homossexualidade não é só uma ideia vazia sem relação alguma com a realidade em que vivem.
A nossa perspectiva muda quando temos um amigo gay que nos ajuda e conforta. Quando vemos um filho feliz ao lado do seu namorado. Quando aquela professora que admiramos tanto leva sua esposa para a quermesse da escola. Ou quando a nossa personagem favorita do nosso jogo favorito é gay e luta pelos seus ideais com unhas, dentes, facas e flechas.
Ellie é mulher, é lésbica e é foda!