Um dos jogos que mais joguei durante a minha infância foi o The Sims. A ideia de criar os seus personagens e controlá-los em atividades comuns, influenciando nas suas carreiras profissionais, escolhas e relações interpessoais cativou o meu eu criança durante horas e horas. Tamanha era a minha admiração pelo jogo que, durante as compras do mês, pedi um pouco de dinheiro aos meus pais a fim de comprar uma das suas expansões oficiais: o The Sims: Superstar. Adicionando áreas, interações e conteúdos novos, o jogo voltou a consumir grande parte do meu tempo e tem um lugar especial no meu coração até hoje.
Esse foi o meu primeiro contato com as expansões, uma prática que era bem comum em alguns títulos da época. Contudo, como o mundo está sempre mudando e se modernizando, as mídias digitais surgiram e, juntamente com elas, o conceito de DLC chegou ao mercado. Não é raro ver gamers frustrados com a política de DLC de algumas empresas, como a Eletronic Arts e a Paradox Interactive, por exemplo. Mas, afinal de contas, será que a substituição das expansões pelos DLCs foi tão ruim assim? E mais além: será que há alguma diferença entre esses dois termos? Gostando ou não, as práticas para capitalizar em cima de um título após o seu lançamento continuam vivas e são alvos de polêmica até hoje.
Definindo DLC, expansão e microtransação
Já vou começar essa seção deixando bem claro uma coisa: praticamente não há diferença entre DLC e expansão. Enquanto as expansões são simplesmente conteúdos adicionais que alteram a experiência original de um jogo, os DLCs também são conteúdos adicionais, mas disponibilizados via download. Além dessa praticidade para adquirir um conteúdo, não há nenhuma diferença significativa entre os dois termos. Um DLC sempre será uma expansão, mas nem toda expansão será um DLC.
Pegando o exemplo do The Sims, as expansões do primeiro jogo eram disponibilizadas em lojas e supermercados em versão física, o que não caracteriza um DLC. Os jogos mais novos da franquia, como o The Sims 4, já migraram para o modelo digital, onde suas expansões viraram DLCs.
Há um imenso sentimento de que os DLCs oferecem uma quantidade menor de conteúdo e um preço mais caro quando comparados com as expansões. Porém, analisando as suas definições, essas reclamações não deveriam ser justificadas pela mudança do modelo de vendas do mercado. O fato de um conteúdo estar disponibilizado em modelos diferentes não deveria mudar a sua essência.
Após definir esses dois conceitos, há um outro termo que aparece bastante na indústria dos jogos e é bastante criticado: as microtransações. Diferentemente dos termos apresentados, as microtransações destoam dos conteúdos adicionais citados previamente: elas funcionam como um comércio interno nos jogos. Sim, essas definições se mesclam de tal forma que, muitas das vezes, é difícil diferenciá-las, já que elas podem estar presentes ao mesmo tempo em diferentes produtos. Para essa coluna, utilizarei o conceito de facilitadores para jogos quando tratar de microtransações e tratarei a palavra expansão como uma alusão às práticas antigas de distribuição de conteúdo adicional por meio de mídias físicas.
O modelo de DLC e as comodidades da internet
Ninguém gosta de pagar duas vezes por algo que já foi adquirido. Pensando por esse lado, é muito fácil de entender por que os DLCs são, na maioria das vezes, mal vistos pelos gamers. Entretanto, pensando no modelo de negócios vigente na indústria, alguns fatores devem ser considerados antes de cair matando nas empresas que aderem a essa prática.
Lembra da mudança do modelo antigo de expansões pro atual de DLCs? Ela só foi possível por causa das melhorias na velocidade da internet e do surgimento de redes de jogo, como o Steam, a PSN e o Xbox Live. Um mundo conectado em alta velocidade abre um leque de possibilidades incríveis para as empresas, podendo disponibilizar seus conteúdos nessas redes sem a necessidade de envolver toda uma logística de distribuição inerente às mídias físicas no processo. Além disso, esse modelo facilita a correção de bugs e problemas que passaram batido durante o processo de desenvolvimento do jogo. Você iniciou seu jogo e seus personagens não conseguem se mover? Relaxa, toma essa atualização de 1GB para resolver o problema.
É justamente nessa intersecção entre atualização e DLC que se encontra o problema. Atualizações para correção de bugs são comuns e gratuitas, mas os DLC na maioria das vezes não. Existe ainda uma prática bem comum chamada “Quality of Life”, que se caracteriza por pequenas atualizações adicionando funcionalidades a fim de deixar a experiência mais interessante. Por mais que esses conteúdos sejam, em teoria, gratuitos, existe todo um custo operacional por trás do suporte de um jogo.
Às vezes o lucro bruto obtido com um título não é o suficiente para manter os custos de um suporte ativo por muito tempo. Tendo esse cenário em mente, os DLCs podem ajudar a solucionar esse problema. Ora, adicionar elementos que colocam algo novo na sua fórmula desperta o interesse dos antigos jogadores de uma franquia que, por já terem explorado todo conteúdo disponível, pararam de consumir a mídia. Nesse momento as desenvolvedoras capitalizam e mantêm um título vivo, entregando um produto que, após investimentos e esforços aplicados no seu desenvolvimento, modificam a experiência do jogador completamente.
Em defesa da Paradox e sua política de mercado
O exemplo mais notório das práticas de DLC é o da Paradox Interactive. O estúdio sueco é famoso por lançar inúmeros DLCs para os seus títulos de estratégia, incluindo alguns de qualidade questionável. Basta entrar no Steam e pesquisar pelos jogos desenvolvidos pelo estúdio, onde a lista dos conteúdos adicionais é, na maioria dos títulos, bem extensa e com opiniões controversas – caso você se assuste com preços, sugiro que fique longe disso.
Como dito anteriormente, todos os jogos possuem um custo de desenvolvimento e suporte. Manter um jogo “grand-strategy” não é fácil, visto que a complexidade desses títulos é imensa e há sempre algo a ser explorado. Por se tratar de um gênero que permite inúmeros estilos de jogo, o desenvolvimento de DLCs que abrem novas possiblidades aos jogadores é extremamente viável e lucrativo.
Lançar vários DLCs ao ano e cobrar quantias consideráveis por esse conteúdo não é algo muito bem visto pela comunidade, mas é o jeito que a empresa encontrou de manter seus títulos vivos durante muito tempo. Sem dinheiro entrando no caixa não há suporte e, para que isso aconteça, é necessário pensar em soluções a curto e médio prazo. Desenvolver um DLC é muito mais rápido e barato do que criar um jogo do zero, pois ele se utilizará das bases de um sistema já desenvolvido, uma fanbase existente e não exigirá uma atenção especial como outro título demandaria.
A crítica é justificada quando esses DLCs são apresentados como a solução para os problemas do jogo. Os DLCs devem ser conteúdos adicionais que acrescentam algo de novo ao título, nunca maneiras de vender uma solução para os problemas do jogo base. Se uma mecânica crucial é incompleta, inexistente ou carece de melhorias, forçar o consumidor a pagar outra vez pela sua correção pode (e deve) ser visto como uma prática imoral. Penso que a falta de um concorrente a altura fez que a Paradox tomasse certas liberdades sem se preocupar muito com a recepção negativa das suas práticas.
As microtransações e o seu problema fundamental
Até que ponto recompensar o jogador por gastar um dinheiro adicional em seu jogo é algo justo? Se o conteúdo adicionado tiver o intuito de, como vimos anteriormente, prolongar a vida útil de uma determinada mídia, então não acho que tenha nada de errado nesse conceito. Contudo, dar vantagens dentro de um jogo para qualquer um que pague um pouco a mais por isso pode irritar os consumidores, principalmente se o jogo for competitivo online.
A distinção entre os jogos online e offline é essencial por aqui. É bem claro que cobrar por facilitadores em um contexto competitivo recompensa aqueles determinados em gastar mais para obter as vantagens. Se uma competição quer ser justa, é necessário que todos tenham as mesmas condições de chegar a um nível alto, certo? Em teoria esse é o cenário ideal, mas basta lembrar que, pensando nos esportes mais tradicionais, atletas com melhor condição financeira poderão investir seus recursos em treinos e rotinas melhores. No contexto dos jogos offline não há essa preocupação com a competição, cabendo ao consumidor decidir se o conteúdo oferecido aumentará a sua diversão ou não.
Certo, então você está dizendo que pagar para ter uma vantagem é algo justo? Não exatamente. Não é sobre a justiça, mas sim do que é eticamente correto ou não. Nesse sentido não há nada errado nessa prática (a menos que sejam jogos de azar manipulados, por exemplo), mas não deixa de ser algo mal visto e considerado imoral. Por mais que fatores externos sempre influenciem em uma competição, ela deve tentar não acentuar essa tendência a fim de tornar o cenário mais interessante para quem deseja entrar na competição e para quem está assistindo. O motivo pelo qual o futebol é tão popular no Brasil é que, além da fácil acessibilidade do esporte, equipamentos mais caros não possuem um peso determinante no desempenho de um atleta.
Práticas controversas sempre existirão, ainda mais quando envolvem dinheiro. É necessário entender que os jogos, assim como qualquer produto, possuem um custo de produção e manutenção, e lançar conteúdos adicionais para manter o jogo ativo é uma maneira de mantê-los vivos. O consumidor não é uma figura ignorante, pois percebe quando uma empresa resolve vender um produto por um preço injustificável, mesmo que ele não seja eticamente erradas ou fora da lei. Não é raro ver atualizações grátis que adicionam tanto conteúdo quanto DLCs pagas serem lançadas sem uma obrigatoriedade legal, mas pela competição entre as empresas que enxergam o marketing proporcionado por essa ação muito mais lucrativo no longo prazo.