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Faz algum tempo que Phil Spencer vem batendo na tecla de que o que importa de verdade é a relação e o engajamento dos usuários perante os jogos e serviços do Xbox, com o objetivo de transformar jogadores em fãs da marca. A própria retrocompatibilidade, mesmo não sendo o carro chefe em termos de engajamento, é um ótimo exemplo de fan-service. Entretanto, uma das maneiras mais legais em que a empresa investe para transformar a marca Xbox em mais do que apenas uma marca de videogames é a inclusão. Através da criação de novas funcionalidades e da expansão de outras, a Microsoft foge do discurso demagógico e parte para a linha de frente ao abraçar minorias em seus jogos, serviços e produtos.

Quem pode, joga. E quem não pode, joga também!

Em Janeiro deste ano, a Microsoft, em uma de suas atualizações de sistema do Xbox, lançou a nova função de copiloto. Esta função permite que as pessoas consigam mapear diferentes botões e funções para diferentes controles. Ou seja, eu posso delegar a função de movimento do direcional analógico esquerdo para o controle 1, enquanto os gatilhos RT e LT ficam ativos apenas no controle 2. Do ponto de vista de tecnologia, a implementação dessa nova função não exige muito investimento ou esforço, mas do ponto de vista de relacionamento e impacto para a comunidade essa atualização foi um lacre!

A função copiloto basicamente transforma dois controles em um.

Para pessoas que possuem todas as suas capacidades físicas e cognitivas intactas e plenas, talvez essa função copiloto não faça muita diferença ou não desperte muito interesse. Entretanto, para aqueles com necessidades especiais, que passaram a vida toda jogando no modo super ultra very hard simplesmente porque videogames não são projetados com eles em mente, talvez essa iniciativa apresente grande valor. Sejam essas necessidades especiais de origem motora ou cognitiva, a função copiloto permite mais autonomia, além de possibilitar que outra pessoa auxilie na jogatina, para tarefas mais difíceis de serem realizadas. Clap clap clap!

Seu avatar, suas regras

Durante a E3 2017, a Microsoft também divulgou outra iniciativa muito legal para a comunidade em volta da marca Xbox: a versão 2.0 do seu sistema de Avatares. Nessa nova atualização, prevista para ser lançada até o final do ano, jogadores e jogadoras poderão criar seus avatares sem que haja uma restrição de identidade de gênero e também têm a possibilidade de criar avatares com deficiência física.  Confira no vídeo abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=oBfB7kuk1lA&t

Para quem não conhece, o sistema de Avatar do Xbox foi introduzido ainda no Xbox 360 e possibilita que todos os usuários da plataforma criem representações cartunescas de si mesmos dentro do videogame. Como escrevi em meu texto sobre o futuro do Xbox One, o sistema de Avatares do Xbox é um marketplace que parece fazer sucesso entre os usuários, já que a Microsoft sempre continuou investindo em pacotes de acessórios e novidades para este produto. Entretanto, é muito bom notar que a nova atualização irá além de upgrades cosméticos e parte para um destino muito mais inclusivo. É diversidade, manas!

Jogos para todos

Durante uma entrevista para o Xbox Daily no E3 2017, Katy Jo Wright – diretora do projeto Gaming for Everyone (Jogos para Todos) da Microsoft – explicou um pouco sobre a iniciativa que opera em toda a plataforma de jogos da empresa. Além de falar do já citado sistema de copiloto, Katy também falou um pouco sobre como é importante para que os jogos exclusivos do Xbox ou publicados pela Microsoft Studios sejam sempre acolhedores e sobre como já há um grande esforço por parte da iniciativa Gaming for Everyone de fazer com que esses jogos tenham elementos de customização inclusos no escopo do projeto, citando o novo Forza Motorsport 7, Crackdown 3 e Sea of Thieves como exemplos deste posicionamento. Segundo Katy, personalizar a própria experiência de jogo em toda sua plenitude é o que realmente torna os videogames modernos incríveis.

E me parece que a Microsoft de fato tem uma mão bem pesada no conteúdo exclusivo que lança na linha de consoles Xbox. Enquanto eu escrevia este texto, tentei encontrar jogos exclusivos da última geração para Xbox One que fugissem dessa ideia mais inclusiva ou respeitosa e, embora nem todos os jogos possibilitem a customização de personagens e nenhum deles represente personagens com deficiências de forma direta, eu também não consegui achar nenhum exemplo que fosse desrespeitoso com algum tipo de minoria. Ora, se a Microsoft possui uma área diretamente focada em estabelecer padrões de inclusão em seus conteúdos e serviços voltados a games, é porque realmente o tema é levado a sério.

Além das novas opções de assistência para jogadores inexperientes ou com deficiência, Forza 7 também irá oferecer pela primeira vez um sistema de customização de avatar.

Big N e Sony, cadê vocês?

Recentemente publicamos uma das notícias de maior acesso aqui no Gamerview sobre o patrocínio da marca Playstation para a “Parada Gay” de Londres. Fazendo eu parte desse grupo maravilhoso e seleto de pessoas cheias de glitter, também conhecidas como homossexuais, devo dizer que achei muito legal essa iniciativa. No entanto, tirando o impacto de propaganda para a marca em si, esse movimento da Sony não atinge diretamente os usuários de Playstation ou os serviços e produtos ofertados pela marca. Pode-se ver que o cuidado com o conteúdo dos jogos exclusivos da Sony em relação a minorias no geral também parece ter critérios um pouco randômicos. Por um lado, temos jogos como Horizon, com sua personagem principal sendo uma mulher forte e determinada; por outro, temos jogos como Persona 5, cheio de sexismos e representações ofensivas. Por mais que eu entenda que as vezes existe um exagero em cobrar representatividade em tudo, fica difícil acreditar no discurso a favor das minorias de uma empresa que hospeda um produto que representa essas mesmas minorias de forma tão equivocada. Falta coerência entre discurso e atitude, além de não haver nenhum projeto nítido de inclusão e acessibilidade nos planos da Sony para o Playstation dentro de um futuro próximo.

Por sua vez, a Nintendo tem uma longa história nos videogames e, por ser a mais experiente das três grandes, sua contribuição para esse tema deveria ser bem mais ampla, na minha opinião. Embora a criação dos avatares Mii nos consoles da Nintendo possibilitem uma maior fluência na representação de gênero, a empresa é famosa por criar jogos binários que forçam a jogadora a escolher entre apenas dois gêneros possíveis, menino ou menina, como nos jogos Pokémon, Animal Crossing e Splatoon. Entretanto, em Pokémon Go, a Nintendo parece ter dado uma abertura para essa questão de representatividade de gênero depois que alterou a tela de escolha de avatar de “escolha entre menino ou menina” para “escolha seu estilo”. Mesmo que Pokémon Go não seja produzido, desenvolvido ou distribuído pela Nintendo em si, a propriedade intelectual do que acontece no jogo ainda é da Nintendo, e as funções e sistemas do jogo claramente devem passar pelo aval da empresa antes de serem implementadas. Claro que ninguém é obrigado a incluir esse tipo de escolha dentro de um jogo, mas se a empresa opta por desenvolver um produto contemporâneo que possibilita a escolha de um avatar, é preciso incluir opções étnicas e de gênero que representem a variedade da nossa sociedade. Mesmo que, de início, o jogo apresente escolhas binárias para fins de personalização, é importante que opções mais avançadas e livres sejam dadas a jogadora que deseja ter a sua identidade melhor representada, como é o caso de jogos como Sunset Overdrive, Dark Souls 3 e Mass Effect: Andrômeda.

Exemplo da nova tela de seleção de personagens em Pokemon Go.

Acessibilidade não é brinquedo

Embora tanto a Sony quanto a Nintendo também possuam configurações básicas de acessibilidade em seus consoles, é preciso entender que poder navegar nos menus de cada console não é bem o que pessoas com habilidades limitadas querem de verdade quando estamos falando de videogames. Na verdade, navegar em menus não é o que nenhuma pessoa quer em videogames. A Nintendo pode parecer mais próxima do objetivo por criar consoles e jogos que abraçam uma audiência menos familiarizada com videogames, mas isso não quer dizer que seus produtos sejam acessíveis em si. Claro que a Microsoft ainda tem um produto pensado para a maioria em mente. Mesmo com a ótima função copiloto, é difícil imaginar o Xbox One como um produto acessível de fato. Um próximo passo para a empresa poderia ser a criação de controles específicos para este público, talvez uma interação Kinect + voz + movimento + joystick? Não é impossível criar jogos de cartas ou RPGs onde comandos de voz ou movimentos sejam o mecanismo de jogabilidade primário. Fica a dica 😉

De qualquer forma, a iniciativa da Microsoft de sair da inércia e tomar a frente criando produtos e serviços com inclusão e acessibilidade em mente é muito encorajador e saudável para a indústria. Ainda mais por saber que a empresa possui um departamento como o Gaming for Everyone, focado especificamente em garantir a implementação desses temas dentro dos jogos que possuem o selo Xbox / Microsoft em suas caixas. Talvez o pioneirismo da Microsoft em mostrar que não é somente possível, como também rentável, apoiar de forma direta o debate sobre inclusão e acessibilidade nos videogames seja o primeiro passo necessário para que outras empresas e, principalmente, desenvolvedores tenham mais consciência durante o processo de criação dos seus jogos e hardwares. Dedos cruzados!