A primeira vez que vi Evil Dead, ou “Noite Alucinante”, como foi estupidamente batizado por aqui, foi em sala de aula. Tínhamos uma professora de Educação Artística que claramente não sabia o que estava fazendo, mas ela faltou à aula um dia e pediu para a direção passar um filme no videocassete para cobrir o tempo vago. Nunca soube se foi ela que escolheu o VHS ou o estagiário da escola estava com o filme alugado na mochila e mandou bala.
Então, tente imaginar uma sala lotada de adolescentes de 15 anos assistindo um filme de terror com a permissão da escola. Entre risadinhas dos rapazes, gritos assustados das garotas, bola de papel voando e palavrões, é difícil manter a concentração necessária para uma experiência verdadeiramente imersiva. Mas, gradualmente, enquanto o filme ia passando na tela minúscula da TV de tubo, o silêncio foi se instalando. Ou talvez meus ouvidos tenham se fechado para tudo que não fosse a história de Ash e seus amigos naquela fatídica cabana abandonada no meio do mato.
A mata ganhando vida para molestar barbaramente uma vítima, a criatura trancada no porão, a morte visceral de pessoas queridas, a zombaria dos demônios, a lenta descida do personagem principal para a insanidade, tudo isso transformava Evil Dead em uma experiência muito mais grotesca do que estava acostumado em termos de filmes de horror. Apesar da década de 80 ter amansado um pouco essa fera justamente para agradar à audiência da pipoca e das risadinhas, o filme de estreia de Sam Raimi ainda trazia uma fúria e uma honestidade nunca vista antes por mim, um soco no estômago capaz de impactar mesmo em uma sala lotada.
O diretor ainda faria mais duas continuações depois do filme inicial, criando uma franquia que optou por uma guinada para o cômico. O humor era um elemento que já aparecia na primeira produção, mas estava soterrado debaixo de desmembramentos, estupro, horrores inomináveis além da aurora dos tempos e medo primitivo. Uma refilmagem foi realizada em 2013, mas o fãs queriam uma continuação autêntica. A eterna promessa de um quarto filme acabou se concretizando na forma de uma série para a TV, que trouxe de volta o carismático protagonista Ash em sua batalha interminável contra as forças do Inferno.
Embora Evil Dead tenha nascido como um curta-metragem de 1.600 dólares entre amigos, seu horror escancarou as portas para Sam Raimi iniciar sua carreira em Hollywood, transformou o canastrão Bruce Campbell em um herói do gênero amado pelos fãs e deu origem também a uma longa série de jogos eletrônicos baseados em seu universo.
The Evil Dead (1984)
Anos depois que o filme estreou no circuito alternativo de cinemas, com um faturamento muito acima do seu orçamento, mas ainda decepcionante para os padrões da indústria, o filme chegou ao VHS em 1983, para se tornar um sucesso e um culto entre os fãs. No ano seguinte, recebia seu primeiro jogo, para BBC Micro e Commodore 64, os PCs da época.
The Evil Dead foi distribuído em forma de fita cassete e reproduzia, da forma que dava, os combates entre Ash e uma invasão de demônios naquela fatídica cabana. O jogador dispunha de armas que apareciam, mas deveria tomar um cuidado muito especial em proteger portas e janelas, para evitar que os espíritos malignos entrassem e possuíssem seus amigos, que se tornavam mutantes esverdeados que precisariam ser destruídos. A única forma de vencer o jogo era acumulando pontos o suficiente para materializar o Livro dos Mortos e jogar o volume profano na lareira, para banir o Mal em definitivo.
Evil Dead: Hail to the King (2000)
Dezesseis anos se passariam até que a THQ adquirisse os direitos de uso da franquia cinematográfica e iniciasse o que pode ser chamado de uma trilogia em forma de jogos eletrônicos. O primeiro deles foi lançado para Dreamcast, PlayStation e Windows e funcionava como uma continuação oito anos depois dos eventos vistos em “Army of Darkness”. Ash é agora um herói mais experiente e menos relutante e retorna para a cabana onde tudo começou para um acerto de contas.
Para essa empreitada, a THQ não mediu esforços e contratou o próprio Bruce Campbell para dublar as falas do seu personagem mais famoso. Mas isso não salvou o título de pesadas críticas, devido a problemas de câmera parada (uma ironia, dada a forma como Sam Raimi sempre brincou com uma câmera nervosa nos filmes), bugs na versão para PC, um combate travado com animações de péssima qualidade e buracos no roteiro pelos quais poderiam passar demônios inteiros.
Evil Dead: A Fistful of Boomstick (2003)
A THQ tentaria novamente três anos depois, desta vez para PlayStation 2 e Xbox, deixando o PC de lado. Ash está de volta e o roteiro é bem mais ambicioso: o herói consegue viajar no tempo para diferentes eras para testemunhar o início de uma invasão demoníaca e tentar encontrar uma forma de alterar o destino. Além da sua indefectível motosserra e “pau de fogo”, o veterano conta agora também com feitiços especiais (relâmpagos, possessão e mais) e até granadas para despachar o exército das trevas de volta para o Inferno.
Bruce Campbell retorna para a dublagem e consta que ele contribuiu também para a direção que o jogo seguiria. Talvez isso tenha influenciado no resultado final, ainda longe de ser uma obra-prima, mas bastante superior ao jogo anterior. A câmera agora é livre, o cenário está todo aberto para exploração, há missões dadas por personagens no cenário e o combate é considerado mais satisfatório, mas a repetitividade dos níveis e má qualidade dos gráficos depuseram contra o jogo em seu lançamento.
Evil Dead: Regeneration (2005)
A última tentativa da THQ aconteceu apenas dois anos depois do título anterior. Além do PlayStation 2 e do Xbox, o jogo também foi lançado para Windows. Como já havia acontecido, os desenvolvedores ignoraram completamente os outros jogos e esse aqui funciona como uma continuação direta para o segundo filme: Ash não é um herói, mas o único sobrevivente do massacre dos amigos naquela cabana e está trancado para tratamento em um asilo psiquiátrico. É óbvio que ele não é louco: demônios invadem o lugar e ele precisa mais uma vez lutar pela sua sobrevivência.
O próprio diretor do sanatório está com o Livro dos Mortos e o ciclo de horror se reinicia. Mas a grande novidade do jogo é Sam, um anão metade humano, metade demônio que passa a atuar como assistente de Ash e a jogabilidade pode se alternar entre os dois. Bruce Campbell é Ash outra vez enquanto Sam é dublado por Ted Raimi, irmão de Sam Raimi e seu eterno parceiro de filmagens. O título privilegia mais a ação e o humor e a mistura foi bem recebida pelos jogadores, que o consideram o melhor da “trilogia” da THQ.
Army of Darkness: Defense (2011)
Um novo hiato nas aventuras de Ash nos jogos eletrônicos seria quebrado após anos com um… tower defense para dispositivos móveis (Android e iOS). O jogo se inspira fortemente no enredo do terceiro filme, ambientado na Idade Média e que culmina com um cerco de esqueletos ao castelo onde o herói se encontra. Aqui, o jogador é o estrategista que deve posicionar Ash e seus aliados para enfrentar dezenas de ondas demoníacas que desejam chegar até o Livro dos Mortos.
Muitos dos personagens em ambos os lados da luta foram tirados do filme, mas a mecânica é fiel ao gênero que tornou Plants vs Zombies tão famoso: há recursos para serem coletados (no caso, ferro para o ferreiro), que podem ser utilizados para posicionar unidades cada vez mais poderosas. O próprio Ash é o principal defensor do castelo, munido de uma mão mecânica (que pode ser evoluída para inseparável motosserra) e um “pau de fogo”.
Evil Dead (2011)
Mas 2011 também veria outro jogo de Evil Dead sendo lançado para dispositivos móveis (iOS somente), com uma atmosfera um pouco mais fiel ao clima de horror e violência da série cinematográfica, mas trazendo versões “fofinhas” dos personagens. Mas não deixe os cabeções de animação enganarem você: o sangue e a podreira vertem na forma de um hack and slash bem caprichado. A jogabilidade é alternada com momentos de exploração, resolução de enigmas e saltos em plataformas.
O primeiro terço do jogo segue da melhor forma possível os eventos do filme clássico, mas o restante da trama parte para uma história inédita com os mesmos personagens. Ao todo são trinta níveis disponíveis com uma grande variedade de inimigos e o jogo acabou arrancando elogios da crítica como uma justa celebração aos 30 anos do lançamento original do primeiro filme. A homenagem ainda inclui parte da trilha sonora e falas que os fãs já conhecem de cor.
Evil Dead: Endless Nightmare (2017)
Um novo hiato de seis anos veria Ash retornando mais uma vez aos dispositivos móveis (Android e iOS), mas desta vez aproveitando o salto tecnológico nas plataformas e com gráficos que finalmente ultrapassam o que já foi feito nos consoles e no PC. É a primeira vez que a franquia apresenta uma perspectiva em primeira pessoa, colocando o jogador no papel de Ash, mas visualizando somente suas armas enquanto tenta escapar da cabana amaldiçoada, atravessando uma floresta assombrada lotada de monstros demoníacos.
A jogabilidade é básica: avance o máximo que puder pela mata, até a morte inevitável. No caminho, o jogador acumula pontos que podem ser empregados para adquirir ou aperfeiçoar armas que irão ajudá-lo a chegar ainda mais longe em sua fuga desesperada. Como já é comum na indústria, os mais impacientes podem pagar por pacotes de pontos ou melhorias instantâneas. A ausência de um enredo que explore mais a fundo seu universo o torna uma aposta casual, apenas levemente inspirada em Evil Dead.