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Zeebo, para muitos um fracasso retumbante e motivo de chacota, para alguns um console a frente de seu tempo. Passados 10 anos de seu lançamento, hoje vemos exemplos como o Xbox One S All-Digital Edition seguindo exatamente o conceito que a TecToy tentou emplacar no passado. Tendo isso em mente, me fez refletir: Será que o Zeebo teria feito sucesso se fosse lançado atualmente? A resposta é não, mas vamos devanear um pouco sobre o conceito revolucionário por trás do Zeebo que poucos acabam se dando conta. Primeiramente, vamos voltar uma década no tempo e relembrar a trajetória deste console brasileiro.

Imagem do console Zeebo.

O início

Você acaba de entrar em um mundo novo. O mundo do Zeebo, o melhor sistema de jogos de todos os tempos. Desenhado na Califórnia, esse super projeto é resultado do trabalho de verdadeiras feras no desenvolvimento de games e plataformas de sete países: Israel, China, França, Argentina, Japão, Estados Unidos e, claro, Brasil. Com o Zeebo, você jogará alguns dos games mais bacanas e com os gráficos mais incríveis já criados, na hora em que quiser. Nada de cartuchos ou DVDs. Você baixa os jogos diretamente para o seu console pela rede sem fio ZeeboNet 3G. É rápido e fácil. Bastam alguns cliques e pronto! Você já pode sair jogando. E mais: sempre que houver uma nova funcionalidade para o console, seu Zeebo será atualizado automaticamente, sem nenhum custo adicional. A diversão começa agora! Tá esperando o quê?

Criado a partir de um joint venture entre a Qualcomm (empresa especializada na produção de chipsets para celulares) e a Tectoy, surgia a Zeebo Inc. com sede em San Diego, Califórnia. E também, com sede em Campinas/SP, a Zeebo Interactive Studios (ou ZIS), focada na criação de conteúdo original para a plataforma que viria a ser lançada, além de desenvolver – e localizar – conteúdo a partir de licenças de terceiros, como a Capcom, SEGA, Namco Bandai (atual Bandai Namco), EA Games, entre outras.

Apesar de ter sido um console focado inicialmente no público brasileiro, devido muito ao know-how da TecToy, ele também teria a distribuição centralizada em mercados emergentes, como a Índia e o México – com foco em conteúdo educacional -, sendo também lançado na China.

A ideia inicial era oferecer um aparelho de baixo custo e com serviços e jogos acessíveis para famílias menos privilegiadas, assim possibilitando a elas o acesso a entretenimento digital. Isso em uma época onde os smartphones – e suas marketplaces – ainda engatinhavam.

Em 25 de maio de 2009 chegara o tão comentado “videogame brasileiro” as prateleiras, inicialmente apenas no Rio de Janeiro (e online para o resto do Brasil). Com um conceito simples e inovador, todo o conteúdo distribuído digitalmente, ou seja, o aparelho não contava com uma entrada para qualquer tipo de mídia física – inclusive possuindo o título de primeiro console de mesa na história com tal característica -, com toda a transação sendo realizada online. O que hoje é uma realidade comum nos dispositivos móveis, foi introduzida em larga escala em um dispositivo caseiro de entretenimento.

Logo Zeebo.

Apesar de fazer parte oficialmente da 7ª geração de consoles, o Zeebo estava longe de fazer frente aos concorrentes como PlayStation 3, Xbox 360 e o próprio Nintendo Wii. Basicamente o console, ainda que robusto, possuia um hardware de celular embarcado. Com chipset Qualcomm MSM ARM 11, uma GPU ATI Imageon (antecessor do atual Adreno), 160 MB de memória RAM, conexão 3G, 3 entradas UBS 2.0 e 1 GB de memória interna para armazenar os jogos, com a promessa de expansão via cartão SD, mas cujo o leitor de cartões vinha desativado dentro do sistema e nunca recebeu a atualização para que pudesse ser utilizado – que também iria oferecer suporte a músicas em formato MP3 e a visualização de fotos e vídeos. Essas eram as especificações vendidas na época.

O console da TecToy chegou às prateleiras custando a bagatela de R$ 499 – já sendo abaixo do exorbitante valor anunciado de R$ 599 -, um preço considerado muito alto para os padrões da época pelo que o console oferecia – superando o salário mínimo da época inclusive. Fugindo completamente da proposta de ser um console acessível para famílias menos afortunadas.

Imagem do console Zeebo.

Lembrando que a TecToy também ofertava outros produtos oriundos de propriedades da SEGA, como as diversas variações de Mega Drive e algumas opções de aparelhos com a marca – e jogos – da ATARI, por preços inferiores. No mesmo ano – com cerca de seis meses no mercado – o Zeebo já sofreria dois cortes de preço, descendo inicialmente para R$ 399 e em seguida para R$ 299.

ZeeboNet

O que era para ser uma inovação, acabou se mostrando um grande problema para o maior chamariz do console, a distribuição e aquisição de jogos estritamente digitais. Aposto que você notou que nas especificações o aparelho não contava com um modem de conexão de rede, ou seja, toda a conexão era feita exclusivamente via 3G. E se hoje em dia ainda há locais onde a cobertura continua precária, imagina em 2009 quando isso ainda era uma novidade.

Conhecida como ZeeboNet 3G, o serviço era fornecido – pela operadora Claro na época – de forma gratuita, bastando apenas ligar o console e – se você tivesse cobertura – já poderia desfrutar dos conteúdos online. Dentro da interface tínhamos acesso a uma loja, onde era possível comprar e baixar os jogos.

Tal loja contava com uma moeda própria, chamada de “Z-Credits”, no qual cada centavo de Real era equivalente a um Z-Credit, ou seja, 100 créditos eram equivalentes a R$ 1. Que poderiam ser adquiridos via compra a partir do cartão de crédito, boleto bancário e débito em conta diretamente do sistema ou de vendedores autorizados. Foi prometido na época que seriam disponibilizados cartões pré-pagos com valores determinados, assim como funciona atualmente em diversos serviços online, porém eles nunca chegaram a ser comercializados.

Os jogos da loja eram divididos em três categorias, de acordo com o tamanho de download, o que implicava também na segmentação dos jogos por outra subdivisão, dos jogos casuais, intermediários e premium, ou seja, jogos de no máximo 8 MB, 25 MB e 50 MB respectivamente – apesar de nenhum ter superado os 30 MB de tamanho. Isso ocorria devido às limitações da rede 3G, que não permitia o tráfego de arquivos muito extensos. Os valores dos jogos giravam em torno dos R$ 9,90 (para títulos mais simples) e R$ 24,90 (para os ‘premium’), sendo que a média era de R$ 15.

Os jogos em sua maioria eram títulos simples, ports de versões mobile dos mesmos. Porém, houve um grande investimento por parte da TecToy em trazer títulos de franquias conhecidas e de renome para sua promissora plataforma, como Ridge Racer, Tekken 2, Pac Mania, Need for Speed Carbon, Prey Evil, FIFA 09, tendo como destaques, Resident Evil 4 – que apesar de bastante simplório era surpreendente mediante as condições -, Crash Bandicoot Nitro Kart 3D, Double Dragon, este último sendo um título elogiado por ser uma versão robusto da franquia. Ports dos clássicos Quake e Quake II existiram, os jogos da PopCap também pintaram em peso, como Zuma’s Revenge, Peggle e Bejeweled Twist.

Logo Zeebo Interactive Studios.

Sem falar dos jogos da casa como das franquias Boomerang Sports (que utilizavam o acessório de mesmo nome como controle), com jogos esportivos de tênis, vôlei, petéca e queimada. Além do Zeebo Extreme, linha de jogos radicais, como Corrida Aérea, Jetboard, Bóia-Cross, Baja e o famoso jogo de corrida de carrinhos de rolimã. Zeebo F.C. Foot Camp e Turma da Mônica em Vamos Brincar – o qual foi prometido uma série de 9 jogos, porém apenas este foi lançado – também foram títulos de destaque da Zeebo Interactive Studios.

A biblioteca do console foi bastante diversificada e contou com franquias renomadas de diversas publishers famosas mundo afora, porém as versões desses jogos em sua maioria eram muito inferiores – algumas sendo praticamente injogáveis devido ao desempenho precário. A experiência de jogatina não era das melhores apesar do apelo dos títulos.

Aplicativos

O Zeebo também contava com aplicativos como, Canais Zeebo, que nada mais eram do que atalhos para portais de entretenimento pré-selecionados – e aprovados – utilizando uma versão modificada do navegador Opera, continham conteúdos como novidades sobre esportes, notícias e entretenimento em geral. A livre navegação pela internet também era possível – mesmo não sendo algo fluído ou prático -, mas mediante o pagamento de uma taxa por tempo de utilização que variavam entre R$ 3,90 por 2h, R$ 5,90 por 4h e R$ 7,90 por 6h.

Existia uma central de informações, o aplicativo Zeebo Clube permitia consultar dicas, notícias, promoções de jogos e até mesmo um sistema de troca de informações entre os usuários. Com o Z-Social era possível acessar os principais meios de comunicação da época, como o Twitter, Facebook, Gmail, Gtalk e até o MySpace – na época houve até especulação de que o Orkut poderia entrar para essa lista, mas nunca se concretizou.

Pegando carona com o fenômeno dos avatares Miis do Wii, na plataforma da TecToy haviam os Zeeboids, avatares personalizáveis que poderiam ser utilizados em alguns jogos específicos e em rankings onlines de jogos com suporte ao recurso.

Acessórios

Imagem do controle de Zeebo.

Apesar da simplicidade da plataforma, ele contou com uma gama de acessórios para as mais diversas finalidades. Z-Pad, o controle original que vinha na embalagem da primeira versão do console, nada ergonômico, e muitas vezes pouco funcional. Zeebo Dragon, segunda versão do comando do Zeebo, desta vez mais ergonômico e imitando o layout dos controles da linha DualShock da Sony.

Seguindo o sucesso que o Wii fazia na época, o Boomerang foi um controle com sensores de movimento – e formato pouco convencional – voltado para jogos esportivos (citados anteriormente). Um teclado também foi lançado e acompanhava a segunda versão do aparelho na embalagem, para ser utilizado na navegação online e jogos educativos.

Mudança de foco

Com pouco mais de um ano no mercado e amargando baixas vendas, a TecToy decide fazer uma coletiva de imprensa em setembro de 2010 para anunciar o novo posicionamento do Zeebo no mercado frente as dificuldades em atrair o público. Nessa mesma coletiva foi anunciado o lançamento da segunda versão do aparelho que viria com um novo controle (Zeebo Dragon), o teclado, uma seleção nova de jogos pré-instalados e acesso a redes sociais, sendo vendido ao mesmo preço do anterior (R$ 299).

O fim

Menos de um mês após completar um ano do lançamento do aparelho, em junho de 2010, alguns jogos licenciados começaram a sair do catálogo da loja, sendo os primeiros Quake e Quake II. Menos de uma semana depois, Need for Speed Carbon: Own the City também seria removido. Esse era o primeiro indício de que algo não estava correndo bem.

Não apenas isso, como a enorme debandada das produtoras, com os prometidos, Duke Nukem, Street Fighter Alpha: Warriors’ Dreams e Real Racing afetaram a lineup do aparelho. Até mesmo a SEGA que era grande parceira da TecToy durante anos, pulou do barco e não trouxe títulos como, Crazy Taxi, Virtua Tennis 3 e o tão aguardado Sonic Adventure – que aliás até estampava materiais promocionais da época.

Imagem do console Zeebo.

Em 31 de maio de 2011, logo após completar 2 anos no mercado, a Zeebo Brasil através de um comunicado em seu blog anuncia o fim das operações no país, cujo os servidores sairiam do ar no final de setembro do mesmo ano. Era chegado o fim do videogame brasileiro que teve uma curta trajetória recheada de insucessos. O saldo final foram aproximada 30 mil unidades vendidas no Brasil – sendo que eram esperadas 600 mil – e cerca de 60 jogos lançados para a plataforma.

Algum tempo depois o site oficial do aparelho apresentava um aviso dizendo que eles estavam trabalhando em uma versão baseada em Android do Zeebo com lançamento previsto para 2012 – que sabemos que nunca aconteceu. Após o desligamento dos serviços da ZeeboNet, se tornou impossível ter acesso aos jogos que um dia já estiveram disponíveis na plataforma, tornando os modelos com jogos instalados itens extremamente cobiçados por colecionadores entusiastas da TecToy – sendo raro encontrar um com todos os jogos lançados na memória.

O que podemos aprender com o Zeebo?

E depois de toda essa jornada no tempo, chegamos a derradeira conclusão, que o Zeebo como um produto foi um fracasso. É notável como a TecToy errou em aplicar seu conceito – talvez por ingenuidade -, mas a questão é, isso se mostrou tempos depois, a realidade em que vivemos agora. Se tornando talvez, um paradigma para futuros consoles.

Apesar dos fatos demonstrarem que o Zeebo parece ter sido a frete do seu tempo, talvez não tenha sido bem assim. Não imagino que ele tivesse sido melhor sucedido se lançado nos dias de hoje, a menos que sua proposta e formato fossem diferentes. Mesmo assim, imagino que seu final poderia ser tão cruel ou pior do que foi em 2011, afinal hoje temos plena noção de que os smartphones cumprem tudo o que o Zeebo jamais pôde ser e muito mais. Se eles conseguiram até mesmo acabar com o mercado de consoles portáteis, que dirá de um console de mesa com hardware inferior ao de um.

Imagem do console Xbox One S All-Digital Edition.

O conceito do Zeebo, esse sim foi praticamente uma prévia do que veríamos anos mais tarde, que gerou inclusive herdeiros como a proposta do OUYA – outro dispositivo que teve um final trágico. O que nos traz a 2019, com o lançamento do Xbox One S All-Digital Edition, pode parecer covardia comparar o console atual da Microsoft ao Zeebo, mas o conceito que ele carrega é exatamente o mesmo que 10 anos antes a TecToy apresentou ao mundo.

Imagem do console Zeebo.

Com o crescente consumo de mídias digitais, devido a diversos fatores como a praticidade principalmente, a demanda por mídias físicas está diminuindo gradativamente. O PC é um ótimo exemplo disso, há quanto tempo você não vê um jogo de PC em mídia física? Bom, praticamente foram extintas depois da ascensão de serviços como o Steam. O fato de um console como a versão All-Digital Edition da plataforma da Microsoft existir, só prova que há mercado para isso. E talvez na próxima geração já vejamos consoles sem drivers para mídia física. E pensar que tudo isso teve início com o ‘videogame brasileiro’.

Mesmo com o fracasso do Zeebo, é admirável a determinação da TecToy em criar algo deste tipo, apresentar ao mundo um novo conceito de mercado e explorar uma fatia ainda inexplorada na época. Ela pode ter sido ingênua em certos aspectos e se equivocado em outros, mas o fato de querer se reinventar apostando em algo ainda inexistente é algo que merece ser lembrado.