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Nos últimos dias, participei de uma discussão em um fórum com um amigo. Ele tinha um Wii, um DS e um Xbox 360. Depois que o 360 dele teve as famosas luzes vermelhas, ele meio que surtou e resolveu vender tudo e comprar um PS3 (e chegou a perguntar sobre o meu PSP, que eu tinha colocado à venda, mas depois desisti).

A gente começou a brincar que ele tinha virado a versão bizarra dele mesmo, então ele veio falando que o Xbox 360, apesar da qualidade dos jogos e da Live, tem um hardware malfeito e que a Microsoft fez os usuários de palhaços, e que “o Wii não tem jogo bom”. O de sempre…

No caso do Xbox 360, realmente não tem muito como discordar. No entanto, perguntei pra ele como diabos o Wii não tem jogo bom. Ele me respondeu que o Wii não tem “jogos de temática adulta” (sic). Quando eu perguntei o que era exatamente isso, ele deu como exemplo “O JOGO dessa geração” (outro sic): Grand Theft Auto IV.

Não vou entrar na camisa de onze varas que é discutir sobre a suposta falta de jogos bons para o Wii. Mas eu realmente fiquei encafifado com a definição de “jogos de temática adulta”. Tudo bem, o Wii não tem tanto jogo de classificação etária alta, mas dar como exemplo de jogo adulto GTA IV foi algo que realmente me deixou com a impressão que ele não tinha a menor idéia do que estava falando.

Claro, pode ser coisa minha. Afinal de contas, estamos falando de um videogame onde você joga como um criminoso, matando, roubando carros e outras coisas, tanto que o jogo tem uma classificação “M” (Mature Only) nos EUA e “18” na Europa. Mas acho que a definição “jogos para adultos” é algo muito diferente de “jogos adultos”.

Pode parecer apenas uma questão semântica, mas não é. “Para adultos” significa que tem cenas ou falas sobre temas de tabu (violência, sexo, drogas). Já “adulto” significa algo com discernimento e inteligência, capaz de discutir temas complicados e relevantes. Em outras palavras: um filme pornô é “para adultos”, apesar de ter um argumento que muitas vezes se resume a “entregador leva pizza a casa de gostosa ninfomaníaca”. Agora, para algo ser “adulto”, tem de ser inteligente.

Ah, mas crianças e adolescentes não são inteligentes? Claro que são. Mas eles não têm experiência suficiente para aportar algo significativo em temas como ecologia, problemas psicológicos ou a diferença entre o mundo infantil e o adulto. A obra bem feita usa as famosas “camadas” para, ao mesmo tempo, divertir as crianças e fazer os adultos pensarem – como a Pixar costuma fazer com maestria no cinema. E GTA não tem nada isso. Sim, você faz o papel de um criminoso, mata, sai com prostitutas. Mas não existe nenhuma discussão sobre o que você faz. Você é o que é, um personagem clichê com a profundidade de um pires, cercado por outros clichês como pires. Alguém que diz que GTA é “adulto” é a mesma pessoa que diz que O Poderoso Chefão é adulto porque tem mafiosos e violência, não porque trata de temas como família, honra e responsabilidade.

God of War é outro jogo “adulto” que não é. Sangueira e minigame de sexo não fazem um jogo adulto. Apesar de que a parte perto do final onde você precisa defender sua família contra os Kratos negros é um lampejo genial do que o jogo poderia ser.

“Ah, colunista chato pra c$&*@&%! Então que jogos são adultos pra você?” Bem, posso dar três exemplos:

Prova A: Manhunt. Sim, tem violência. Mas não gratuita. Existe um background sobre o por quê dessa violência, como o fato de você estar sendo filmado por um voyeur. Não joguei muito, mas nota-se que Manhunt tem mais relevância do que GTA – o problema é que toda a ultra-violência do título acaba ocultando isso.

Prova B: The Legend of Zelda: Ocarina of Time. Escrevo isso e começo a ouvir as gargalhadas… Se o fato de você viajar no tempo na tentativa de salvar um mundo que você, na prática, já falhou em salvar, não faz você levantar uma sobrancelha, pense no seguinte: ao terminar o jogo, termina o seu desafio – mas começa seu sofrimento. Você é um adulto preso no corpo de uma criança, alguém que viu como várias pessoas boas, inclusive conhecidos seus, sofriam ou se tornavam pessoas más por culpa das circunstâncias. Você pode voltar para sua aldeia, mas… Como você vai voltar se por dentro não é mais a pessoa que saiu de lá?

Além disso, temos pequenos detalhes durante o jogo que passam inadvertidos por absolutamente todo mundo. Por exemplo: ao entrar numa das casas, pouco depois de ser “apresentado” à Hyrule dominada por Ganondorf, você fala com um senhor que diz a seguinte frase: “Você é um homem bonito. Se eu fosse bonito assim, teria outro tipo de negócio, hehehe…”

Prova C: Psychonauts. Talvez o jogo mais subestimado da geração passada. Ao gamer mais ingênuo e/ou burro, parece um jogo infantil: personagens cartunizados, ambientado em um acampamento de verão para garotos com poderes psíquicos (tema mais infantil, impossível), e pra completar as fases nas mentes das pessoas são plataformas. Até que você descobre que aquele perturbado veterano do Vietnã não é atormentado por causa de suas lembranças de guerra. Na verdade, ele nunca esteve no Vietnã. Ele é atormentado porque se alistou e foi recusado pelo Exército.

Ou quando você entra no frio agente de segurança e acha uns slides que mostram que ele perdeu a mãe quando criança e, por conta disso, seu pai acabou se distanciando dele, o que causa o distanciamento emocional que ele tem com outras pessoas. Ou então quando você encontra na mente cheia de cores e flores da professora hippie uma porta com recomendações para que você não entre. Ao cruzar essa porta, você encontra uma sala de aula em chamas, com fantasmas de crianças chorando, gritando e perguntando para a professora por que ela não as salvou do incêndio.

Esses são exemplos de jogos adultos: jogos que apresentam e tratam com inteligência temas espinhosos, ou que demonstram um sub-texto complexo que você pode até não captar à primeira vista, mas que deixa o jogo mais satisfatório e pessoal. Não simplesmente sangue, sexo e buzinar para chamar prostitutas.