E estamos com a mesma história de novo… Neste fim de semana, saiu mais uma história de companhia tentando dirigir reviews. A revista alemã Computer Bild Spiele soltou no seu número deste mês um mini-comunicado dizendo que a Ubisoft teria exigido uma nota “sehr gut” (ou seja, “muito bom”) para Assassin’s Creed 2 antes de enviar uma cópia de avaliação do game para a revista. Como eles não aceitaram a exigência, não receberam o jogo. Então, botaram a boca no trombone e avisaram que apenas vão fazer o review quando conseguirem uma cópia do jogo (ou seja, depois que o jogo sair nas lojas).
Como qualquer leitor minimamente bem informado saberá, não é a primeira vez que a gente lê sobre algo assim. Mas é uma coisa raríssima que uma publicação fale sobre publishers abertamente, com nomes e sobrenomes. A única vez em que me lembro de uma companhia falando sobre isso e dando nomes foi no ano passado, quando o Dan Hsu soltou um editorial na EGM (na época ele ainda era o editor-chefe da finada revista) dizendo que eles tinham entrado na lista negra da Midway, do departamento de jogos esportivos da Sony e da Ubisoft, por causa de reviews desfavoráveis – para acrescentar mais bílis na história, o problema da EGM com a Ubisoft foi causado pelo review de… Assassin’s Creed.
Sim, houve outros comentários nesse estilo: o editor demitido da Gamespot supostamente por um review desfavorável de Kane & Lynch, rumores de que a Eidos estava oferecendo reviews antecipados de Batman: Arkham Asylum para quem desse a maior nota… Sem contar a suspeitíssima nota 10 da IGN para seu review antecipado de GTA IV. Mas sempre foram rumores sem confirmação oficial de uma das partes.
E vamos ser sinceros: publicar isso que os alemães publicaram sem ser verdade seria uma idiotice sem tamanho. Porque, seja verdade ou não, essa revista não vai mais receber nem uma jujuba da Ubisoft – e não estamos falando de jogos para reviews, estamos falando de algo muito mais substancial, como anúncios. Claro que a gente pode entrar de cabeça numa vibe conspiratória e dizer que havia algum concorrente morrendo de medo do lançamento de Assassin’s Creed 2 e pagou pra eles soltarem essa calúnia – claro que pra isso a gente teria que acreditar que tem alguém que realmente acha que Assassin’s Creed 2 vai roubar vendas de outros jogos.
Minha opinião sobre isso é a pior possível: não acho que tenha ninguém errado nessa história. Sim, parece que estou compactuando com os safados. Mas existe uma maneira bem cartesiana de analisar: vamos supor que a revista tivesse aceitado a oferta. Alguma lei teria sido quebrada? Obviamente, não. Não existe nenhuma lei que obrigue um meio de comunicação a ter opiniões absolutamente isentas (mesmo porque, se fosse assim, não haveria meios de comunicação).
Claro, existe o problema da ética. Bem, meninos e meninas, infelizmente tenho que dar uma notícia ruim para vocês: o mundo ideal é algo que não existe, tipo o Papai Noel. Se alguma empresa tiver que escolher entre o dinheiro e a ética, não será uma escolha difícil, com certeza. A ética apenas é uma alternativa se for possível não perder dinheiro com ela – e isso vale para qualquer um.
Agora, vou colocar a bunda na janela e estudar a posição do Gamerview. Mas, antes de tudo, vou colocar um disclaimer em negrito, pra deixar tremendamente claro:
A opinião que vou colocar aqui é minha e exclusivamente minha. Não estou refletindo aqui a posição do Gamerview, dos demais colaboradores, nem das empresas mencionadas. Qualquer coisa que eu diga sobre outras pessoas ou entidades que não sejam eu mesmo não tem nenhum fundo de verdade, é apenas pura suposição de minha parte.
OK, vamos lá: o Gamerview hoje é um site pequeno, não tendo o peso de um UOL Jogos ou de uma EGW. Logo, não temos a capacidade de atrair atenção desses gigantes, então é muito mais difícil ganhar regalias como jogos para avaliação. Mas graças às infinitas capacidades e agenda telefônica recheada de nosso chefe, ainda recebemos convites para lugares legais onde se pode bebericar vodca e mordiscar canapés de salsicha. Bem, pelo menos o chefe recebe, eu ainda estou esperando pra ver se ele vai me mandar pra E3 ou pra Games Convention em Leipzig no ano que vem – com as despesas pagas, claro. E vocês devem saber que videogame é um passatempo caro pra burro. Então, comprar trocentos jogos por mês (bem, não compramos trocentos, mas vocês entenderam) e manter todo o equipamento necessário para avaliá-los é um gasto considerável.
Digamos que a Microsoft considere que a gente tem potencial e quer fazer uma “parceria”, enviando um Xbox 360 debug para poder rodar versões beta, enviando essas versões para hands-on prévios ao lançamento, brindes caros para sortear para os leitores (e alguns para os colaboradores) e comprando uma bela duma cota de patrocínio. Em troca, eles pedem apenas que a gente dê “prioridade” para matérias sobre o Xbox 360 e que sejamos mais “lenientes” nos reviews de seus jogos. O que você faria?
Eu, como colaborador, mandaria eles irem pastar. Mas claro, eu sou apenas um colaborador do site, eu tiro dinheiro pra pagar as minhas contas de outro lugar, então posso. O que faria o chefe, sabendo que as contas dariam uma tremenda melhorada aceitando uma proposta dessas? Apenas ele pode dizer – mas todo mundo que tem que manter uma casa sabe que isso é muito mais fácil quando entra mais dinheiro.
Se estamos falando de um site ou revista grande, fica mais fácil de sustentar a sua ética. E ainda assim não muito. Na época do Super Nintendo, praticamente existiam apenas dois meios de informação sobre videogames no Brasil: a Ação Games e a Gamepower. Hoje em dia, com as revistas, os sites, os blogs, os fóruns, os twitters, não só do Brasil mas do mundo todo, todo mundo tem literalmente milhares de concorrentes. Então todos precisam de uma vantagem competitiva pra sobreviver. Aí, se alguém te oferece algo, fica difícil de dizer não – porque, se eu não pegar algo que pode ser uma vantagem sobre o meu concorrente, quem vai pegar vai ser exatamente o meu concorrente, e aí ele vai ter uma vantagem sobre mim.
E a mesma coisa vale para os publishers: estou correndo os 100 metros rasos contra o meu concorrente. Se ele oferece mundos e fundos para sites publicarem coisas boas sobre eles e eu não faço a mesma coisa, é como se eu estivesse começando a corrida saindo 30 metros atrás, com uma pedra de 20 quilos amarrada na cintura e os cordões do sapato amarrados.
Não estou dizendo que todo mundo faça isso, obviamente. O trabalho de relações públicas das companhias pode ser totalmente ético, oferecendo coisas que auxiliem o trabalho dos meios de comunicação sem pedir nada em troca. Existem dezenas de companhias sobre as quais nunca houve nenhum rumor falando coisas. Da mesma forma, uma revista ou site pode aceitar ajudas das companhias, como jogos para avaliação, sem ter que se dobrar a nenhuma exigência. É algo totalmente ético e que ajuda todo mundo.
Logo, a única coisa que posso recomendar pra quem estiver lendo: desconfie de tudo que você lê. Não precisa achar que todo mundo é desonesto, porque isso seria tremendamente injusto com os honestos (que são sim a tremenda maioria), mas não aceite qualquer coisa como verdade absoluta. Desconfie mesmo da gente: eu posso botar a minha mão no fogo pelo Vinícios Duarte e pelos meus companheiros de site, mas eu os conheço – e me conheço também, e sei que se souber de alguma coisa que vai contra a minha ética particular eu deixe de colaborar para o site. Mas você, leitor, não conhece, então precisa desconfiar. Leia muitos reviews e analise tudo que você puder antes de tomar qualquer decisão. E obviamente, isso vale não apenas para videogames.