É possível amar e odiar um jogo ao mesmo tempo? Harold Halibut é fruto do esforço de um punhado de artistas que levaram doze anos para literalmente concretizar um sonho. Existe dedicação, existe arte em cada pixel presente nessa tela, um prodígio técnico jamais igualado.
Em contrapartida, a desenvolvedora Slow Bros faz jus ao próprio nome e entrega uma experiência enfadonha, um belo tormento que o jogador apenas deseja que termine ou que, pelo menos, chegue em algum lugar. É uma animação digna de Oscar, que tenta ser um jogo e fracassa espetacularmente.
Harold Halibut é lindão demais
Não tem como começar essa análise sem o impacto da impressão inicial. Se você está lendo isso, é provável que já tenha ouvido falar do projeto. O desenvolvimento do jogo começou em 2012, em uma conversa de jantar. Um grupo de amigos revelou sua paixão por jogos eletrônicos narrativos e por animação em stop-motion. Daí para começar a criar cenários e modelos foi um pulo.
São inegáveis a paixão e o talento de seus criadores. Está visível já nos trailers. A Slow Bros criou um mundo majestoso de miniaturas e maquetes. Tudo que está na tela foi esculpido, modelado e animado no braço. Ainda assim, a fluidez dos movimentos é excepcional. O uso da iluminação é excepcional. A qualidade tátil dessas pessoas e objetos é excepcional. Harold Halibut não é o primeiro jogo em stop-motion (um salve para The Neverhood, do distante ano de 1996). Existem pouquíssimos no gênero e absolutamente nenhum deles supera a perfeição técnica atingida aqui.
Harold é o nome do protagonista, um homem comum, de intelecto possivelmente abaixo da média, mas de bom coração. Prestativo, ele está sempre disposto a ajudar seus vizinhos e amigos, a população da nave espacial naufragada Fedora. Essa sociedade é praticamente uma aldeia, com tipos surreais, mas palpáveis, pequenos fragmentos de vida que todos nós possivelmente já esbarramos por aí, com uma pitada de esquisitice, no máximo. É muito fácil se apaixonar por esses personagens e querer conhecer um pouco mais sobre suas vidas, seus amores, seus sonhos e objetivos.
Esse é o nível da qualidade da animação e da modelagem: seu protagonista, seus NPCs não precisam respirar para parecerem vivos na tela, mais vivos do que muitos personagens 3D gerados por computadores. Em um ano em que conteúdo sem alma gerado por IA caminha para se tornar a norma, a Slow Bros nos oferece um trabalho artesanal, quase folclórico, lotado de aconchego.
Nada acontece, feijoada
Lamentavelmente, o encantamento com Harold Halibut termina quando as horas se arrastam. Mecanicamente, isso não é um jogo. É um simulador de ir e voltar, de caminhar longas distâncias para ouvir longos diálogos. Pode-se argumentar (com certa maldade…) que essa descrição também se encaixa em obras maiores, como Death Stranding, por exemplo. Porém, é importante salientar que Death Stranding tem múltiplas camadas de jogabilidade, inclusive para o próprio ato de caminhar. Harold apenas anda de um ponto ao outro e ativa conversas em cutscenes.
Ocasionalmente, Harold esbarra em alguma outra mecânica diferenciada. São momentos raríssimos. Mesmo assim, a Slow Bros perde a oportunidade de apresentar algo que seja minimamente desafiador. São puzzles tão simples que uma criança de cinco anos conseguiria resolver: girar um parafuso, apertar um botão quando toca um alarme, esfregar uma esponja para limpar uma sujeira.
Por algum tempo, acreditei que essas tarefas enfadonhas guardavam algum significado mais profundo. Seria uma forma mecânica da desenvolvedora nos colocar na vida monótoma do protagonista, um faz-tudo, um quebra-galhos para quem nunca é oferecida uma oportunidade mais complexa? Depois de horas e horas, ficou claro que não há uma proposta por trás de tudo. Harold aceita o que lhe é empurrado sem jamais questionar, sem demonstrar que esteja sentindo o mesmo tédio que eu. Sem exagero algum, Harold Halibut foi um dos poucos jogos que me deu sono, vontade real de ir dormir.
Seria então um “walking simulator”? O princípio do bom “walking simulator” é ter uma sensação ou história para transmitir. Harold Halibut é muito eficiente em passar a sensação de que estamos vivendo uma realidade prosaica. Existe todo um pano de fundo para o fato dessa nave espacial estar submersa em um oceano alienígena, existe contato com outras formas de vida inteligentes, existe até mesmo uma conspiração por trás da empresa que controla o funcionamento da nave. E, ainda assim, o cotidiano de Harold não poderia ser mais banal, beirando o bobo. As grandes questões não tem o menor impacto no que ele ou nós sentimos, o fantástico também se torna banal.
Existe uma contagem regressiva no jogo e uma grande história por trás, mas ela acontece à revelia da jogabilidade. Os grandes momentos são tão espaçados e mudam tão pouco o status quo que não incentivam o retorno. O ritmo imposto pela Slow Bros é lento, lento demais, quase insuportável de tão lento.
Harold Halibut pode agradar um único tipo de público: aqueles que enxergam o belo no comum. Talvez o grande trunfo desse “jogo” não esteja somente na qualidade técnica, mas nas pequenas histórias tão normais que emergem a conta gotas nessa paisagem tão provinciana.
Prós:
🔺 Visualmente magistral
🔺 Animação de primeiríssima qualidade
🔺 Personagens cativantes
Contras:
🔻 Jogabilidade enfadonha
🔻 Puzzles medíocres
🔻 História arrastada
Ficha Técnica:
Lançamento: 16/04/24
Desenvolvedora: Slow Bros
Distribuidora: Slow Bros
Plataformas: PC, PS5, Xbox Series
Testado no: PC