“John é um homem de foco, comprometimento, força de vontade… coisas que você sabe muito pouco sobre. Uma vez eu vi ele matar três caras em um bar… com um lápis, com uma merda de um lápis. Então, um dia, ele me pede para sair. Era mulher, claro. Então fiz um acordo com ele. Dei uma tarefa impossível. Um trabalho que ninguém conseguiria fazer. Os corpos que ele enterrou naquele dia são a fundação do que somos hoje.”
Essa é uma das melhores descrições que já tive de um personagem falando só do comportamento dele. Rápido, simples, descreve personalidade, modus operandi e objetivos. E é essa pessoa que você encarna em John Wick Hex. Sinta a pressão.
O mais novo lançamento da Bithell Games, publicado pela Good Shepherd Entertainment, corre pela perigosa linha dos jogos baseados em obras de outras mídias – no caso, da trilogia de filmes John Wick. Contando com o que Baba Yaga – apelido de Wick nos filmes – faz nas cenas, a combinação de ação e estratégia do jogo gerava uma expectativa bem grande.
Fortis Fortuna Adiuvat
A longa linhagem de jogos baseados em filmes faz com que a toda e qualquer instância do tipo eu tenha a tendência de correr até o horizonte (e como a Terra não é plana (seus imbecis), seguir correndo até dar a volta nessa quase bolinha azul). A preocupação só aumentou por ser um grande fã da franquia, então um misto do medo de me decepcionar com algo penoso com a incapacidade de compreender como seria a reprodução dos movimentos de Wick tomou conta do meu pequeno ser.
Tratemos então do último medo citado: como ser John Wick? Neste momento entra em ação a mecânica de combate por… tempo? Fazendo jus ao nome do jogo, em John Wick Hex temos espaços hexagonais para nos movimentar pelo mundo. Como em toda situação que experienciamos na dura vida de John, ele está caçando alguém ou se defendendo. Independente disso, uma boa galera vai acabar morrendo com isso.
A divisão das movimentações não é exatamente por turno, e sim por tempo. Cada uma das ações disponíveis para Wick – andar, se agachar, rolar, atacar, empurrar, derrubar, bloquear, atirar, arremessar sua arma ou pegar alguma coisa no chão – gasta um determinado tempo. Assim como você tem que lidar com essa situação, seus inimigos também vivem de acordo com as mesmas regras temporais.
Para manter a referência global, temos uma linha do tempo que compara o consumo de tempo das suas ações assim como das ações dos inimigos visíveis. Utilizando-se das habilidades quase que sobrehumana de John Wick, conseguimos ter uma noção geral das ações de todos à sua volta, permitindo que tomemos decisões que, aí sim, realmente parecem com as de Baba Yaga pelos filmes.
Passando por cenários bem diferentes entre si, os elementos presentes pela paisagem que observamos possuem uma variedade considerável. Levando também em consideração a quantidade de inimigos diferentes, com suas respectivas ações padrão e opções de ferramentas de assassinato, a maneira com a qual vamos agir perante as situações acabam precisando de muitos ajustes. John Wick só se tornou o Bicho-Papão sendo adaptável, habilidoso e mortal. E John Wick Hex não espera nada menos de você.
Se vocês estão levemente atentos ou já familiarizados com John Wick e sua respectiva mitologia, sabem que ele tem mais apelidos que Daenerys Targaryen. Isso leva a uma mecânica interessante em John Wick Hex relacionada à capacidade de mimetizar as habilidades do mesmo. Um dos modos de jogo te dá todo o tempo do mundo para decidir o que fazer (ao contrário do outro, que dá 5 segundos), porém uma vez tomada a decisão, corre o relógio dentro do mundo do jogo. Caso você consiga finalizar a sequência de cenários desta seção dentro de um limite de tempo (de ação), você desbloqueia um novo título para John Wick.
Outros títulos podem ser obtidos a partir de situações como não utilizar itens de cura, manter uma porcentagem de acerto de tiros acima de um limite, por exemplo. Para cada um desses pontos, um novo título. E conseguindo cumprir a todos, você se torna Baba Yaga de fato.
Si vis pacem, para bellum
Seguindo um estilo de trabalho do estúdio responsável pelo desenvolvimento, os gráficos de John Wick Hex seguem um modelo cel shading misturado ao low-poly. Essa escolha deixa o jogo com uma sensação diferenciada de uma história que se passa em algo muito parecido com o nosso mundo, porém com um ou outro ponto que separa as duas realidades.
Sendo um jogo licenciado, temos a aparência real de personagens presentes nos filmes, como Ian McShane (Winston) e Lance Reddick (Charon). Acredito eu que também tentaram reproduzir algo como o que deveria ser Keanu Reeves, mas se essa foi a tentativa, falharam miseravelmente.
Além disso, tendo uma história pouco profunda, mas que serve perfeitamente o objetivo, tal qual os filmes em si, a narrativa de John Wick Hex é exatamente o que precisa ser. Nada demais. Nada de menos. O que vale a pena é acompanhar a atuação dos já citados Ian McShane e Lance Reddick, que fazem um ótimo trabalho, além de Troy Baker. Imagino eu que ter Keanu seria caro demais, mas John Wick quase não fala mesmo, então não daria tanta diferença.
Um dos poucos pontos que me incomodam no jogo é a câmera. Ela funciona, como esperado, tal qual uma câmera de um jogo de estratégia padrão, porém mais limitada. O alcance de inclinação vertical não é muito grande, deixando a visualização sempre em um ponto meio incômodo. Caso ela permitisse uma visão mais de cima, traria um melhor entendimento sobre o todo. Caso permitisse uma câmera mais próxima ao personagem, teríamos uma sensação maior de encarnar John Wick. Nenhuma destas situações é possível.
Por fim, John Wick Hex se colocou em uma seleta lista de jogos adaptados de outras mídias que são tão bons que tornam-se uma entidade própria, tal qual a série Batman Arkham. Ação de qualidade, estratégia de qualidade, dublagem de qualidade, um jogo bem cuidado no geral. Acima de tudo, a sensação de ser tão competente no que faz como John Wick não tem preço.