Depois de ler uma notícia por aqui, resolvi dar uma olhada no site do Senado para ver o que exatamente está sendo proposto. A lei 7716/89 tipifica os crimes de racismo no Brasil. O projeto modifica o artigo 20, que define como crime a prática, indução ou incitação ao preconceito. Ao passar pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o senador Valter Pereira (PMDB/MS) fez uma emenda ao texto proposto pelo senador Valdir Raupp, deixando o texto como segue:
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“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.”
O projeto modifica este artigo. Ao passar pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o senador Valter Pereira (PMDB/MS) fez uma emenda ao texto proposto pelo senador Raupp, deixando o texto como segue:
“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
2º Incide na mesma pena do caput deste artigo quem fabrica, importa, distribui, mantém em depósito ou comercializa jogos de videogames ofensivos aos costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos.
3º Se qualquer dos crimes previstos no caput ou no § 2º é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
4º No caso do § 3º, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
5º Na hipótese do § 3º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.”
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A justificativa contida na redação original do projeto é bastante louvável, já que evoca a proteção ao princípio de igualdade previsto na Constituição (e realmente não tem como discutir). E, afinal de contas, a lei de racismo não criou tanto celeuma.
No entanto, fica a pergunta: a lei anterior já não cobria esse tipo de problemas com os videogames? Simplesmente porque o texto da lei não mencionava explicitamente videogames, isso significava que quem vendesse videogames racistas no país estaria impune?
Na verdade, se a gente ler bem o novo texto, percebemos que o objetivo do senador Raupp era outro. O texto inserido no projeto de lei está tipificando novas situações em que há crime – e essas situações são exclusivas a videogames. Em outras palavras, se o mesmo conteúdo “ofensivo aos costumes dos povos” aparecer em um filme e no videogame baseado no filme, apenas os distribuidores do videogame poderão ser levados a juízo.
Merece comentário também o relatório do senador Pereira. Vou destacar aqui os trechos mais interessantes:
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“Muitos jogos de videogame apresentam lutas, perseguições, ataques e mortes. A tarefa do jogador é caçar e destruir o maior número possível de inimigos, representados com feições grotescas, monstruosas ou ridículas. Destruí-los é salvar o mundo nesses jogos.
Mas alguns jogos têm passado de brincadeiras de mau gosto, sendo arsenal de propaganda e doutrinação contra determinadas culturas.”
“Embora sejam classificados pelo Ministério da Justiça, alguns jogos de videogame desprezam, notadamente, o comportamento correto das crianças, ensinando palavrões. Em outros, os “gays” são mortos e as religiões, tais como o satanismo (sic), budismo, hinduísmo, judaísmo e o cristianismo, são ofendidas.
Sobre o cristianismo, vê-se em alguns jogos alguém bater em anjos, enquanto se escuta um coral católico. É comum um superbandido bater asas pelo inferno antes da batalha final, ou até derrotar Jesus e seus doze apóstolos, embora tenham nomes engraçados.
Nos últimos tempos, os videogames têm se popularizado junto à sociedade e, paralelamente, alguns crimes têm sido creditados à transposição da violência virtual para o mundo real. Eles têm sido considerados uma educação para o ódio de muitas culturas.”
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É um tanto óbvio que os senadores Pereira e Raupp estão usando vários tópicos, preconceitos e opiniões enviesadas como justificativa para esse projeto. Chegam a citar o famoso estudo do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan de 2005, que relacionava o uso de videogames violentos por crianças com a sua dessensibilização à violência – mas, claro, obviando outros estudos que tinham conclusões ligeiramente diferentes…
1 – O mesmo Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan divulgou em 2007 um estudo que relaciona o uso de videogames violentos com um aumento da agressividade do jogador – só que esse estudo coloca no mesmo balaio o ato de assistir filmes violentos.
2 – O famoso Byron Review, encomendado pelo governo inglês à doutora Tanya Byron para avaliar o impacto das novas tecnologias sobre a educação infanto-juvenil e divulgado no ano passado, diz que não existem provas conclusivas que relacionem um aumento da agressividade com o uso de videogames violentos, uma vez que existem estudos que apontam nas duas direções (link).
Obviamente, seria muito ruim colocar no mesmo projeto os filmes, já que o lobby das televisões seria muito forte. Mas espetar os videogames, um setor profissional que não é organizado no Brasil e que ainda sofre de bastante preconceito pelos não-jogadores, é bem mais fácil e rende mais votos. Então vale a pena olhar apenas um lado da questão.
Além disso, temos que notar uma coisa: o projeto está criminalizando tudo que seja ofensivo às “tradições dos povos”, algo bastante indefinido e que pode significar qualquer coisa. Eu apostaria uma porção de tremoço que o verdadeiro objetivo não é tanto proteger os povos minoritários e discriminados, e sim “proteger” o Brasil.
O que quero dizer com isso? Bem, tivemos um jogo uber-high-profile saindo faz bem pouco tempo com uma fase onde uns marines vão dar uns tiros numa favela do Rio de Janeiro. Para um país onde os políticos fazem o ridículo por causa de um episódio dos Simpsons, ou por causa de uma piada tonta do Robin Williams sobre pó e strippers, quem garante que a verdadeira intenção do senador Raupp não era realmente abrir um caminho legal para garantir que a “imagem do Brasil” não seja maculada por esse tipo de coisa “tremendamente ofensiva”? Afinal de contas, nessa fase da favela nem mesmo apareceram cadáveres em carrinhos…
De qualquer forma, a bola agora está no nosso campo. Lembrem-se de que os senadores foram eleitos e têm que prestar contas ao seu eleitorado. Podemos mostrar para eles como nós, eleitores e jogadores, nos sentimos. Mande um mail para seu senador (a página com os nomes e e-mails dos senadores está ao final) explicando a situação e por que essa lei é eleitoreira e uma ameaça perigosa à liberdade de expressão. Podem acreditar, isso funciona. Façam valer o seu voto.
Link para o projeto original:
http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8295.pdf
Link para o relatório da CECE:
http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/68607.pdf
Link para o diretório do Senado:
http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_atual.asp?o=1&u=*&p=*