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Tomei uns cuidados aqui pra não estragar surpresas (o fator surpresa é uma parte considerável da diversão deste Mario!). Mas vamos ser realistas: a esta altura você já deve ter visto muita coisa. Provavelmente você já leu mais de um review, ou ainda teve a sorte jogá-lo e deve saber que o jogo tá uma delicinha. Santa dopamina, ele me despertou sensações apoteóticas – é como consigo definir – e por isso, no meio da diversão toda, decidi fazer um exercício e pescar algumas escolhas de design dessa canja que a Nintendo preparou, analisando cada ingrediente. Acho que nunca me diverti tanto em um jogo de videogame, sério.

1. Construído sobre uma mecânica principal divertida em si

Uma das grandes características dos jogos da Nintendo (em especial das séries Mario e Zelda), é que são disponibilizados ao jogador uma série de elementos e movimentos da personagem para que ele possa ficar “brincando” livremente enquanto caminha para seu objetivo. Blocos, canos, inimigos, arbustos, notas musicais e o próprio movimento do Mario permitem uma série de acrobacias pra você ficar pulando, colhendo moedas e explorando novas maneiras de escalar coisas, interagir com objetos (e descobrir segredos). Os diversos pulos do Mario e o movimento de jogar o chapéu são divertidos em si, e se beneficiam completamente deste “mundo aberto” cheio de prédios para serem escalados das mais variadas formas, aproveitando uma longa lista de movimentos e traquitanas dos cenários. Essas ações “brincantes” combinam muito bem com o design sand-box, em que é dada ao jogador a liberdade para alcançar um objetivo de variadas formas.

Deixa eu ler aqui como é que pula…

2. O acertado movimento de jogar o chapéu

Mecânicas que resolvem muitas coisas ao mesmo tempo são outra marca registrada da Nintendo, mas aqui ela se superou! Entre os problemas que o chapéu resolve, consigo citar:

  1. ataque sem apelo à violência: convenhamos que Michael Jackson e Kung Lao são os únicos seres que conseguem ferir alguém com um chapéu! Jogar o chapéu nos inimigos é talvez a ação menos violenta do Mario desde sempre, o que é muito bem vindo a uma série com apelo infantil. Infelizmente não foi suficiente para driblar a classificação indicativa (que talvez se arrepiou com a outra funcionalidade do chapéu):
  2. “possuir” outros personagens: o ato de jogar um chapéu na cabeça de outro para “possuí-lo” é uma solução bem lúdica, ao mesmo tempo em que mantém uma rima simbólica com um ato de “colocar-se na cabeça de outro”. Dentro desta mesma lógica, também fica fácil de…
  3. resolver visualmente quais inimigos podem ou não ser possuídos: os que têm cobertura, ou cabeça espinhenta são “impossuíveis”; os que têm chapéus próprios precisam de um hit para perdê-lo e outro para serem possuídos; os que estiverem com a cabeça exposta podem ser capturados com um hit.
  4. Além de ser uma ferramenta de ataque, o chapéu também ajuda no deslocamento do Mario, tanto para coletar ítens distantes quanto para impulsioná-lo verticalmente quando pisado.
  5. Mais ainda? O movimento real de se lançar um chapéu com a mão é muito parecido com o movimento que aciona o comando no motion control. Além disso, talvez seja o movimento que menos atrapalhe a posição mais confortável para se jogar (posição de segurar um controle comum). Chuto que este tenha sido o ponto de partida da criação deste design tão feliz, que tanto somou na minha diversão durante as jogatinas.

3. Motion control vem ni mim

A Nintendo propagandeia que o jogo possui QUATRO maneiras de ser jogado (1.joycons no console; 2.joycons desatachados usando motion control; 3.joycons no grip; 4.com o Pro Controller).

Eu vou dizer que existem apenas DUAS maneiras:
1 – joycons desatachados usando motion control;
2 – a maneira errada.

Cara, o jogo é claramente modelado para ser jogado fazendo uso do motion control (especialmente pelas ações extras que apenas os chacoalhões conseguem disparar em certos contextos). A diversão que o movimento de jogar o chapéu proporciona com o motion control é única! É um movimento intuitivo, responsivo, e definitivamente é muito mais legal que apertar um botão.  Avalio que ter jogado desta forma contribui decisivamente para o meu divertimento. Seres humanos definitivamente gostam de chacoalhar sticks.

4. Fácil de controlar e difícil de controlar

Controlar os inimigos – a marca registrada do Odyssey – é certamente o responsável pelas surpresas mais “Wow!” e pelos momentos mais divertidos do jogo. É de fato aqui que a criatividade da japonesa tem seu brilho máximo, e amplia as possibilidades do gênero plataforma mais uma vez na história. Muitas das criaturas têm um controle bem diferente (de tudo o que você já viu na vida), e a sensação é que cada uma delas renderia um jogo inteiro. Além das mecânicas diferentes, todos os capturáveis têm “feel” específico no controle (você vai sentir que cada criatura é única quanto à forma de andar, de virar para os lados, de pular, de cair, de acelerar etc.). As habilidades específicas expandem as possibilidades da sua exploração em termos de distância, ambiente e velocidade.

Mas a escolha de design mais intrigante pra mim foi que muitos desses monstrinhos têm um “vício” de movimento, um controle um tanto difícil, que demanda um certo treino pra compreender e pegar o jeito. O jogo explora tudo isso como desafio, e apresentar missões que só poderão ser completadas se você dominar o controle de cada uma. Depois de um estranhamento inicial, percebi que essa escolha traz um balanceamento essencial pro jogo, porque permite que nada roube a cena dos movimentos do Mario (intuitivos, acertados, bem polidos). As criaturas são essenciais para alcançar alguns locais, chegar mais rápido em outros, e justamente por isso os “vícios” de controle são a sua paga. Também fazem você sentir que os bichos são acessórios, porque quem tem que brilhar é o Mario. Essa dicotomia entre “Acesso mais fácil/controle mais difícil” das criaturas é oposta à do Mario “acesso padrão/controle fácil”.

Além disso, personagens difíceis de controlar podem de fato ser muito divertidos (há jogos que se baseiam justamente nisso).

Cara, demorei pra entender como lidar com esse bicho aqui.

6. O ótimo uso do rumble

Odyssey tem o melhor uso do HD rumble que já pude testar no console, não só pelas diferentes sensações táteis muito bem implementadas (e que aumentam bastante a imersão), mas também pelo uso que faz da vibração para oferecer desafios no jogo: os controles vibram quando há objetos escondidos no chão. É a expansão de um conceito que vi em FEZ, e que aqui – extendido – diferencia esquerda e direita aproveitando-se da diferenciação dos controles. É bastante intuitivo, divertido e mais uma vez soma ao tema da exploração.

Estes usos bastante inventivos, tanto do Rumble quanto do motion control, mostram de maneira definitiva os potenciais únicos do Switch. Acredito que fazia parte dos planos lançar o Mario junto com o console, mas numa possível mudança de planos o 1-2 Switch veio servir como a demo principal destas tecnologias específicas. De qualquer forma, só o Mario consegue fazer uma ponte ideal entre o clássico modo de jogar e os motion controls. Tenho certeza que game designers terão neste jogo uma grande fonte de inspiração pra criarem novas formas de jogar possibilitadas por estas tecnologias específicas.

7. Toda feature pode virar uma missão

Mais uma marca de design da Nintendo é fazer você explorar cada cantinho do jogo, espremendo ao máximo as possibilidades de cada feature. Para além de checar o domínio dos movimentos, outras testarão se você sabe utilizar bem o mapa, diálogos são usados como uma missão no estilo “date sim”, ítens cosméticos ganham funcionalidade… você será testado até se sabe tirar print com o console. O ápice pra mim foi terem criado missões que testam se você conheceu o menu de trilhas sonoras…

Eis aqui novamente implementada a filosofia econômica do “múltiplo uso”, que prevê no múltiplas funções para cada elemento disponível. Ajuda a tirar mais diversão dos mesmos megabytes, além de envolver mais o jogador com cada feature implementada. Também garante alguns momentos  surpresa “nossa, não sabia que dava pra fazer isso também!”. Essa filosofia também molda cada cantinho do level design, que consegue servir no nível micro a diversas mini-missões, como oferecer, no nível macro, uma longa e divertida “pista de parkour” por toda a sua extensão (gerando os desafios de corrida presentes em cada um dos mundos).

Qual é a múúúúsica?

8. Sobre a Dificuldade

A Nintendo conseguiu se superar no conceito de “Jogo de Família” e criar o Mario mais inclusivo da história. Entre outras coisas isso significa que ela tomou alguns cuidados para não deixar o jogo bobo demais ou impossível demais, procurando oferecer caminhos alternativos para que cada jogador escolha a quantidade de desafios que quer ter. O jogo é baseado em micro-conquistas, e tanto as conquistas fáceis quanto as difíceis garantem o mesmo prêmio: uma lua. Para passar de fase, você precisa de um número específico de luas, não importando quais sejam: você pode ajuntar apenas as mais sussa e seguir viagem… Fica a seu critério.

  • Desafios opcionais, alineares

Levar o Bigodudo até o confronto final com o Koopa tem uma dificuldade relativamente baixa: é talvez o Mario mais “fácil” de ser “terminado” da história. Todo mundo que se esforçar um pouquinho consegue fruir gostoso a história principal. Mas a partir daí entram as aspas de “fácil” e “terminado”, porque o jogo tem um conteúdo enorme para ser descoberto, com a típica dificuldade da franquia (quer dizer, tem um desafio final ali que é uma grande falta de sacanagem). Se pensarmos nos mais “hardcorers”, talvez apenas 10% dos desafios estão “à altura”, mas o jogo traz soluções como um ranking mundial online que contabiliza pontos em vários mini-games espalhados pelo jogo. Ainda em relação a desafios extra, há várias possibilidades de se combinar “mini-circuitos” e competir com os amigos pra ver quem realiza determinadas conquistas. Algumas sessões têm moedas em lugares bem difíceis de serem acessados – e parecem que estão lá exatamente para fomentar esse tipo de competição. Procurando direitinho, todo mundo consegue se divertir.

  • Controle complexo harmoniza com tutoriais

A Nintendo optou por um controle cheio de complexidades (você possui uma gama de comandos ainda maior que a do Super Mario 64); acho uma escolha bem acertada, ainda mais em se tratando de uma homenagem ao jogo de 96. Pra compensar isso ela espalhou nostálgicas plaquinhas que ensinam um movimento e além : criou dois menus de consulta com todos os controles possíveis, inseriu instruções nos diálogos com seu amigo chapéu e o mais óbvio e didático: assim como no Wii, surgem vídeos pop up de mãos segurando os controles e fazendo os movimentos no início. Além de tudo isso há ainda a possibilidade de escolher um modo de jogo em que setas no chão vão indicando o que o Mario tem que fazer em cada momento.

Um dos mini games com controles simples e muito divertido!

9. Mario Recompensa Bros.

Talvez este seja o jogo com mais recompensas que já joguei. As moedas num jogo do Mario sempre forma a cereja do bolo de todo o seu esforço – e haja cerejas neste bolo! Toda vez que você perder um tempinho a mais pra brincar no cenário certamente vai encontrar moedas. Se subir num lugar difícil? Moeda. Se pegar o caminho mais difícil? Moeda. Se der umas chapeladas nuns objetos? Moeda. Tem moeda escondida em tudo que é canto. Há também um tipo de recompensa “estética” que te motiva à interação: todos os NPCs e vários dos objetos deste mundo reagem aos seus movimentos, e te recompensam com uma animação bonitinha e um efeito sonoro engraçadinho sempre que você pular em cima de deles, passar ao lado, jogar o chapéu…

Além disso, a Nintendo escolheu recompensar também as “re-conquistas”: todos os desafios do jogo estão lá para serem refeitos, re-tentados, re-brincados sempre que você quiser. Luas já coletadas garantem 5 moedas; dinheirinho colecionável “reconquistado”, duas.

Todas essas recompensas funcionam como um estímulo a você interagir com o mundo o tempo todo (além de senti-lo vivo, responsivo, envolvente). Uma lição básica de game design: se “explorar” é o tema do jogo, recompense o jogador quando ele agir assim. A Nintendo não economizou.

Deixa eu ver se passei…
Calma amigão! Difícil de controlar?

10. Um pouquinho de outras franquias

Certamente pensamos primeiramente em “Zelda” ou “Metroid” quando levantamos o tema “exploração”. Mas Mario sempre teve bastante dela (aliás, o que é senão exploração acertar blocos com interrogações?) Outros Mario bifurcam caminhos, e têm uma séries de segredos e ítens invisíveis. De qualquer forma a exploração aqui de fato cobra prestar atenção a detalhes do cenário, transportar ítens de um local a outro, ouvir dicas de NPCs, entrar em canos para pegar “tesouros” e voltar para o mundo principal – se assemelhando bastante ao design comum de Zelda. Acho muito interessante que as franquias da Nintendo invariavelmente usam um pouquinho do conceito uma da outra, criando algumas rimas entre os jogos- já percebeu? Aliás, dá pra notar aqui desafios com mecânicas semelhantes a Splatoon e Arms.

11. Defeitos?

Quando você se propõe a esconder mais de 800 ítens, é preciso ser impecável e ter um mundo muito grande e coeso para garantir sempre boas surpresas e desafios interessantes. Nem sempre isso acontece. Às vezes os desafios se tornam muito repetitivos, em especial alguns desafios “não tão desafiadores”, e faz parecer que a desenvolvedora está tentando aumentar o conteúdo de forma barata. Talvez este seja o principal fator que colabora para a sensação de “pouco desafio” que aparece nos reviews. Se houvesse menos luas, a porcentagem das desafiadoras subiria automaticamente.

Também senti falta de um desafio maior nos trechos que são referência a outros jogos da franquia. Em geral eles prestam apenas uma “homenagem estética” (e é realmente é muito legal passar por eles), mas poderiam homenagear também a dificuldade dos antecessores. Esse é mais um fator que contribui para a sensação de “esse Mario tá fácil demais”.

Além disso há pequenos problemas de controle nos momentos em que deixamos a câmera totalmente superior: se você está dependurado na quina de uma plataforma, é impossível descer essa quina para um nível mais baixo, a não ser movendo totalmente a câmera de volta para a  lateral do Mario. O único comando para descer de uma quina é “direcional para baixo”, e quando a câmera é superior, “direcional para baixo” significa “mover-se para o sul da orientação da câmera”. Talvez um patch que implemente os botões “Z” como alternativa para “descer” (como já acontece em outros contextos) resolva o problema. Realmente não consigo entender porquê já não funciona desta forma.
Um outro pequeno detalhe precisa guiar seu personagem por um labirinto circular, em que o eixo “esquerda-direita” não se fixa ao momento em que você entra no labirinto, mudando de orientação a cada esquina.

Quando bate a saudade da ex.

 12. Profundo significado para a franquia

Odyssey é como uma enorme festa para a história da série. Há referências explícitas a outros jogos (e em relação ao Mario 64 gosto particularmente dos desafios do espantalho, em que você abandona as mecânicas do chapéu e fica apenas com os movimentos de pulo do antecessor de 64 bits). Vários elementos da franquia estão aqui  referenciados de forma apoteótica – para usar a palavra que eu citei no início – e essa pra mim é a maior das cerejas do bolo. Certamente qualquer pessoa que tenha jogado algum jogo da série tem vários motivos para se emocionar. Apostar em história e referências no novo capítulo de sua franquia mais conhecida, é importante num momento em que a empresa tenta se restabelecer depois de um certo fracasso do console anterior. E a Nintendo parece ter apostado aqui todas as fichas.

Apesar das novas mecânicas, Mario é (e sempre será) o “Jump Man”, e esse coração da franquia se explicita em Odyssey através de diálogos, referências, desafios e design: há explorações geniais do conceito “pular”. Super Mario Odyssey consegue inovar, ao mesmo tempo em que homenageia, mantém e respeita a mecânica principal de sempre.

Conclusões

Assim como vários elementos do jogo servem a múltiplos propósitos, Mario Odyssey resolve vários desafios pra sua desenvolvedora. É o atual jogo definitivo do novo console, explorando-o de maneira exemplar (no sentido de dar alguns belos exemplo de suas possibilidades). É um jogo que só seria possível nesse console e com todas as funcionalidades que ele propõe, respondendo por quê a Nintendo continua insistindo em produzir consoles. Encerrar com chave de ouro um ano incrível da produtora, impactou definitivamente a venda de consoles, e veio somar mais um título da lista dos preferidos do ano de uma cena já boquiaberta com a última jornada do Link.

Mário Odyssey consegue ser o ícone máximo dos valores de sua própria desenvolvedora, cuja tradição é inovar.
Mesmo assim, não ficarei triste se vier um DLC que continue explorando estas mesmas maravilhosas mecânicas.

É bonito ver um Mario assumir mais profundamente suas origens.