Desde que o ser humano se entende como gente, os mistérios do universo cativam e são alvos de teorias, estudos e muitas histórias. Seja lá atrás quando os exploradores dos cinco oceanos se guiavam pelas estrelas, passando pelos hieróglifos egípicios que apontam seres extraterrestres entre nós e encerrando nos desenhos rupestres dos nossos antepassados, o escuro da noite, em conjunção à luz da Lua, sempre fizeram parte do nosso dia a dia.
Eu mesmo, no alto dos meus 30 anos, sou apaixonado por isso. Durante minha infância tive a sorte de morar em uma cidade minúscula do interior de São Paulo, onde pude contemplar e admirar toda a beleza dessa misteriosa natureza. Vi coisas inesquecíveis como, por exemplo, algumas estrelas cadentes, umas luas vermelhas, céus limpos só encontrados em fazendas e, claro, certos movimentos não pertencentes a esse mundo. Enfim.
Parece que o pessoal da Mobius Digital e da Annapurna Interactive possuem a mesma paixão que a minha e de outras bilhões de pessoas espalhas pelos cantos desse planeta, pois tiveram a ideia de criar Outer Wilds, título indie de mundo aberto anteriormente lançado para Xbox One e PC. Agora no PlayStation e cria do Kickstarter, fez muito bonito nos reviews, ganhando uma legião de fãs, além de prêmios e indicações ao longo de sua curta vida.
O universo e sua harmonia de contrários
Colocando o jogador no papel de um novato explorador membro da Outer Wilds Ventures, ele se torna habitante de um planeta conhecido por ter iniciado um grandioso programa espacial. Ao sair em busca do novo e, de repente, fazer contato com outras civilizações, descobre-se que está preso em um infinito loop temporal (interrompido sempre por uma explosão a cada 22 minutos), dentro de um sistema solar estranho e em constante evolução.
A partir disso, cabe como missão principal responder inúmeras perguntas que surgem a cada acordar. Reflexões que passamos em nossa rotina do tipo: será que aquilo que vivemos é real? Será que tudo não passa de um sonho? Será o universo reflexo daquilo que acreditamos? Tudo isso está presente em Outer Wilds. Meu amado e minha amada: esse jogo não é brincadeira.
Se o universo possui um silêncio sepulcral, tal efeito é causado com perfeição assim que saímos da estação espacial rumo ao desconhecido. Para tal, precisamos primeiro passar por alguns testes, como contabilizar o mínimo de conhecimento necessário acerca do que nos aguarda lá fora, estudar os recursos oferecidos pela nave, ter noção do planeta que residimos e, obviamente, sair de lá como ‘o escolhido’. Temos aqui, inclusive, o enredo.
Em Outer Wilds, o papel de escolhido ocorre após tocarmos uma estátua Nomai presente em um museu. O Nomai, ou os Nomais, são um povo antigo que colonizou há um tempo o universo presente no título. Após o toque (feito esse nunca antes conseguido por ninguém), a estatueta abre seus olhos, apresenta bem na nossa cara o passado que rolou desde o momento que acordamos naquele dia e, posteriormente, nos adiciona ao loop que irá nos seguir a cada expedição.
Como quest principal, cabe ao player descobrir a razão dessa prisão, sendo que as respostas estarão em artefatos, ruínas, planetas e pistas escondidas em cada esquina. Além disso, após um tempo de jogatina, sacar a grande obsessão dos Nomai pela Olho do Universo, suposto centro do universo e causador disso tudo, também se torna necessário. Fora isso, descobrir o paradeiro dos exploradores Chert, Esker, Riebeck, Gabbro e Feldspar torna o enredo mais interessante.
Misturando um pouco de física quântica, buracos negros e passagens de tempo, em um primeiro momento soa complicado. E de fato é. Talvez esse seja um dos pontos divisivos de Outer Wilds. A complexidade ofertada é levemente complicada de se entender e apesar de ser um jogo com classificação etária livre, demanda certa noção do tema. É errado afirmar que tive em mãos um jogo difícil e complicado. Ele só exige grande atenção na leitura e percepção de alguns detalhes. Caso você seja um gamer mais casual, não recomendo o título. Outer Wilds pede paciência e disponibilidade para comprar a briga.
Não existe nenhum caminho lógico
Sair do conforto de casa é encontrar planetas repletos de ambientes hostis como ciclones que nos jogam para fora, gravidades diferentes, líquidos mortais, criaturas assassinas, longos desertos e cidades cobertas de areia. Os locais, inclusive, lembram os ‘mini planetas’ de Pequeno Príncipe. E eis aqui o grande ponto forte de Outer Wilds. A galáxia, que muda de tempos em tempos a cada iniciar do jogo, é muito bem criada e pensada, exigindo raciocínio rápido em determinados momentos. Cito como exemplo dois planetas irmãos que vivem orbitando perto do outro. A matéria prima de um cobre o outro por um tempo, deixando assim um deles livres para explorar.
Há também um que abriga um território parecido com o peixe-diabo. Aliás, não aconselho se aproximar de primeira. Conhecer o local em que vai pisar é obrigação, ainda mais porque, além do curto tempo, o gameplay inclui saúde e o oxigênio limitados, o que coloca mais responsabilidade em cada visita. Se toda essa parte exige atenção, graças ao bom trabalho dos programadores ela rola de maneira coesa, satisfatória e intuitiva. Não posso escrever que os comandos são perfeitos, pois não são. Contudo, não citarei como ponto negativo já que imagino não ser fácil caminhar em gravidade zero (ou perto disso), bem como dirigir uma nave.
Os comandos se resumem a pular, direcionar os movimentos para esquerda, direita, cima e baixo, interagir com objetos e utilizar o Signal Scope (espécie de captador de sons, importante para o desenrolar do enredo), além do tradutor e o Scout Launcher (lançador móvel repleto de funcionalidades). Tudo funciona perfeitamente.
Energia, frequência e vibração
Ao lado de todas essas benfeitorias presentes em Outer Wilds, cito ainda os gráficos, a ambientação, o visual e todos os efeitos sonoros. Importantes para certas descobertas, os efeitos sonoros me colocaram dentro do enredo duma forma que me emocionei em alguns momentos, levei sustos ao morrer para uma criatura escondida, me animei ao seguir pistas sonoras e, por fim, adorei a quebra do silêncio quando uma música ou outra tocam bem em momentos chaves. Aliás, que composições. Produzidas por Andrew Prahlow, a coletânea com mais de uma hora de duração mistura música folk com trilhas minimalistas recheadas de nostalgia ao colocar para jogo gaita, violão, tambores, assovios e outros instrumentos na medida certa.
A partir de gráficos simples, mas muito bem elaborados e desenhados, fui entregue a um belo e único sistema solar. A direção de arte é perfeita. Com seis planetas iniciais (será que são só seis?), todos eles possuem características próprias que se dividem em biomas, regras de gravidade e matérias primas exclusivas. Construído em cima de uma gigantesca imersão, o jogo realmente conquista o espaço que, na minha humilde opinião, No Man’s Sky deveria ter conquistado. É muito gostoso passear pelos tortuosos caminhos do Hourglass Twins, pelas vastas florestas de Timber Hearts, descobrir o que se esconde atrás das sombras de Brittle Hollow, adentrar na imensidão do Giant’s Deep, iluminar cada entrada do Dark Bramble ou deslizar pelo liso chão de The Wanderer.
Espaço livre dentro de um buraco de imensidão
Posso resumir minhas horas devorando Outer Wilds da seguinte maneira: vivi uma das experiências mais fantásticas desses meus últimos tempos. Aliando com precisão a parte técnica, o enredo, os gráficos e a parte sonora, recomendo demais o jogo para todos aqueles que estão afim de se desligar por umas horas e esquecer dos problemas que nos cercam.
Repleto de influências do mundo de ficção científica e, até mesmo, de The Legend of Zelda: Majora’s Mask, não há objetivos claros e muito menos roteiros te indicando o que fazer. O saciar da fome de descoberta é preenchido com a quase obrigação de explorar, explorar e explorar, sempre no seu ritmo, mas sempre se lembrando que a cada 22 minutos você terá a chance de recomeçar, seja apagando os erros do passado, aprendendo com as conquistas que marcaram a viagem e planejando o futuro com ideias melhores. O rumo das coisas só depende de você.
Sozinho na galáxia, tendo apenas a mochila e a nave como companheiras, é impossível não refletir sobre a vida, sobre o despreparo que temos para encarar o novo e o inóspito. Outer Wilds me marcou e espero que o mesmo aconteça com você. É um dos maiores títulos desses últimos anos, sem dúvidas.