No GamerSpeak 50, o Vinicios, o Heitor e o Zabeto comentaram um pouco sobre livros de videogames. Cheguei a colocar um comentário no post, mas resolvi fazer uma coluninha com as recomendações que fiz ali, incluindo um novo que estou “em processo de leitura”.
Começando pelos primeiros. Mondo Pixel é uma série de livros de ensaios (foram publicados dois volumes, com o terceiro previsto para sair ainda este ano). Os livros são editados por John Tones, aliás Pedro Berruezo, antigo editor da fantástica (e finada) revista Superjuegos Extreme, e atual editor da edição espanhola da Official Playstation Magazine. Berruezo escreveu com bastante clareza qual a filosofia que ele e seus cúmplices no projeto queriam implementar:
“(…) a documentação, algumas vezes exata, outras vezes subjetiva, mas sempre honesta, de tudo que diga respeito ao mundo da criação e da indústria dos videogames, desde o mais leve átomo indie até a mais titânica estrutura mainstream.”
E com certeza estão cumprindo o que prometeram. Os ensaios de Mondo Pixel são algumas das obras mais geniais que cheguei a ler sobre videogames. Matérias detalhadíssimas sobre temas mais “comuns” (Pac-Man, Fallout, Silent Hill), ensaios sobre influências culturais diversas, grandes matérias sobre como vêm evoluindo no tempo temas como os FPS, o Uncanny Valley e a criação procedural nos games… Sem contar as entrevistas, reviews e outras matérias pouco comuns, sobre trilhas sonoras de games e embalagens (!).
Sem contar o toque de gênio: os livros vêm com uma espécie de suplemento chamado Hardcode, dedicado exclusivamente ao game independente. Ver como isso é tratado de uma maneira separada mostra como a equipe respeita e apóia a cena indie.
Às vezes algum ensaio peca pela cabecice extrema (a maneira como defendem a influência de Hundertwasser em Katamari é um dos momentos mais WTF da literatura sobre videogames), mas fora esses poucos momentos os livros são uma leitura fantástica, obrigatória para todo mundo que quiser conhecer mais sobre o tema.
Obviamente, os livros estão em espanhol, e exigem um nível alto para compreensão completa (aviso porque sei que muita gente no Brasil pensa que sabe espanhol, mas na verdade não sabe), então estejam avisados. Para quem quiser se arriscar, os sites http://www.fnac.es e http://www.casadellibro.com vendem os dois livros e entregam para o Brasil. Também podem acessar o excelente blog http://www.mondo-pixel.com.
O outro livro que queria indicar é algo um pouco mais “convencional”, mas não deixa de ser recomendadíssimo. Replay: The History of Videogames é “mais um” livro contando a história dos videogames. Mas com um diferencial: pelo fato de seu autor não ser americano (Tristan Donovan escreveu para a Edge UK), o livro tem espaço para outras coisas que não a visão americana e japonesa da história. Donovan faz uma análise muito precisa dos primeiros tempos da computação, mostrando como os pioneiros já estavam pensando em fazer jogos para computador antes mesmo de ter computadores funcionando – afinal de contas, o xadrez talvez seja o melhor exercício matemático para colocar à prova um computador.
Donovan também se lembra de que definir o que é um “video-game”, especialmente nos primeiros tempos, era algo muito complexo. São jogos gerados por computador? Isso automaticamente exclui Pong, que era gerado por circuitos transistorizados. Precisa de uma tela? Então todos aqueles velhos adventures de texto que rodavam nos mainframes dos anos 60-70, que usavam interface por impressora, não são videogames? Por tudo isso, Donovan se lembra de verificar também todo o impacto que os jogos eletrônicos “inteligentes” (como o Simon, conhecido no Brasil como Genius), que muita gente chamaria de “brinquedo”, tiveram na indústria.
E finalmente, Donovan analisa detalhadamente a cena européia dos anos 80-90, centrada nos computadores pessoais como o ZX Sinclair e o BBC Micro – e como isso, e as diferenças culturais, geraram diferentes visões de jogo Europa afora: o surrealismo no estilo do grupo Monty Phyton na Inglaterra, os jogos de plataforma e aventura ultra-difíceis na Espanha, os adventures de texto na França, os jogos de estratégia na Alemanha… O autor tampouco ignora a demoscene, a primeira onda “hacker” do mundo.
Essas visões pouco comuns em obras do gênero fazem de Replay uma obra essencial para todo mundo que tenha interesse em saber como os videogames chegaram a ser o que são hoje. Mesmo sendo um livro bastante grande e detalhado, nunca deixa de ser uma leitura interessante, graças também às histórias divertidíssimas. Roy Kassar, o presidente da Atari designado pela Warner, contando como foi sua primeira reunião na Atari: “Cheguei de terno e gravata e fui me encontrar com Nolan Bushnell. Ele estava de camiseta. Na camiseta estava escrito ‘adoro trepar’. Esse foi meu primeiro encontro com a filosofia da Atari”. Também é digna de nota a “gameografia”, onde Donovan lista absolutamente TODOS os jogos essenciais da história – com algo mais de desenvolvimento e detalhamento, poderia ser inclusive um livro por si só. Em poucas palavras, Replay é uma obra essencial.
Replay: The History of Videogames só foi publicado lá fora, mas está disponível na sua loja online favorita dos EUA ou da Inglaterra.