Como será a sua vida daqui a 50 anos? Se essa pergunta fosse feita para um indivíduo do que viveu no século XX, certamente ele não conseguiria adivinhar as inovações que surgiram após a virada do milênio. Em meio a um mundo cuja tecnologia estava atingindo patamares inimagináveis, o gênero Cyberpunk surge como tentativa de imaginar a sociedade do amanhã, que, mesmo sendo tão avançada, não é suficiente para resolver os problemas sociais do passado.
Popularizado pela grande mídia, o gênero marca presença em filmes de grande fama como: Blade Runner, Matrix, Minority Report, Akira, entre outros. No mundo dos jogos, o universo Cyberpunk está – no momento em que esse artigo é escrito – em alta devido a eminência do lançamento de Cyberpunk 2077, jogo que é, discutivelmente, o mais esperado de 2020. Contudo, o jogo da CD Projekt não é o único a explorar esse universo de alta tecnologia e, em 1994, Shadowrun, um jogo inspirado pelo RPG de mesa homônimo, foi lançado para o Mega Drive – também conhecido como Sega Genesis na América do Norte.
So you wanna go on a shadowrun, eh?
Desenvolvido pela BlueSky Software, Shadowrun foi um pioneiro no gênero Cyberpunk. Antes de tudo, é necessário frisar que existe um jogo homônimo, lançado em 1993 e produzido pela Beam Software, no Super Nintendo. Além do nome e o universo Cyberpunk, não existe nenhuma semelhança entre os dois títulos. Cada jogo possui seus pontos fortes, sendo a releitura desse universo no console da Sega muito menos linear que o seu concorrente.
No controle de Joshua, personagem que possui três representações diferentes a serem escolhidas logo no início do jogo, você é jogado no meio da área inicial, Redmond Barrens, buscando vingar a morte de Michael, seu irmão que foi assassinado covardemente em uma emboscada misteriosa. A partir desse momento a história está em suas mãos.
É raro achar uma liberdade tão grande nos jogos da década de 1990. Quer prosseguir na história e tentar encontrar os culpados pela morte de Michael o mais rápido possível? Vá na fé, mas saiba que não será nada fácil lidar com os inimigos. Não dá para manter a guarda baixa por aqui, já que a qualquer momento as gangues rivais podem dar o ar da graça e, quando isso acontecer, você precisará estar bem equipado a fim de derrotar qualquer um que cruze o seu caminho.
Nuyen e a Matrix
Por ser inspirado em um universo previamente consagrado no RPG de mesa, Shadowrun tem fortes influências do gênero em sua jogabilidade. Pontos de habilidade, itens mais fortes, companheiros de batalha e até mesmo novas tecnologias podem ser desbloqueadas ao longo do jogo. Obviamente a maioria desses aspectos já eram comuns até mesmo em jogos da época, mas Shadowrun consegue dar um passo além nesses conceitos.
Seus possíveis companheiros são recrutados utilizando o Nuyen – uma espécie de moeda virtual tecnológica. Dependendo da quantia de dinheiro demandada, eles poderão ficar com você por apenas um trabalho ou até o final de sua jornada. As formas de se obter dinheiro variam, sendo a mais comum a realização de trabalhos oferecidos pelos Mr. Johnsons, personagens que, a mando dos chefões das corporações, negociam com os mercenários, oferecendo dinheiro em troca da realização de algum serviço sujo. Além do dinheiro, esses trabalhos aumentam a reputação do personagem, disponibilizando interações com as diferentes facções do jogo.
Contudo, caso trabalhar para os outros não seja a sua praia, há outra maneira bem interessante de se conseguir dinheiro: explorar a Matrix. Não, esse não se trata daquele famoso chip do PlayStation 2 ou daquela realidade virtual representada no filme do mesmo nome, a Matrix em Shadowrun é simplesmente uma rede global de computadores acessada através de cyber-terminais. Uma vez conectado dentro desse ambiente, a perspectiva do jogo muda radicalmente, onde o personagem assume uma persona virtual e pode navegar livremente entre os diversos pontos da rede. Existem uma infinidade de ações, melhorias e ataques a serem realizadas e, caso o ataque seja um sucesso, as informações obtidas e armazenadas podem ser vendidas a preço de ouro.
Uma pérola do Mega Drive
Como dito anteriormente, adaptações dos RPGs de mesa para os jogos, mesmo o início da década de 1990, não eram raras. Entretanto, Shadowrun é, na minha opinião, uma das experiências mais inovadoras da época, um projeto ambicioso que não teve o seu devido reconhecimento.
Ao contrário do que se pode imaginar para o gênero, o combate não era em turnos, mas sim em tempo real. A dinâmica das lutas pode ser meio estranha, porém esse é um elemento bem incomum e que diferenciava esse título de outros RPGs como, por exemplo, Final Fantasy e Shining Force. A mescla entre poderes mágicos e armas tecnológicas dá um toque especial ao jogo.
As relações entre as gangues também são bem complexas. De acordo com o nível de reputação, Joshua pode pedir proteção contra os ataques de uma gangue e, se for influente o suficiente, poderá escolher entre duas máfias para se associar. Os detalhes dos personagens e a história fluem através de textos descritivos, o que aumenta a imersão e dá aquela sensação de RPG de mesa.
Todas essas características são interessantes por si só, mas a Matrix é o que dá um toque especial a Shadowrun. A ideia de um mundo virtual paralelo, onde o caos e a imprevisibilidade imperam, é algo que nenhum dos jogos Cyberpunk posteriores conseguiu emular. As mecânicas mudam totalmente dentro da Matrix, onde a persona virtual de Joshua, cujas melhorias e habilidades devem ser gerenciadas individualmente, pode ser considerada um personagem a parte.
É muito bom ver a temática Cyberpunk fazendo sucesso além dos filmes. O hype proporcionado por Cyberpunk 2077 foi provavelmente um dos maiores da indústria dos jogos, o que é esperado devido aos detalhes apresentados nos trailers e a fama da CD Projekt. Entretanto, o gênero possui outros jogos que, por motivos diversos, não atingiram o sucesso esperado. Shadowrun é mais uma das pérolas escondidas no Mega Drive, um jogo que certamente estava apresentava conceitos além do seu tempo, mas que, infelizmente, não foram aproveitados posteriormente.