Uau! Que experiência incrível que foi jogar Doom Eternal. E não digo isso por ser fã de carteirinha da franquia, mas pelo fato da id software conseguir se superar em vários aspectos. A continuação de Doom (2016) traz uma série de novidades, incluindo ideias inéditas a um gênero difícil de evoluir. Afinal, FPS não se resume apenas a correr e atirar sem pensar.
Doom Slayer continua sua eterna batalha contra os demônios, que invadiram a Terra e também outros planetas. Aliás, um aviso importante: é recomendado ter jogado o game anterior para não ficar boiando na história e no estilo de gameplay. O jogo mantém o ritmo frenético, porém com mudanças que adicionam uma camada bem grossa de estratégia.
Estripar e lacerar
A campanha de Doom Eternal apresenta uma história intrigante e bem elaborada, com grandes revelações, inclusive sobre o passado do protagonista. Só não espere algo tão rebuscado como a trama de Bioshock Infinite, por exemplo. Mas há um bom motivo para o game ser assim: Doom Slayer é mudo (uma tradição do gênero) e um verdadeiro lobo solitário, sem qualquer companhia exceto pelas instruções da inteligência artificial VEGA.
Mesmo que a decisão de game design favoreça mais a ação do que a história, o jogo possui um lore imenso. Ao longo da jornada você encontrará códices com detalhes mais ricos sobre a trama. Claro, há cinematics para interligar um evento a outro, mas nada muito profundo. O completo entendimento da história se dá através da leitura de textos.
Junto à riqueza da história está a riqueza gráfica de Doom Eternal. A engine id Tech 7 ficou tão lapidada e otimizada que a versão para consoles – mais precisamente PS4 Pro e Xbox One X – roda muito próximo da performance no PC, cravado nos 60 frames por segundo. Tal conquista se deve ao fato da id software ter abandonado o uso das mega texturas e evoluir sua engine para usar 100% a API Vulkan. O Digital Foundry fez um vídeo espetacular destrinchando o id Tech 7 nos mínimos detalhes.
Em comparação com Doom (2016) os cenários ficaram mais amplos, possibilitando enfrentar um grande número de demônios ao mesmo tempo. Há detalhes para todos os lados, tudo parece ter vida e o jogador não para de se surpreender conforme avança pelo game. Tem missão na Terra, no inferno, em Marte, em Argent D’Nur e outras dimensões. Ao total são 13 fases, cada uma com um mapa e visual distinto. Duas delas (Base do Cultista e Complexo ARC) possuem uma versão remix, chamadas de Fases Mestre: é a mesma missão da campanha, mas com inimigos diferentes e em maior quantidade.
As missões pedem para o jogador concluir objetivos simples, como chegar em um determinado ponto do mapa, encontrar uma chave, acionar um mecanismo, e assim por diante. A novidade fica por conta da exploração, muito mais livre e com plataformas. Estes momentos de pular de um lado ao outro, escalar paredes, saltar por barras e passar por obstáculos de fogo à lá Super Mario funcionam como uma pausa para o combate. Um respiro para o jogador apreciar o cenário e encontrar itens escondidos: bonecos colecionáveis, disquetes (que habilitam trapaças e até torcida da Quakecon) e discos de vinil com músicas tema, entre outros.
Evoluindo o que já era bom
O Doom Slayer permanece com as habilidades do game anterior, como o salto duplo e a Execução Gloriosa. De novidades temos a Doom Blade, uma lança usada na Execução Gloriosa, o impulso, que pode ser usado nas seções de plataforma e no combate como esquiva, e o Soco Sangrento, carregado após duas Execuções Gloriosas. O soco normal agora só serve para afastar os inimigos. A granada de fragmentação também mudou, não sendo mais arremessada com a mão mas sim por um lançador que fica em seu ombro. A granada agora possui uma variável, uma bomba congelante. E este mesmo lançador funciona como lança-chamas, usado para enfraquecer os demônios atingidos.
A evolução do Traje Praetor continua presente e com mais opções, 20 ao total. São 5 tipos com 4 aprimoramentos cada, onde você gasta os pontos de traje obtidos durante a campanha, ao encontrar as almas dos cavaleiros sentinela. O traje ainda conta com alocação de cristais sentinela, que beneficiam as habilidades passivas do Doom Slayer em saúde, armadura e munição. As runas também foram mantidas, permitindo ativar 3 entre 9 opções desbloqueadas. Elas dão vantagens já conhecidas e outras novas, como desacelerar o tempo com câmera lenta ao pular ou para fugir da morte iminente.
Por falar em morte, o jogo oferece vidas! Bem escondidas pelo mapa, as vidas permitem voltar ao jogo instantaneamente ao (quase) morrer, com a barra de vida cheia. É uma forma de evitar ter que passar por vários inimigos novamente e burlar a tela de loading. Levando em consideração que Doom Eternal é bem mais difícil que o jogo anterior, estas vidas são de grande utilidade. Em batalhas procure também pelos potencializadores, como o famoso “quad damage”.
Arsenal recauchutado
As armas, a maioria já conhecida dos jogadores, sofreram mudança no visual e também na forma de usá-las. A escopeta, por exemplo, agora possui uma bomba adesiva como tiro secundário. A super escopeta ganhou um gancho para grudar no demônio e te levar até ele pra dar um tiro à queima-roupa. A Ballista é a grande novidade do arsenal, uma espécie de besta cujo tiro lembra a Railgun da franquia Quake. Suas modificações incluem uma flecha que gruda no alvo e outro tiro carregado que fatia os inimigos pelo caminho. E tem a espada Crucible, obtida mais ao final da campanha e que corta qualquer demônio com um único golpe. Funciona igual à motosserra, com três cargas.
Ao total o jogo disponibiliza 8 armas com modificações, aprimoramentos e uma novidade chamada domínio. As modificações são adquiridas por robôs VEGA, assim como no Doom anterior. Os pontos de armas, para aprimoramentos, são obtidos ao concluir os confrontos das missões. Por fim, os pontos (fichas) de domínio são raros e difíceis de encontrar, sendo necessário escolher muito bem qual arma dominar. Porém o domínio só ficará disponível ao liberar todos os aprimoramentos de uma determinada modificação, dando uma grande vantagem ao jogador.
É coisa pra caramba, né? Mas fica tranquilo, pois o mapa foi aprimorado para facilitar a busca por itens durante a exploração. Basta encontrar o automapa de cada missão e também liberar o aprimoramento de traje que revela a posição de todos os itens. Você pode inclusive gastar os pontos que acabou de conseguir a qualquer momento da jogatina. Chegou ao final da fase e viu que esqueceu algo no mapa? Relaxa que a viagem rápida é desbloqueada perto do final da missão.
Do lado dos demônios, há duas novidades: ao sofrer dano eles despedaçam aos poucos e os mais fortes agora possuem ponto fraco. Dá pra destruir os canhões do Mancubus e o Cacodemon pode ser facilmente eliminado ao jogar uma granada em sua boca, fazendo-o engolir e inflar com a explosão, entre outros exemplos. Os inimigos comuns podem ser mortos com um tiro na cabeça, que inclusive culmina no efeito sonoro do estouro de uma rolha de garrafa. A estratégia continua com o uso do lança-chamas para fazer os inimigos soltarem armadura, a Execução Gloriosa para recuperar vida e a motosserra para conseguir munição.
Não posso deixar de mencionar três novos demônio: Gargoyle, Doom Hunter e Marauder. O primeiro é um gárgula, basicamente uma variação alada do clássico Imp. Já os outros dois são demônios barra-pesada, introduzidos em Doom Eternal como chefões para depois se tornarem inimigos frequentes. Doom Hunter possui um escudo que precisa ser destruído para enfim causar dano. Já o Marauder exige mais estratégia, uma vez que ele defende todos os seus ataques. Se ficar longe, ele arremessa seu machado vermelho e invoca um lobo pra te infernizar. Se ficar perto demais, você tomará tiro de escopeta. A única forma de causar dano no Marauder é estando a meia distância e contra-atacando um golpe específico que ele desfere com os olhos brilhando.
Outra novidade são os Drones Maykr, apresentados na penúltima missão em Urdak, que atiram com a cabeça e são controlados por Khan Maykr. O Arch-vile, original de Doom II, faz seu retorno criando inimigos a todo momento e tacando fogo em tudo. Mate ele antes de qualquer outro demônio ou o combate será interminável. E tudo fica ainda mais difícil com o surgimento de totens que conferem proteção e força aos demônios. Enquanto você não encontrar e destruir o totem, pode ter certeza de que morrerá em segundos. Mas se morrer muito, o jogo te oferecerá uma armadura sentinela (que reduz o dano) para continuar, o que felizmente não afeta o progresso da campanha. Ignorar isso na dificuldade que joguei, Pesadelo, foi puro masoquismo da minha parte.
Fortaleza flutuante
Entre uma missão e outra, nosso querido soldado enfurecido faz uma pausa em sua nova casa, uma fortaleza que flutua pelo espaço. Ela funciona como uma hub para o jogador conferir os colecionáveis, ouvir as músicas dos discos e desbloquear coisas com o uso de baterias sentinela, outro item adquirido com muito suor durante a campanha. Um dos itens desbloqueáveis, por exemplo, é a roupa original do Doom Guy. Apesar do foco dos itens cosméticos estar no modo online, o visual também influencia na campanha. Se você adquirir a Deluxe Edition, tem uma roupa exclusiva do protagonista em chamas.
A fortaleza também possui uma prisão de demônios, chamada Ripatorium, onde você pode praticar seus reflexos com as armas e demônios que já encontrou. E, claro, tem segredos escondidos pelo cenário. Inclusive há um mecanismo que pede 6 chaves empíricas para ser destravado e dá uma recompensa incrível: uma variação da BGF-9000, chamada Unmaykr. As chaves empíricas você consegue vencendo os desafios do Portão do Slayer, presentes em 6 missões específicas da campanha. Não é fácil achar as chaves destes portões, muito menos vencer os combates.
Dando uma passeada pela fortaleza você encontra um PC antigo. Nele há dois blocos para destravar: o primeiro você abre ao coletar os 14 disquetes da campanha, dando acesso ao Doom original para jogar. O segundo bloco é uma senha de 12 dígitos, que dá acesso ao Doom II. Pra quem nunca jogou, é uma forma de conhecer os clássicos. Doom 64, incluso no Deluxe Edition, é outro game retrô imperdível.
Antes de partir para os detalhes do modo multiplayer, gostaria de destacar a espetacular trilha sonora de Doom Eternal. Novamente a composição é assinada por Mick Gordon, que mistura metal com eletrônico como ninguém. Indo além do rock e synth de Doom (2016), o novo jogo apresenta maior experimentação musical, com distorções, coral e ambientação. Urdak é um ótimo exemplo disso: a trilha Voices of Urdak cria um clima assombroso para o planeta alienígena, cheio de construções gigantes, imponentes e misteriosas. Na primeira vez que ouvi, os pelos do meu braço arrepiaram. Foi incrível!
Battlemode presta?
Depois da crítica pesada em cima do multiplayer de Doom (2016), a id software não quis saber de trabalhar nos modos clássicos em Doom Eternal. É uma pena, pois a crítica foi mais em torno dos problemas no lançamento do que posteriormente, apesar dos fãs terem debandado com o tempo. Tal decisão forçou os desenvolvedores a pensar em algo completamente novo e o Battlemode é o resultado disso tudo. Um modo que coloca um Slayer contra dois demônios em uma arena.
A princípio é bem legal. São três rodadas, sendo que a cada rodada perdida o jogador pode escolher um entre 6 aprimoramentos para equilibrar as coisas. Tem gente que joga muito bem de Slayer e outros que arrebentam com os cinco demônios disponíveis. Cada um possui suas habilidades, ponto forte e fraco, e podem convocar outros demônios no cenário. Já o Slayer dispõe de quase todas as armas e pode pegar espólios derrubados dos inimigos menores que surgem aos poucos no mapa ou dos próprios adversários.
Ao matar um demônio, você precisa matar o outro antes do tempo zerar e ele ressuscitar. Os demônios também podem bloquear os espólios do jogador, evitando assim que ele recupere vida, armadura e munição. Em minha jogatina, vi os dois lados da moeda: o do Slayer forte demais e os demônios fortes demais. No fim, tudo depende da habilidade dos jogadores, mas senti que o Slayer é sim mais poderoso no geral. Não demorou para a diversão virar frustração jogando com os demônios. E não acho que o sistema de level, com recompensas como skins para pódio, roupas e armas, vá segurar os jogadores por muito tempo. Os modos clássicos fazem falta e, mesmo tendo Quake Champions aí pra curtir, não custava ter pelo menos o modo Team Deathmatch.
A id software se superou mais uma vez, trazendo uma experiência marcante para os fãs e também para aqueles que caírem de paraquedas nessa grande batalha infernal. Com uma campanha sólida, Doom Eternal entrega mais de 20 horas de muito suor, tensão e satisfação ao eliminar os demônios em diversas dimensões. E tudo aquilo que está presente em Doom (2016), como a opção de jogar com a arma centralizada, permanece disponível. Tem até os áudios originais das armas para substituir no game e easter eggs de explodir a cabeça, como Dopefish (de Commander Keen) e a coelha Daisy. Os fãs piram!