A vontade de partir para o desconhecido e construir o próprio destino faz parte da aventura humana, desde tempos ancestrais, passando por Marco Polo, pelas grandes navegações e chegando no espaço, a última fronteira. Nesse sentido, D.R.I.F.T. é um título ambicioso que busca oferecer um universo inteiro para o jogador explorar e criar suas próprias narrativas.

Entretanto, a desenvolvedora independente ResilientLogic Games tropeça em questões orçamentárias (dentro e fora do jogo), esbarra em bugs e termina falhando catastroficamente ao entregar uma experiência ainda mais arrastada do que o permitido para o subgênero espacial.

D.R.I.F.T.

Beleza não põe mesa?

Precisamos falar de recursos financeiros. De imediato, eu gostaria de tirar da frente a gritante diferença econômica entre um estúdio milionário capaz de desenvolver um Elite Dangerous ou um No Man’ Sky e um estúdio do Sul global. Seria injusto tecer comparações entre gráficos, nível de polimento, dublagem e outros fatores técnicos que o dinheiro pode comprar. D.R.I.F.T. é um jogo de baixo orçamento e será analisado dentro desse contexto.

Historicamente, o gênero em que se insere começou com gráficos monocromáticos (como o primeiríssimo Elite, um clássico imortal) e gerou títulos que transcenderam limitações como Strange Adventures in Infinite Space. Mais recentemente, analisei The Long Journey Home, que não venceria nenhum concurso de beleza cósmica, mas quebrava um galho nesse quesito.

O fato é que D.R.I.F.T. é feio. Sua interface gráfica lembra os sites dos primórdios da internet, seus objetos 3D recortados não tem nenhum tratamento de anti-aliasing contra o fundo utilizado. Seu uso de cores é simplório. Sua viagem espacial é uma paisagem basicamente negra, com algumas estrelas ao fundo. É um jogo que parece desenvolvido na arcaica tecnologia Flash, mas foi feito em Unity.

D.R.I.F.T.

Ainda assim, há algo de sedutor nessas escolhas de design. É perceptível que a ResilientLogic Games tentou da melhor maneira possível pular essa etapa de UI para chegar logo nas mecânicas. Um “eye candy” seria um acréscimo satisfatório? Certamente. Entretanto, no fundo, bem lá no fundo, todos os jogos espaciais são menus e tabelas complexas para os amantes de gerenciamento. É uma questão de administrar números e ver números subindo, uma verdade que David Braben viu lá atrás desde os primórdios do gênero e ele apenas foi adicionando camadas de efeitos visuais em cima das planilhas.

Infelizmente, é nesse grande espaço vazio de estilo que o jogador irá passar a maior parte do seu tempo. Decidida a missão de transporte, em questão de segundos, os minutos seguintes serão uma sucessão infinita dos mesmos comandos: decolar, ativar auto-navegação, contemplar suas escolhas de vida por muitos e muitos minutos, pousar, escolher a próxima missão.

D.R.I.F.T.

D.R.I.F.T. escancara a aridez do gênero. O “eye candy” tinha uma razão de ser, no final das contas. Entre uma viagem e outra, não há nada mais para se fazer. O jogo ainda cai no erro extra de tornar a navegação manual quase impossível, na ausência de um tutorial. A própria auto-navegação pode causar erros incorrigíveis se você desligar e ligar de novo ou se alterar o destino no meio do caminho. A única solução para essas alterações de rota é salvar, sair do jogo e voltar, que a auto-navegação reseta e volta a obedecer.

A ResilientLogic Games parece ter autocrítica ou pelo menos consciência de que essas longas viagens são enfadonhas. Existe uma IA na nave que emite comentários aleatórios de tempos em tempos. Não é exatamente uma interação e a IA A.U.R.A. parece provocar o jogador.

D.R.I.F.T.

Essa IA está me zoando?

D.R.I.F.T. pelo menos traz uma trilha sonora caprichada. É satisfatório demais ouvir as faixas, mas é possível também que meu cérebro estivesse se agarrando a qualquer coisa entre o ponto de partida e o ponto de chegada de cada missão.

A Space Gig Economy de D.R.I.F.T.

De acordo com a desenvolvedora, o título vai permitir que o jogador escolha como abordar esse universo: ele vai transportar cargas? Ele vai comprar recursos em estações espaciais e vender por preços mais altos em colônias e vice-versa? Ele vai minerar asteroides? Ele vai investigar anomalias? Ele vai resgatar naufrágios? Ele vai fazer alianças com facções? São muitas ambições e, para ser honesto, eu não tenho a menor condição de descobrir se o estúdio conseguiu expandir esse leque. O motivo é muito simples: sou pobre.

A economia de D.R.I.F.T. é brutal em seu início, é a face feroz do capitalismo. Seu personagem não possui uma nave e trabalha com naves emprestadas ao acaso para cada missão. Isso significa que é possível aceitar uma missão que vai levar uma quantidade insuportável de minutos para ser completada e descobrir que esse tempo será dobrado ou triplicado porque sua nave é lenta. E a carga vai chegar atrasada e sua reputação vai cair, por causa de um elemento que você não controla.

A solução mais óbvia é angariar fundos para comprar sua própria nave. Isso abriria não apenas a certeza da velocidade que ela será capaz de fazer como também abriria a mecânica de comprar peças para aprimorá-la ou comprar mercadorias para revender. Exceto que o sonho da nave própria é um tormento. Comecei uma sessão, joguei por uma hora e juntei 12 mil créditos. A nave mais barata custava 96 mil créditos. Faça as contas.

D.R.I.F.T.

Acreditando ter caído no pior universo possível, abri outra sessão, gerei outro universo aleatório e permaneci fiel a ele por mais três horas (não seguidas, é claro). Tomei o cuidado de aceitar somente as missões com o melhor soldo. Ao todo, completei 28 missões rigorosamente idênticas (voe do ponto A para o ponto B, ganhe dinheiro). Fiz 40 mil créditos. Encontrei em uma colônia perdida uma nave ainda mais barata pra vender! E o sonho continuava impossível, porque a nave mais barata estava saindo por 56 mil créditos.

Eu poderia ter jogado por mais 90 minutos e juntado essa grana? Talvez. Qual era o meu nível de dedicação para ver o espaço preto passando por 90 minutos? Desanimador, mas eu poderia ter feito. Exceto que minha última missão me deixou em uma estação espacial com zero missões. Nenhuma. Nada. Lembrando que eu era um trabalhador informal, sem nave própria e a única forma de conseguir uma nave emprestada era aceitando uma missão. Na prática, estava condenado a viver naquela estação, virar um mendigo espacial. Eu poderia carregar um jogo salvo? Também não. A única forma de sair do jogo (sem um Alt+F4, é claro) é o botão Salvar e Sair.

D.R.I.F.T. promete liberdade, mas joga na cara o horror de um sistema que suga sua alma e te prende no trabalho repetitivo. É o jogo mais representativo de nossos tempos ou apenas um título com graves problemas de balanceamento?

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