Nas últimas semanas, vimos como a Microsoft e a Nintendo lançaram updates com o objetivo de solucionar bugs em seus consoles de mesa. Esses bugs permitiam a execução de código não autorizado, o chamado homebrew.
Homebrew, para quem não está familiarizado com o termo, é o nome dado coletivamente a programas desenvolvidos de forma amadora para máquinas com hardware proprietário e/ou que usam métodos de armazenamento proprietários (p.ex., cartuchos). Assim, você não pode classificar software feito para computadores PC ou Mac como “homebrew”, porque são plataformas abertas que têm sistemas de desenvolvimento de software disponíveis ao público. Consoles de videogame, por outro lado, são plataformas fechadas, onde o desenvolvimento apenas está disponível de forma oficial com o uso de kits de desenvolvimento profissionais fornecidos pelo fabricante.
É fascinante perceber as diferenças entre o enfoque que as três grandes dão ao homebrew:
– A Sony, por incrível que pareça, sempre teve uma atitude mais “aberta” ao homebrew; já na época do PS1, foi disponibilizado o Net Yaroze. Para PS2, ela criou o kit PS2 Linux, e o PS3 permite instalação de Linux desde o primeiro dia.
– A Microsoft teve problemas com a scene homebrew na geração passada, porque o primeiro Xbox tinha mais buracos que um queijo suíço (e gerou o que talvez seja o melhor homebrew de todos os tempos, o Xbox Media Center) e era muito fácil de trabalhar, já que sua estrutura básica era de um PC. Então melhoraram a segurança nesta geração, controlando o seu software com rédea curta e procurando e liquidando os bugs com muito cuidado – deixaram um erro no hardware, mas esse erro ficou limitado apenas ao drive de DVD, o que permite pirataria, mas continua sem permitir a execução de código não autorizado.
– A Nintendo não teve grandes “problemas” com homebrew na geração passada, já que o Gamecube sempre foi considerado um console difícil, então os sceners preferiam usar o Xbox e o PS2. Por isso, a Nintendo não se preocupou muito com isso no Wii. No entanto, o fato do Wii ter mantido a arquitetura básica do Gamecube fez com que ele fosse quebrado facilmente – e como o console “entrega o controle” do hardware para os jogos, sem um sistema operacional que faça a intermediação (como acontece com os outros consoles), qualquer bug em um jogo que permita a execução de código não autorizado quebra a segurança do console – como aconteceu já três vezes…
Apesar das diferenças de enfoque, a atitude das empresas se baseia em duas coisas:
1 – O verdadeiro lucro do negócio está baseado nos jogos. Se eu vendo um console subsidiado a alguém e essa pessoa usa o meu hardware não para jogar o software que eu vendo, e sim para executar software de outras pessoas pelo qual eu não recebo nem meia jujuba chupada, eu estou perdendo dinheiro.
Parece que a Sony, permitindo Linux em suas máquinas, não concorda com isso. Mas na verdade ela está sendo meio maquiavélica, mantendo os “inimigos” sob seu controle. Afinal, se eu posso executar coisas abertamente com o Linux permitido oficialmente pela Sony, não tenho porque perder meu tempo procurando bugs se já posso fazer o que quero de uma forma oficial. Em outras palavras, a Sony afasta os hackers mais “legalistas” (que costumam ser a elite da scene) da busca por bugs que podem abrir o console à pirataria, deixando apenas os pirateadores (e piores tecnicamente) com essa tarefa.
E isso nos leva ao ponto principal…
2 – A execução de código não autorizado significa, de uma forma ou outra, a entrega do controle da máquina a um programa que pode fazer em teoria qualquer coisa – e quando dizemos “fazer qualquer coisa”, na verdade as companhias entendem “rodar cópias piratas”.
Isso ficou bem claro com o que aconteceu com o Xbox. O XBMC, que transformava o Xbox em um media center, também permitia a pirataria facilmente, deixando que o usuário carregasse jogos diretamente no HD da máquina e executando-os desde ali. E o Wii, se tivesse um HD, já teria ido pelo mesmo caminho; já existe uma maneira de carregar jogos diretamente da memória interna (ainda que isso seja inútil na prática, graças ao pouco espaço de armazenamento) e já existem vários Backup Loaders e USB Loaders.
No entanto, a atitude da MS e da Nintendo neste caso é de tratar todos como delinquentes. O Team Twiizers, a principal equipe de hackers da scene do Wii, descobriu um bug que permitia que o Wii lesse DVD’s gravados. Isso abria possibilidades para a scene, já que permitia que programas pudessem ler dados desses DVD’s (por exemplo, um media player podia ler filmes gravados ali) – só que também podia permitir a carga de cópias piratas de jogos sem chip. Eles tentaram contactar a Nintendo para informar sobre o bug, mas foram recebidos com indiferência e agressividade – então acabaram divulgando o bug, o que escancarou a pirataria no console.
Essa atitude dos fabricantes não se justifica. OK, se desejam atacar a pirataria, me parece fantástico – apesar de que poderiam atacar também os desenvolvedores que fazem merda e tratam o consumidor como lixo, mas isso não parece ser uma prioridade… E também estão no direito de fazer ações administrativas, como banir do online ou cancelar a garantia, caso alguém modifique o console de alguma maneira ou execute software não autorizado – afinal, caso essa modificação ou software tenha algum problema e danifique o console ou cause problemas para o online, a responsabilidade não pode ser deles.
Só que algumas vezes eles levam isso longe demais. Alguns jogos me forçam a atualizar o console para jogá-lo. Se a atualização cria funções novas que o jogo precisa, até entendo – por exemplo, um jogo construído em torno aos avatares do Xbox 360 precisa que o firmware do console esteja atualizado. Só que muitas vezes a atualização é obrigatória simplesmente porque sim, sem nenhuma justificativa lógica – a não ser forçar a te atualizar para ferrar a sua vida se você usa homebrew.
Elas continuam no seu direito? Claro. Mas depois não reclamem da pirataria quando as vendas baixem. Pode ser que não seja pirataria, simplesmente que pessoas que tinham muita vontade de comprar o jogo preferiram não gastar dinheiro com algo que limita suas opções de uso do hardware que comprou, e pagando bem caro. Afinal de contas, sabe como é, nem todo mundo tem vocação pra jumento.