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Outro dia, enquanto andava pela rua mordiscando meu sanduíche de pastrami com molho de mostarda e picles em pão ciabatta, passei por uma banca de jornais. Apesar de não comprar mais nada regularmente desde que a revista Xtreme foi cancelada e a Edge espanhola virou um pastiche da original inglesa, gosto de dar uma olhada para ver o que está por aí. E, olhando as revistas de música, encontro uma capa da Rolling Stone espanhola dedicada à Guitar Hero Metallica (que sai na Europa no fim de maio). Com direito a matéria introdutória (duas páginas), entrevista sobre o jogo feita em Londres com o baixista Robert Trujillo (outras duas páginas) e matéria sobre o “fenômeno” Guitar Hero de inenarráveis oito páginas, incluindo “as 50 músicas que você deve aprender para ser um Guitar Hero de verdade” e mini-entrevistas com artistas espanhóis sobre a importância da “atitude” e do “visual”. Bem, uma encheção de lingüiça sem tamanho. Mas eu li aquele troço todo e fiquei impressionado com algumas coisas:

Eles fazem muita questão de dizer que Guitar Hero é um “fenômeno cultural”, e que é o Grand Slam do World Cyber Games. Achei que fosse o Counter-Strike, mas tudo bem. Deixam bem claro que o jogo “criou seus próprios ídolos”, insistindo no tal do Chris Chike, que foi o primeiro a fazer 100% na punhetação com elfos do Through The Fire And Flames (Dragon Force), e que tem um contrato de imagem pra anunciar produtos relacionados ao Guitar Hero.

Agora, o mais impressionante: não mencionam nenhuma vez a franquia concorrente, nem o criador original do game. Isso mesmo, nem uma mísera palavra sobre a Harmonix. Nenhuma menção ao fato de que os “mitos” de Guitar Hero ainda não conseguiram fazer 100% em Green Grass And High Tides (The Outlaws), do Rock Band. E nem uma menção sobre o jogo dos Beatles, que sai daqui a poucos meses.

Nem precisa saber que a Rolling Stone espanhola é uma porcaria de revista movida a jabá na veia para saber que essa matéria foi descaradamente paga pela Activision. Para deixar um pouco mais claro, tem um anúncio no final da revista falando que quem assinar ganha um kit do jogo, incluindo o pedal extra pra fazer bumbo duplo como o Lars Ulrich. Mas tenho de admitir: me deixou com vontade de assinar.

Estaria errada a Activision? Não acho. Quero dizer, não estamos falando de corrupção nem de receptação de mercadoria roubada. Se eles compram, o problema é de quem vende – e do bobo que acredita nos vendedores depois. E publicidade é a alma do negócio, correto? Para a Activision, parece que sim. Mas é uma pena que eles gostem de levar isso ao pé da letra. Apesar das trilhas sonoras terem sido sempre bem escolhidas, ainda que irregulares (e eu não vejo nenhum problema com Guitar Hero Aerosmith, antes que falem algo), a qualidade dos jogos da franquia sofreu um baque tremendo desde que a Neversoft assumiu o time de produção. Músicas com dificuldade inflada artificialmente, partes de teclado tocadas na guitarra, e por aí vai.

Enquanto isso, a Harmonix mostra que os jogos musicais são seu território. Quem jogou Rock Band pra valer não consegue voltar a jogar Guitar Hero (e olha que eu tentei). As músicas fáceis do Rock Band são fáceis, ponto. O baixo de So Whatcha Want (Beastie Boys) em Rock Band 2 usa apenas o botão verde mesmo em Expert, e Polly (Nirvana) tem excepcionais OITO batidas de bateria em toda a música. E adivinhem? Isso emula os notecharts das músicas originais com fidelidade. Agora, em Guitar Hero, temos bizarrices como acordes de três botões que vão variando, enquanto o notechart real tem um acorde simples que se repete (Before I Forget, do Sliknot, é o exemplo perfeito).

Bem, o que parece é que as softhouses pegaram o nome das franquias e começaram a trabalhar a partir daí. A Harmonix faz um jogo sobre “rock” e “band”. No rock de verdade, ter uma banda de virtuoses capaz de tocar tudo perfeitamente não é necessário. Muito pelo contrário, é chato e enfadonho. E os fãs de Dream Theater, Pink Floyd pós-Syd Barret, Rush e outras bandas progressivas que vão pros quintos dos infernos. Num grupo de verdade existe a camaradagem, onde um ajuda o outro. Já o que a Neversoft fez foi um jogo sobre “guitar heroes”, virtuoses, músicos que não podem falhar uma progressão semi-tonal ascendente ou seus fãs começam a reclamar. Claro, se o objetivo é ter o “jogo” antes da “música”, não tem problema. Mas, se eu tenho um jogo musical, eu quero me divertir fazendo (ou fingindo que faço) música. A Harmonix entendeu isso. A Neversoft não.

O pior é que sempre haverá gente que ache que tocar Through The Fire And Flames em um jogo vai ser mais legal do que tocar Beatles simplesmente porque é uma música “mais intrincada”. E enquanto a Activision continuar pagando a imprensa para afirmar que Guitar Hero é um “fenômeno cultural”, não tem muito motivo para a Neversoft mudar essa filosofia.