Existe uma cena gravada na memória de um filme absolutamente medíocre, chamado “Limite Vertical”. É um momento em que um personagem no alto de uma montanha corre em direção ao abismo, com uma picareta de escalada em cada mão. Ele salta para o vazio, na esperança de grudar no paredão que fica do outro lado (está no final do trailer do filme, para quem interessar). Lorn’s Lure é sobre isso: saltar para o vazio com o coração cheio de esperança e uma picareta em cada mão.
A desenvolvedora Rubeki Games (formada essencialmente por uma única pessoa) trabalhou nesse projeto ao longo de quatro anos. Esse intervalo acabou dando tempo para o surgimento de um tipo específico de jogo-meme: os títulos de “escalada impossível”. Jogos como Only Up, Chained Together, A Difficult Game About Climbing e Getting Over It with Bennett Foddy se tornaram fenômenos por oferecerem desafios punitivos e quase intransponíveis, onde a diversão emerge do sofrimento do jogador. Lorn’s Lure não pertence a essa cena. Sua escalada é possível, apenas infernalmente difícil.
Raiva contra a máquina
Nosso protagonista é um ciborgue, com mais partes mecânicas do que humanas. Porém, em seu peito bate uma vontade irrefreável: a vontade de conhecer mais sobre seu mundo, de ir além dos seus limites, de conhecer um horizonte que não existe. O universo de Lorn’s Lure é o interior de uma máquina de proporções colossais, uma megaestrutura cuja função é desconhecida por todos. Os traços de vida orgânica são mínimos em um ecossistema dominada pelo concreto, pelo metal, pelo plástico. E então nos perdemos. Séculos se passam, não existe caminho de retorno para sua antiga colônia e a única alternativa para o personagem é seguir em frente, custe o que custar.
A criação de Rubeki Games escapa então dos jogos-meme de “escalada impossível” não apenas em suas mecânicas menos injustas, mas também na contextualização de seu universo. Há uma mensagem aqui, há uma atmosfera opressora, somos vítimas de uma realidade brutalista, insípida, estéril e estamos na busca de respostas, seguindo os passos de uma luz estranha, quase divina. Nesse sentido, Lorn’s Lure poderia ser mais facilmente inserido na estética dos jogos que exploram os espaços liminares, um NaissanceE mais rústico e muito mais desafiador.
O tom dessa aventura é a solidão, ainda que nosso herói encontre outros seres conscientes aqui e ali. O tom dessa aventura é a pequenez, somos uma migalha se movendo entre abismos avassaladores e engrenagens quase cósmicas. O tom dessa aventura é o medo diante do desconhecido, do inexplicado, das perguntas que talvez não devessem ser respondidas. Para todas essas sensações, a trilha sonora acompanha. Ela é perfeita dentro da sua experiência, não é algo que o jogador iria correr atrás para ouvir no seu dia a dia, porém, quando o jogo abre, a música está ali para amplificar seus sentimentos, um imenso eco em câmaras infinitas.
A isca de Lorn’s Lure é o nosso desejo compartilhado de compreensão. A premissa do jogo pode ser básica: mova do ponto A para o ponto B da melhor forma que você conseguir. Porém, há um prazer contínuo na descoberta de novas paisagens, há um prazer contínuo na promessa de fragmentos de explicação. A liberdade plena será possível? Existe um lado de fora dessa estrutura? Há algo de Portal 2 se manifestando na criação da Rubeki Games.
Lorn’s Lure vai testar seu medo de altura e sua perseverança
É nas mecânicas que o jogo extrapola suas decisões estéticas. Se somos prisioneiros de uma estrutura indiferente a nossos anseios e estamos tentando arrancar a liberdade com todas as nossas forças, Lorn’s Lure não podia ser um jogo fácil. E ele não é. Nada nesse cenário foi projetado para ser explorado por homens, não há caminhos, não há atalhos, não há escadas ou facilidades. Existem somente escombros, pedaços de reboco caindo, vigas expostas, rachaduras. É por essas falhas na construção que iremos escalar, para cima ou para baixo, de acordo com a necessidade, arriscando a queda mortal.
Somente no primeiro nível, o nível introdutório do jogo, experimentei a morte 212 vezes. A Rubeki Games sabe que morrer é uma constante e é generosa tanto com a distribuição de checkpoints quanto com a velocidade que o jogo recarrega. Um, dois segundos e estamos de volta para uma nova tentativa. E uma nova queda, uma nova morte. É a persistência que irá nos guiar, a certeza de que o desafio proposto não é (tão) injusto ou impossível. É uma questão de confiar de que aquela altura não irá matar, confiar que alcançamos aquela distância e que aquele minúsculo topo de andaime pode ser atingido.
Lorn’s Lure adiciona novas ferramentas que irão ajudar a atravessar seus oito níveis. As picaretas duplas aparecem logo no começo e permitem escalar determinadas superfícies completamente verticais. Porém, o jogador irá receber também algumas outras surpresas pelo caminho, incluindo habilidades novas.
Infelizmente, nem todas as mecânicas são bem explicadas ou bem implementadas. Há uma constante sensação de que estamos “forçando a barra”, de que tal tarefa deveria ser impossível e, no entanto, realizamos. Em contrapartida, há momentos em que determinado salto deveria ser possível, mas fracassamos repetidas vezes.
Cuidado para não cair
Lorn’s Lure também se inspira nos speedruns (e há, inclusive, um modo especial para quem deseja bater recordes de tempo). Então, é necessário um pouco dessa mentalidade para diversos segmentos, em que a única forma de vencer é “forçar a barra”, é jogar sujo, é esticar os limites de suas mecânicas. Não é um parkour elegante, mas funcional.
Assim, o jogo se revela como um falso “mundo aberto”. Aparentemente, podemos ir em qualquer direção, inclusive no eixo vertical. Na prática, há objetivos a cumprir e existe um melhor caminho que, com muita frequência, é o único caminho. Insistir em rotas alternativas é um exercício de frustração. Para quem reclama das infames “marcações amarelas” em jogos modernos, que indicam onde se deve escalar, Lorn’s Lure é para queimar a língua e expurgar seus pecados: você que adivinhe a intenção de seu criador.
Decifrar Lorn’s Lure é aceitar enxergar além de suas superfícies, testar seus próprios limites e dar aquele salto mítico para o desconhecido, com uma picareta em cada mão.
Prós:
🔺 Atmosfera opressora
🔺 Desafio literalmente nas alturas
🔺 Premissa básica, mas instigante
🔺 Trilha sonora perfeita para o cenário
Contras:
🔻 A liberdade de movimentos pode ser falsa
🔻 Mecânicas poderiam ser melhor explicadas e/ou executadas
🔻 Gráficos “feios” podem afastar jogadores
Ficha Técnica:
Lançamento: 20/09/24
Desenvolvedora: Rubeki Games
Distribuidora: Rubeki Games
Plataformas: PC