Alimentada por filmes como Blade Runner (1982) e experimentos de estações de computação gráfica, a possibilidade de participar de ambientes e aventuras em um “universo paralelo virtual” não saía da cabeça dos jogadores de videogame, principalmente no começo da década de 90.
O tempo passou, e, hoje em dia, dispositivos como o PlayStation VR, HTC Vive e Oculus Rift trazem uma boa dose de imersão para os jogadores da segunda metade da década de 2010. Mas nas gerações passadas, a situação era bem diferente. Além da Power Glove (do NES) e dos óculos 3D do Master System, pouco havia sido feito para tentar trazer uma certa imersão aos adeptos do entretenimento eletrônico. Até que a líder do mercado de videogames resolveu se aventurar no mundo virtual.
Faz 23 anos que o Virtual Boy foi lançado no Japão. Lembrado por ser o maior fracasso da história da Nintendo, o projeto inicial do console estava muito longe da versão que chegou às lojas.
A utopia da realidade virtual
Em 1992, o criador do Game Boy e do Game & Watch, Gunpei Yokoi, começou a rascunhar sua próxima invenção: um equipamento de realidade virtual, com gráficos alucinantes, som estéreo, imersão total e processador de 32 bits. As telas do visor seriam de LCD, e o console, leve o suficiente para ficar preso à cabeça do jogador, como um capacete. O projeto ficou conhecido nos corredores da Nintendo como “Virtual Reality Utopia” (também chamado de “VR-32”), e, inicialmente, tinha previsão de chegar ao mercado em meados de 1994 – período estratégico, já que o Super Nintendo enfrentaria, no mesmo ano, a concorrência de Sega Saturn e PlayStation. O Nintendo 64 já estava sofrendo adiamentos e não seria lançado antes da metade de 1996.
Mas quem acabou sofrendo foi a própria materialização da “utopia da realidade virtual”, que não poderia ter um preço competitivo se não fossem feitos alguns cortes nos custos de produção. Primeiro, a tecnologia de visores LCD foi substituída por um conjunto com duas telas de LED (diodo emissor de luz) e espelhos para criar a ilusão de três dimensões. Para não encarecer demais o produto final, a imagem teria que ser monocromática em vermelho, por conta do brilho intenso requerido para que o efeito 3D fosse percebido pelo jogador. O peso do equipamento também foi um empecilho, e a solução mais barata foi deixar de lado o estilo “capacete” em prol de um suporte de mesa. Nada disso foi suficiente para evitar que o console fosse um grande gastador de pilhas: seis delas, no padrão AA, garantiam por volta de cinco horas de jogo.
Mesmo com todos os revezes que a equipe de pesquisa e desenvolvimento da Nintendo colocava no caminho, a alta direção da empresa optou por seguir com o projeto e colocar o videogame no mercado. Em 21 de julho de 1995, chegava às lojas do Japão o Virtual Boy (cuja abreviação oficial, presente no próprio console, é VRU – referência à Virtual Reality Utopia). O preço de US$ 180, sugerido no lançamento, era caro para um console vendido como “portátil”. A baixíssima qualidade dos títulos iniciais também não atraiu os jogadores para as lojas: o videogame simplesmente não entregava a prometida “imersão” ou os “gráficos que nenhuma TV é capaz de reproduzir” – duas expressões bem comuns no material de divulgação distribuído pela Nintendo.
Nos Estados Unidos, o console chegou em 14 de agosto acompanhado por uma forte campanha de marketing, que incluía parceria com a rede de locadoras BlockBuster e anúncios nos principais períodicos do país. Nada disso adiantou, e, menos de dois meses depois, o preço do videogame já batia na casa dos US$ 150, com unidades encalhadas na maioria dos grandes revendores. Em abril de 1996, o preço despencou de novo, agora para US$ 99. À essa altura, o console não era mais produzido: o objetivo era desovar o estoque que já estava nas lojas.
Os jogos também não ajudavam: Mario Clash, por exemplo, era apenas um remake de Mario Bros. (o dos arcades, lançado em 1983), com a diferença do herói poder alternar entre dois planos de profundidade. Panic Bomber, um puzzle de quebrar blocos no estilo Columns, era simples a ponto de nem tentar utilizar os já limitados efeitos que o console era capaz de proporcionar. Um dos mais interessantes foi Red Alarm, jogo de ação com naves, em 3D e com liberdade de movimentos pelo cenário. Os gráficos vetoriais — sem texturas, apenas traços que formavam a imagem – eram próximos da “realidade virtual” que o Virtual Boy se propunha a realizar. Outro jogo que merece menção é Teleroboxer, luta em primeira pessoa parecido com Punch Out, mas com mechs no lugar de humanos.
Games do peso de Donkey Kong Country 2, Goldeneye, Worms e Bomberman chegaram a ser anunciados, mas nenhum deles saiu do papel para enriquecer a já carente biblioteca do console: em pouco menos de um ano e meio de mercado, foram 19 títulos lançados no Japão e apenas 14 nos Estados Unidos. E nenhum deles trazia o carisma ou a jogabilidade conhecidos dos jogos da Nintendo.
VR é desse jeito? Não, obrigado.
No total, pouco mais de 800 mil unidades do Virtual Boy foram vendidas pelo mundo todo, desempenho considerado pífio por uma Nintendo acostumada com números na casa dos milhões. Mas o maior fracasso da história da companhia serviu para deixar várias lições para a indústria. A mais importante, possivelmente, foi a de que ganância demais pode custar caro.
Depois do Virtual Boy, a “realidade virtual” caiu no esquecimento, como se tivesse sido a experiência traumática que fez os jogadores e desenvolvedores pensarem que era uma proposta muito à frente daquele tempo. Foi o jeito amargo de descobrir que recriar a realidade artificialmente estava muito mais longe do que os jogadores imaginavam.