A Darkside Books lançou Parasite Eve, um dos romances de terror biológico mais influentes da literatura japonesa, escrito por Hideaki Sena. Publicado originalmente em 1995 no Japão, o livro chega aos leitores brasileiros no aniversário de 30 anos de sua publicação original, sendo uma das apostas mais interessantes da editora especializada em horror para 2025.
Para os fãs de games, especialmente aqueles que cresceram com o PlayStation, o nome Parasite Eve ressoa imediatamente como o aclamado RPG de survival horror lançado pela Square (atual Square Enix) em 1998. No entanto, poucos sabem que antes de se tornar um ícone dos videogames, a história nasceu das mãos de um farmacologista japonês que transformou seu conhecimento científico em uma narrativa aterrorizante sobre mitocôndrias rebeldes e horror corporal.

Hideaki Sena, doutor em Farmacologia nascido em 1968 em Shizuoka, escreveu Parasite Eve enquanto cursava seu doutorado na Universidade de Tohoku. Durante esse período, seu trabalho diário consistia em testar mitocôndrias com diversos medicamentos para verificar sua capacidade de converter ácidos graxos em energia. Essa experiência prática conferiu ao romance um realismo científico impressionante, transformando conceitos de biologia molecular em terror palpável.
Horror científico nas mãos de um pesquisador
A premissa do livro é ao mesmo tempo fascinante e perturbadora. E se as mitocôndrias, minúsculas estruturas celulares responsáveis pela produção de energia em nosso corpo, decidissem retomar sua autonomia e se rebelar contra seus hospedeiros humanos? A obra se baseia na teoria da simbiogênese, que propõe que as mitocôndrias foram originalmente parasitas independentes que, ao longo de bilhões de anos, estabeleceram uma relação simbiótica com nossas células.

A narrativa acompanha Toshiaki Nagashima, pesquisador especializado em biologia molecular que perde sua esposa Kiyomi tragicamente em um acidente. Desolado pela perda, Toshiaki decide cultivar em laboratório as células do fígado de Kiyomi. O que parecia ser apenas um experimento movido pela dor se transforma em um pesadelo, pois a cultura celular, apelidada de Eve1, não apenas sobrevive, mas desenvolve inteligência própria, manipulando eventos ao seu redor com o propósito sinistro de transcender os limites da condição humana.
Sena constrói cenas de horror visceral inesquecíveis, transformando sequências românticas em horror grotesco, com pele se liquefazendo e órgãos pulsantes se contorcendo. O romance equilibra violência gráfica, perversão sexual e embasamento científico de maneira que lembra os grandes clássicos do gênero, particularmente a história de Frankenstein, com Toshiaki assumindo o papel do cientista dominado pelo próprio orgulho, incapaz de prever o caos que sua obsessão desencadeará.

O impacto de Parasite Eve foi tamanho que a obra conquistou o Japan Horror Novel Award, tornando-se o primeiro vencedor do prêmio. Sena também recebeu o Nihon SF Taisho Award por seu trabalho subsequente, Brain Valley.
Apenas dois anos após a publicação do livro, em 1997, Parasite Eve ganhou uma adaptação cinematográfica japonesa dirigida por Masayuki Ochiai. O filme mantém a premissa central do livro, focando no cientista Toshiaki Nagashima e explorando o terror biológico e o drama psicológico da obra original, embora com algumas alterações na trama.
Da ciência para a ação
A produção cinematográfica serve como uma ponte importante entre o livro e o jogo, funcionando essencialmente como uma adaptação direta do romance e, consequentemente, como um prólogo para o game que viria um ano depois. Para os jogadores que desejam uma compreensão mais profunda do universo de Parasite Eve, o filme oferece contexto valioso sobre os eventos que precedem a trama do videogame.

Lançado em março de 1998 no Japão e em setembro do mesmo ano nos Estados Unidos, Parasite Eve para PlayStation não é uma simples adaptação do livro, mas sim uma continuação narrativa. Desenvolvido e publicado pela Square (hoje Square Enix), o jogo foi uma aposta ousada da empresa, que na época estava no auge de seu sucesso com títulos como Final Fantasy VII e Chrono Trigger.
O projeto foi dirigido por Takashi Tokita, veterano respeitado que havia trabalhado em Chrono Trigger e Live A Live, com design de personagens de Tetsuya Nomura (Final Fantasy VII, Kingdom Hearts) e trilha sonora composta pela lendária Yoko Shimomura, que mais tarde se tornaria conhecida mundialmente por seu trabalho na série Kingdom Hearts.

Apesar de compartilharem o mesmo universo conceitual e tema central, com foco na rebelião das mitocôndrias, o livro e o jogo de Parasite Eve oferecem experiências dramaticamente diferentes.
O romance de Sena é cerebral e metódico, construindo tensão através de explicações científicas detalhadas e explorando as implicações filosóficas de consciências mitocondriais. O primeiro terço do livro lê-se quase como um journal acadêmico, estabelecendo credibilidade científica antes de mergulhar no horror. A antagonista Eve1 não se revela completamente até a página 216 de 299, permitindo que o terror se acumule gradualmente.

Em contraste, o jogo é frenético e orientado para ação desde o início. A cena de abertura no Carnegie Hall, com combustão espontânea em massa e a revelação dramática de Eve, ocorre nos primeiros cinco minutos de gameplay. A necessidade de manter os jogadores engajados através de mecânicas interativas exigiu que o ritmo fosse muito mais acelerado que o do livro.
Para os fãs de games, ler o livro oferece uma compreensão mais profunda do universo que a Square criou, revelando as fundações científicas e filosóficas que sustentam a trama do videogame. Para os leitores que nunca jogaram o game, é uma obra de horror científico que se mantém por seus próprios méritos — um thriller biológico que combina rigor acadêmico com terror visceral de maneira que poucos autores conseguiram replicar.

A edição da Darkside Books chega em formato de luxo, com capa dura, e 320 páginas, traduzidas por Ayumi Anraku, mantendo o padrão de qualidade pelo qual a editora é conhecida. Com brindes exclusivos para quem realizar a compra pelo site, o lançamento celebra dignamente os 30 anos de uma obra que transformou tanto a literatura de horror japonesa quanto os videogames de survival horror.
Parasite Eve permanece um exemplo fascinante de como uma obra pode transcender seu meio original, inspirando adaptações que, embora dramaticamente diferentes em tom e abordagem, capturam o espírito essencial de terror biológico e questionamento científico que fez o original tão impactante.


