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[miptheme_alert type=”warning” close=”false”]Atenção! Esta coluna reflete apenas a opinião do autor e não necessariamente a dos outros membros do Gamerview.[/miptheme_alert]

Em sua conferência na E3 deste ano a Microsoft divulgou o trailer de um jogo maravilindo chamado The Last Night. O jogo chamou atenção de muita gente e logo começaram as pesquisas nos confins da internet sobre informações do estúdio envolvido na produção e também sobre o criador do jogo, Tim Soret. Muito que bem, as pessoas cavucaram no twitter e encontraram tweets do Tim com algumas declarações polêmicas:

Em alguns de seus tweets, Tim Soret relata os temas de The Last Night como sendo retratos do “perigo do progressismo extremo” e de como seria um mundo onde o “feminismo moderno venceu, ao invés de um sistema igualitário”. Indo além, ele ainda fala coisas como “feminismo extremo que quer acabar com gêneros”, sempre acompanhado de um #gamergate no final.

Isso fez com que muitos usuários da plataforma entendessem que Tim Soret seria a favor do Gamergate, resultando em vários tweets repudiando o tal comportamento do designer:

“Eu fico imaginando porque todas esses TEMAS E IDEIAS SUPER IMPORTANTES PARA MINHA VISÃO não estão no trailer do jogo na E3 já que ele se sente tão orgulhoso deles?”

 

“Querida @Microsoft @Xbox por que vocês deram destaque a um jogo sexista que pensa que feminismo é algo tóxico? #XboxE3 #TheLatNight”

Com toda essa comoção, Tim Soret prontamente resolveu se manifestar com as seguintes mensagens:

“Hora da controvérsia. Tá tudo bem. Vamos falar sobre o assunto, porque é importante: 1 – Eu me posiciono completamente a favor de igualdade e inclusão; 2 – De forma alguma The Last Night é um jogo contra o feminismo ou qualquer forma de igualdade. Um monte de coisas mudou para mim nesses últimos anos; 3 – O cenário fictício do jogo desafia sim o tema de progresso social tecnológico como um todo mas certamente não tenta promover ideias retrógradas. “

 

O que vem primeiro, a obra ou o artista?

Este tema é muito delicado. Por um lado, a obra deve ter voz própria e viver por seus próprios méritos. Por outro, a visão de mundo do artista ou designer influenciam na maneira como aquela obra é retratada. Para mim, o maior problema dessa dinâmica é que a nossa percepção de um determinado produto pode mudar conforme nos aprofundamos no seu processo de produção e conhecemos melhor o seu criador.

Por exemplo, o Uber se envolveu há algum tempo em denúncias graves de assédio por várias de suas funcionárias. Eu sempre achei o produto Uber muito bom, mas depois de entender essas denúncias eu devo confessar que fiquei um pouco brochado de continuar usando o produto da empresa, pois parecia que eu estava apoiando essa visão de negócio opressora e sexista. Outro exemplo foi quando descobri que o John Mayer é um cara meio babaca. Sempre gostei das músicas dele e sempre acompanhei o seu trabalho, mas nunca a pessoa. Certo dia uma amiga me mandou um link sobre as coisas toscas que ele já falou em entrevistas e dali pra frente o meu entendimento de algumas músicas dele mudou por completo. Comecei a desconfiar de alguns significados em suas letras que antes me pareciam apenas bonitinhas.

A internet está ficando chata, não é mesmo?

Talvez sim, mas não pelos motivos aparentes. Recentemente me envolvi numa discussão no Facebook, na qual o autor do post ridicularizava uma minoria em favor do argumento “eu respeito, mas..”. Eu resolvi me envolver no debate, pois a maioria dos comentários ali estavam apenas aumentando a discriminação acima daquela minoria, o que eu achei extremamente gratuito e desrespeitador. Assim que postei o meu comentário de 3 parágrafos (risos!) as pessoas já começaram a responder com “ihhh lá vem o mimimi”, “nossa como a internet tá chata hoje em dia”, “não dá pra falar nada sem esses comunistas virem falar asneiras aqui” e por aí continuaram.

De fato, eu acredito que há sim o exagero em algumas denúncias, como aconteceu essa semana com o novo clipe da música “Lalá” de Carol Conka, no qual ela faz críticas a homens que não fazem sexo oral nas mulheres ou aqueles que simplesmente não sabem brincar direito com a “lalá” dela. Pois bem, o vídeo repercutiu e, obviamente, chegou ao ouvido das feministas mais ferrenhas. Estas lançaram a crítica ao clipe com o argumento de que a música deveria ser mais inclusiva considerando também as mulheres que não sabem chupar uma “lalá”, pois mulheres também ficam com outras mulheres. De certo, mulheres ficam com outras mulheres, mas esse não é o caso de Carol Conka, que escreveu a música de acordo com sua experiência pessoal. Dito isso, certos temas são extremamente delicados para entrarem na tal “liberdade poética ou artística”. Quando um designer ou artista sugere que o mundo seria melhor sem judeus, que protagonistas negros não fazem sucesso ou que feminismo é um vírus, as coisas saem um pouco da curva do mimimi para entrar no perigoso campo da intolerância.

The Last Night então já flopou antes mesmo de ser lançado?

Eu sinceramente gostaria de acreditar que não. A resposta de Tim Soret sobre toda a polêmica de ontem me pareceu válida. Ele usou o tom adequado e afirmou que muitas coisas mudaram para ele desde aquelas constatações anos atrás. E eu acredito nele. Já fiz muitas besteiras na vida e, se as pessoas forem analisar com uma lente de aumento algumas delas, eu seria retratado como uma criatura horrorosa. Assim como vocês também seriam. Todos nós cometemos erros e as vezes pensamos e falamos coisas que, após certa reflexão ou puxão de orelha, acabam se revelando de fato desnecessárias ou ofensivas.

The Last Night ainda me parece um jogo interessante e eu escolho acreditar que os pensamentos do seu criador tenham se organizado de uma melhor forma para que, quando lançado, o jogo não seja recebido com indiferença ou julgamentos pré concebidos.