Há pouco tempo, eu finalmente comprei um PS3. Então decidi começar a montar a biblioteca básica, com títulos exclusivos do console e alguns baratos. Foram chegando pouco a pouco: God of War 3, Metal Gear Solid 4, Uncharted… Normalmente eu pego os discos de meus jogos, coloco num tubo desses de mídias virgens e guardo a caixa, pra poupar espaço. Quando GOW 3 chegou, eu o coloquei ao lado da caixa do MGS4. E nesse momento me veio à mente uma coisa: na minha mesa, lado a lado, tinha dois jogos que representam o caminho para a perdição que os videogames estão tomando.
Com certeza os leitores estão pensando que sou um desonesto, mentiroso, que gosto de polemizar, etc. Então, antes de desenvolver o argumento, deixem-me perguntar: em algum momento eu disse que não gosto desses jogos, que eles são ruins, ou que eles não são divertidos? Não, porque eu posso ser meio bobo, mas não sou demente. Eu não compro um jogo se sei que não vou gostar. Tenho o GOW Collection, tive o Chains of Olympus, e tenho MGS 2 e 3. Não tive o primeiro game da série, mas tive o Twin Snakes de Gamecube, e não teria me livrado dele se não fosse porque não teriam comprado o meu Gamecube se não colocasse esse jogo no pacote. O que estou discutindo aqui é o maldito caminho que esses dois jogos abriram, e toda a influência que eles criaram.
Começando pelo mais fácil: God of War. O jogo que fez com que sequências com um controle artificial e que fazem você se sentir como se estivesse assistindo um livro “escolha-sua-aventura” – os famigerados quick time events – fossem cool. Sim, espertinho da última fileira, eu sei que os QTEs em jogos “normais” apareceram de verdade com Shenmue, mas vamos ser francos: se existe um jogo que todo mundo elogia e ninguém jogou, é Shenmue. Quem realmente fez os QTEs serem itens indispensáveis de “jogabilidade” (notem as aspas) foi David Jaffe, não Yu Suzuki.
Quick time events não são legais, ponto. Devo discordar do Heitor com seu review de Heavy Rain. O jogo pode até ser considerado no futuro um clássico pela “história interativa inovadora” ou sei lá qual buzzword esses fulanos soltam em cima, mas qualquer jogo que baseia sua interação em QTEs não é um jogo, por um motivo simples: você não está controlando um personagem, você está mandando ele fazer algo – o que parece a mesma coisa, mas não é. Se eu controlo o personagem, ele é uma extensão de mim. Se eu mando ele fazer algo, eu estou fora. Conceitualmente, é como se nós estivéssemos dentro de um menu 3D. Só que, em vez de um simples “aperte A para continuar”, eu tenho “aperte A nos próximos dois segundos para acontecer isso, senão acontecerá aquilo”. É menos jogo, porque há menos interatividade.
E, aproveitando essa deixa bem pouco sutil de “menos interatividade”, pulamos para o seguinte jogo, MGS4. É vergonhoso apelar para o clichê de “filme com pequenas partes jogáveis”, então vou saltar isso. Vou partir para o outro problema: a arrogância. Depois da arrogância do Hideo Kojima e seus sonhos molhados de contar uma história discutindo o militarismo, a paz, a guerra, o inverno nuclear e se as Pringles são mesmo batatas ou só uma massa de amido temperado, os autores de videogame perderam a vergonha. De se assumirem como autores de videogame? Sim, e nada de mau nisso. Só que o problema é que os mais deslumbrados continuam com vergonha do “videogame”, mas não do “autores”.
Então eles não querem criar videogames, eles querem criar a grande novela americana usando o jogo como um meio para mostrar ao mundo a sua “visão”. Parecem aquelas misses quando chega a parte do concurso onde fazem aquelas perguntas sobre “o que você faria para ajudar a paz mundial” ou coisa que o valha e as moças soltam um festival de besteiras.
E claro, com isso esses auto-intitulados “autores” esquecem que um jogo tem que ser um jogo, não um filme ou um livro. E toca ficar lendo textos longuíssimos explicando o que acontece ou aconteceu, ou vendo cutscenes feitos pelo estagiário demitido da Pixar e que duram minutos intermináveis. Você não absorve a história porque ela é envolvente, ou porque os personagens são carismáticos. Você absorve a história porque você é obrigado, estilo Laranja Mecânica, porque senão não vai saber o que aconteceu nem o que tem que fazer no resto do jogo.
Qual o caminho pra resolver isso? Sei lá. Meu trabalho é só colocar o dedo no olho, não botar o colírio depois. Claro que talvez não haja nada que “resolver”, que é assim mesmo que tem que ser porque a molecada gosta desse tipo de coisa e sou eu que estou virando um velho rabugento (estou?) e meu destino é mesmo jogar o Wii e esquecer desses jogos cool e descolados, com gráficos UltraHD, som surround, histórias “profundas” requentadas de filmes de segunda categoria e sequências tão legais que devem exigir o menor número possível de comandos no joystick pra poder apreciá-las totalmente.