Em 2016, me lembro de ter comprado salivando Street Fighter V durante a pré-venda. Afinal, sabe-se lá quantas horas havia perdido em Street Fighter IV e mal podia esperar para poder jogar a nova entrada da série. Originalmente com apenas dezesseis “world warriors” e mais seis que viriam com o primeiro passe de temporada, Street Fighter V fez um lançamento conturbado – para se dizer o mínimo.
Todos sabemos que jogos de luta não tem suas histórias como um ponto chamativo. Mesmo com Injustice e Mortal Kombat trazendo obras cinematográficas para contar as histórias de cada game, poucos são aqueles que se interessam. Mortal Kombat 11 é um ótimo exemplo recente, com uma taxa de finalização do modo história de apenas 36% de seus jogadores.
Street Fighter V tem um dos melhores trailers que já vi do gênero. Temos um novo e visualmente incrível adversário que parece ser tão selvagem e poderoso quanto Akuma, a volta de velhos favoritos de Street Fighter 3, Chun-li, Ken e Ryu lutando contra um poderoso M. Bison (com homenagens ao anime) e a volta de Nash. Só que mesmo com tanta força, Street Fighter V ainda possuía uma grande falha.
Técnica Especial Capcom: Estrangulamento interno
O nome deste problema? Ultra Street Fighter IV, o último título da sequencia anterior, só havia sido lançado a pouco mais de meio ano. Durante essa época, a Arc System, mesmo já trazendo títulos excelentes, ainda engatinhava próximo da Capcom, NetherRealm e Bandai Namco. Entre o lançamento original de Street Fighter IV até o lançamento de Ultra Street Fighter IV, a Capcom lançou outros nove jogos no total! Quatro versões de SFIV, TatsunokoVs Capcom, duas versões de Marvel Vs Capcom 3, Marvel Vs Capcom Origins, SFIII: 3rd Strike Online, SF Vs Tekken e Darkstalkers Resurrection.
A qualquer momento que um novo jogo de luta da Capcom era anunciado, ele estava em luta constante com outros títulos da empresa. No mesmo período de tempo, a Bandai Namco lançou Tekken 6, SoulCalibur V, Tekken Tag Tournament 2 e Tekken 7. Já a NetherRealm lançou apenas Mortal Kombat 9, Injustice e Mortal Kombat X. As pessoas tiveram tempo para respirar e sentir falta de Kazuya, Heihachi, Scorpion e Liu kang.
Chegou ao ponto em que a super saturação de games da Capcom matava ela em dois segmentos. Primeiro o fato de que os fãs das franquias se viam divididos e espalhados entre onze títulos diferentes, o que afinava a linha do multiplayer online, ainda mais para a internet brasileira da época. Segundo, uma grande “seca” criativa vinha com força total.
Além disso tudo acima, as pessoas ainda estavam jogando muito Ultra Street Fighter IV. Afinal, o game trouxe bastante inovação e conteúdo adicional: a opção de escolher um entre dois ultras, red focus attack, delayed standing e o OMEGA mode. Os personagens que estavam na prisão infernal que foi Street Fighter Vs Tekken, como Hugo e Poison, se uniram ao elenco, além de Decapre, Elena e Rolento.
Street Fighter V: Receita para um lançamento desastroso
Originalmente, o jogo estava sendo desenvolvido pela Polygon Pictures, que tentou dar um tratamento mais foto-realístico à série. Vendo que o jogo não iria cair na graça do povo, a produção voltou para a Dimps, que teve que “dar seus pulos” para criar o game usando a Unreal Engine 4. Uma engine que eles desconheciam em como trabalhar, além de estarem terminando de produzir USFIV e tentando concertar Street Fighter Vs Tekken na época.
Ou seja, a Dimps não estava tendo sequer tempo para respirar, mas teve o projeto entregue em suas mãos. Isso após Polygon Pictures segurar o projeto por dois anos, gastando tempo e dinheiro no processo, mas alguns dos conceitos foram usados. Um exemplo é o Ryu barbudo e com uma pegada mais eremita, o que gostei muito. E graças a Deus descartaram M. Bison mecha.
A soma de todos esses fatores fizeram com que o lançamento inicial de Street Fighter V fosse um desastre. Mesmo com um trailer lindo, um ponto de partida narrativo incrível deixada pelo game anterior e o poder de um novo console em mãos. Infelizmente, esta é de longe uma das piores entradas da série, tanto em gameplay quanto, principalmente, em sua lore.
Restaram os modos de treino com diferentes níveis de IA, um foco total para E-sports e histórias individuais que não servem nem para tapar o buraco do dente. Fora servidores bugados, quedas de frames, ausência de tutoriais ou modo arcade, moeda que serve apenas para comprar cor de roupa e DLCs super caras empurraram ainda mais Street Fighter V para o buraco. Alguns desses problemas persistem até hoje.
Continuidade? O que é isso?
Quando descobri que Street Fighter IV se passava antes de SF3, eu torci o nariz, mas admito que gostei muito do modo história daquele game. E com a vinda do Ultra vimos Gouken, Oni (a forma suprema de Akuma) e Evil Ryu. Ou seja, teríamos em Street Fighter V um arco narrativo de cair o queixo. Só que nada aconteceu e tudo foi por água abaixo em Shadow Falls, a história contada pelo jogo.
Nada do que é apresentado em Ultra Street Fighter IV volta em sua totalidade em Street Fighter V. Necalli, o até então novo antagonista, é derrotado com apenas um só golpe de Ryu, usando uma técnica até então apresentada apenas nos mangás de Masahiko Nakahira, que chegaram a ser lançados aqui no Brasil pela New POP.
Usando o Mo No Ken, a energia oposta ao Satsui no Hado, Ryu consegue limpar sua mente e eliminar toda a dúvida e sede de sangue, banindo assim a essência de Necalli e dando fim ao seu rastro de destruição. Um personagem como esse, tão bem elaborado quanto Kotal Khan de Mortal Kombat 11, teve um final ridículo e que deixou muitos fãs sem entender, a não ser que fossem caçar um mangá obscuro.
O modo história é traduzido diretamente no gameplay de Street Fighter V: pouco risco, alta recompensa! Tantos personagens, histórias a serem contadas e ferramentas a serem utilizadas deixadas de lado para usar apenas o básico do básico da “aguinha” com açúcar.
Novos guerreiros mundiais?
Uma ideia tão criativa como Necalli ser deixada de lado é um crime para a série, que conta com personagens tão icônicos. Uma mistura do deus Huītzilōpōchtli com os monstros Tzitzimitl, algo que veio das estrelas apenas para se alimentar de guerreiros poderoso em tempos de crise sequer teve chance de enfrentar os mais perigosos, como M. Bison, Sagat, Vega e Akuma. F.A.N.G. sequer será citado, um assassino com tanto potencial baseado em uma mistura de Gen e os Cinco Venenos Shaolin.
A volta de Nash é explorada da maneira mais simplória possível e o final do modo história, onde vemos M. Bison ser derrotado pelo Mo No Ken, deixa um vão imenso na lore. Para aqueles que não conhecem tanto a série, Street Fighter IV e V se passam antes dos eventos de Street Fighter 3. Ou seja, Seth, Ed, os quatro reis e M. Bison saem de cena e abrem espaço para Gill e os Illuminatis.
Em outras palavras, alguns dos eventos que ocorrem em IV e V serão retificados mais a frente. Tendo em vista que Nash tem um grande papel a ser desempenhado durante todo o processo de narrativa de Shadow Falls, mesmo morrendo novamente ao final do game.
Fica a grande questão: o que esperar de Street Fighter VI? O próximo e elusivo título da franquia de luta parece um sonho, já que Street Fighter V teve e ainda mantém muito de seus problemas. É um jogo divertido, mas deixa a desejar no quesito inovação, arte e trilha sonora, perto de outros games da Capcom.
Os poderes da terra se unem ao fogo e gelo?
Estruturalmente, espero que Street Fighter VI seja uma mistura de Street Fighter III: 3rd Strike com Ultra Street Fighter. Uma construção criada a partir do zero com o melhor do melhor da série, onde teremos riscos e recompensas com ataques, pokes e punishers que façam sentido, ao invés de apenas recompensar saltos.
Visualmente espero que o estilo 3D continue, mas que a Capcom não tenha medo de investir pesado no estilo artístico experimental. Ainda acredito que games como Street Fighter 3, Marvel Vs Capcom 1 e 2, SNK Vs Capcom e Darkstalkers são os games com melhores estilos visuais e trilhas sonoras disparados. Ouço no trabalho, na academia, no banho e se deixar até dormindo. Por favor, Bengus, permita que alguém ressuscite seu estilo!
Agora a Capcom tem em mãos mais uma vez a chance de trazer uma história épica, capaz de rivalizar com os roteiros cinematográficos de Mortal Kombat. Com a volta de Gill, temos um vilão imponente e extremamente poderoso com fontes de inspiração vindo das culturas hebraicas, nórdicas e gregas. Uma mistura de Thor com Adônis e Jesus, considerado imperador e messias da organização Illuminati e de uma utopia futura.
Além disso, nos próximos dias, estarei trazendo o que achei do último Season Pass. Nele podemos ver pequenas pistas do que esperar do futuro da série, tendo em vista que os finais das histórias de Oro e Rose trazem mensagens relacionadas ao fim do mundo. Rose principalmente, afinal ela descobre isso pelas palavras de G.
Um misterioso personagem, uma sombra atual de Q de Street Fighter 3. Com moveset semelhante e se dizendo presidente do mundo, capaz de extrair força da própria terra. Um futuro nebuloso espera os Guerreiros Mundiais enquanto rumamos ao próximo título da série. Isso não nos impediu agora com V e não nos impedirá em VI!